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terça-feira, 11 de maio de 2010

O novo modelo elétrico do governo Lula e o fim da era do racionamento de energia


Após a crise do setor elétrico em 2001, ocasionada basicamente pela falta de planejamento e investimento do governo federal àquela época, ficava evidente que o modelo setorial implementado pelo governo FHC estava esgotado e se mostrava incapaz, portanto, de solucionar os gargalos existentes no setor. Tão logo teve início, o governo Lula constatou a necessidade urgente de alterar a política do setor elétrico, de forma a evitar que novos racionamentos ocasionassem transtornos dos mais variados tipos aos brasileiros.

Assim, o Ministério das Minas e Energia, tendo à frente da pasta a então ministra da Dilma Rousseff, iniciou um trabalho de reformulação do marco regulatório do setor elétrico, delineando, assim, uma arquitetura que evitasse novos apagões como os ocorridos em 2001. O novo marco regulatório do setor elétrico, que começou a ser desenvolvido em 2003, no primeiro ano do governo Lula, e foi anunciado oficialmente em 2004, foi importante à medida que afastou definitivamente o risco de novos racionamentos no país, uma vez que se preocupou em casar oferta e demanda de energia elétrica, além de estabelecer as regras de comercialização no setor.

Para que fiquem claras as diferenças entre o novo marco regulatório do setor elétrico, implementado no governo Lula pela então ministra das Minas e Energia Dilma Rousseff, e o modelo setorial desenvolvido no governo FHC, resgatemos as principais características do marco regulatório implementado em 1995 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Até 1993, no governo Itamar Franco, existia uma lei que decretava unicidade tarifária em todo o país: ou seja, as tarifas de energia elétrica cobradas pelas distribuidoras deveriam ser exatamente as mesmas, em quaisquer áreas do país.

O modelo do setor elétrico no governo FHC
Quando teve início o governo FHC, logo de imediato desenhou-se uma reformulação do setor elétrico brasileiro, atendendo, naturalmente, a diretrizes da política macroeconômica vigente. Neste sentido, a elaboração e implantação do modelo setorial elétrico de FHC tinham como princípio básico a transferência do monopólio estatal para a iniciativa privada, através da livre competição entre os agentes de geração e distribuição de energia elétrica. Entre fevereiro e julho de 1995, estabeleceram-se o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e também as normas para outorga e prorrogação das concessões, o que ficou conhecido como Lei das Privatizações.

No mercado de energia elétrica, essas medidas tomadas na totalidade da economia fizeram-se sentir na adoção do novo modelo do setor elétrico, que instituía a privatização de toda a rede de distribuição, geração e transmissão de energia elétrica. O modelo aprovado por FHC instituía, assim, a desverticalização do setor elétrico (isto é, a diferenciação entre geradoras, distribuidoras e transmissoras), a criação do ONS (Operador Nacional do Sistema) e da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e também a criação do MAE (Mercado Atacadista de Energia), onde seria feita a livre comercialização da energia no mercado spot (mercado de curto prazo).

Esse complexo mercado que estava sendo criado dentro do setor contava com agentes públicos, representados pelas instituições governamentais (como o Ministério das Minas e Energia, o ONS, o MAE) e também com agentes privados, classificados em agentes de geração, de distribuição, de transmissão, de comercialização, consumidores livres e consumidores cativos. Na prática, os agentes públicos ficavam de longe, apenas fiscalizando o andamento das negociações feitas pelos agentes privados. A regra geral no modelo instituído no governo FHC era o livre comércio de energia entre ofertantes (geradoras, em primeira instância, ou agentes de comercialização, em segunda instância) e demandantes (distribuidoras e consumidores).

A segurança de suprimento no modelo do governo Lula
O papel secundário assumido pelos agentes públicos na concepção do modelo do setor elétrico do governo FHC e algumas falhas operacionais do mesmo foram fatores determinantes para levar o país ao racionamento de energia elétrica em 2001. Assim, com o início do governo Lula, a nova equipe do setor elétrico procurou desenhar um novo marco regulatório para o setor, baseando-se em três premissas fundamentais: garantir a segurança do suprimento de energia elétrica, promover a modicidade tarifária, por meio da contratação eficiente de energia para os consumidores regulados e promover a inserção social do setor elétrico, através dos programas de universalização do atendimento.

No que se refere à questão da segurança de suprimento de energia elétrica, esta não existia de maneira direta no modelo desenhado pelo governo FHC. A determinação naquele modelo era de que as geradoras eram obrigadas a contratar 95%, e não 100%, da demanda existente de energia, o que, na prática, acabava criando riscos de déficits de energia elétrica, posto que a tendência era de que a oferta fosse menor do que o necessário para suprir a demanda existente. Além disso, averiguou-se que o cálculo da energia assegurada pelas usinas estava desconsiderando efeitos de restrições operativas, o que poderia subdimensionar os riscos de novos apagões.

Além disso, o modelo desenvolvido no governo FHC não levava em conta a diferença na contribuição das térmicas para a segurança de suprimento, o que mais uma vez levava ao subdimensionamento das possibilidades de novos déficits de energia. Tendo tudo isso em vista, o novo marco regulatório do setor elétrico implantado em 2004 pelo governo Lula instituiu a contratação por parte das geradoras da totalidade de demanda existente, além de desenvolver um mecanismo de cálculo mais realista do lastro de energia, evitando, com isso, que novos déficits inesperados de energia pudessem ocorrer por conta da margem de erro em fórmulas de cálculos utilizadas pelo modelo anterior.

Em termos institucionais, o novo modelo definiu a criação de uma instituição responsável pelo planejamento do setor elétrico a longo prazo (a Empresa de Pesquisa Energética - EPE), uma instituição com a função de avaliar permanentemente a segurança do suprimento de energia elétrica (o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE) e uma instituição para dar continuidade às atividades do MAE, relativas à comercialização de energia elétrica no sistema interligado (a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE). Buscava-se, com isso, tornar mais rígidas as normais de fiscalização do suprimento de energia elétrica no Brasil, afastando definitivamente o risco de novos racionamentos.

Modicidade tarifária e o novo marco regulatório
Todavia, o aspecto mais interessante do novo marco regulatório implantado no governo Lula diz respeito às regras instituídas no sentido de permitir uma maior modicidade tarifária para os consumidores. No modelo anterior, do governo FHC, o preço da energia era definido pelo próprio mercado, através das forças de oferta e demanda no mercado spot e também nos contratos diretos entre geradoras, distribuidoras, agentes de comercialização e consumidores livres. Com a instituição do novo marco regulatório, foram criados dois ambientes de contratação da energia: o Ambiente de Contratação Regulada (ACR), do qual participam agentes de geração e distribuição, e o Ambiente de Contratação Livre (ACL), do qual participam agentes de geração, comercialização, importadores e exportadores de energia, e consumidores livres.

Ou seja, dentro do ambiente regulado, as tarifas negociadas entre agentes de geração e distribuidores teriam um teto, de modo a não onerar os consumidores cativos (residências, indústrias de baixa e média tensão e comércio), como ocorria no modelo anterior. Esse aspecto do novo marco regulatório foi importante, inclusive, para efetuar o controle inflacionário no Brasil, já que uma boa parte da inflação verificada no governo FHC era causada pelas tarifas de energia, que não obedeciam a uma regulação rígida como a verificada no novo modelo aprovado pelo governo Lula. Com isso, a livre comercialização de energia ficava restrita ao ACL, sendo que as tarifas incidentes sobre a esmagadora maioria da população teriam limites estabelecidos pelo ACR.

Um outro ponto interessante do novo marco regulatório – e que colaborou decisivamente para os menores preços das tarifas de energia – diz respeito à instituição da regra de que toda a compra de energia se daria por meio de leilões, que passaram a adotar o critério da “menor tarifa”. Além disso, instituiu-se a contratação de energia por licitação conjunta dos distribuidores (“pool”), visando obter, com isso, economia de escala na contratação de energia de novos empreendimentos, repartir riscos e benefícios contratuais e equalizar tarifas de suprimento. A contratação por meio de um pool de distribuidoras aumentava, na prática, o poder de barganha dessas empresas, permitindo tarifas menores, ao mesmo tempo que diluía o risco dos novos empreendimentos.

Levando-se em conta um plano de expansão da capacidade instalada, o novo marco regulatório instituiu a contratação separada das energias das novas usinas que seriam construídas (“energia nova”) e das energias das usinas já existentes (“energia velha”). Assim, o novo modelo do setor elétrico instituído pelo governo Lula determinava que as distribuidoras que fossem contratar a energia para atender a demanda já existente deveriam contratar a “energia velha”, enquanto para os acréscimos de demanda seria contratada a “energia nova”. Como a “energia velha” é gerada por empreendimentos que já foram parcialmente ou totalmente amortizados, então o seu preço é menor do que o da “energia nova”, contribuindo, assim, para menores tarifas aos consumidores finais.

O que se vê, de uma maneira geral, é que o novo marco regulatório do setor elétrico, desenvolvido e implantado pelo governo Lula, organizou de uma maneira muito mais eficiente o setor, à medida que ampliou a presença do Estado, que passou, além de fiscalizar, a regular os preços aos consumidores cativos e também proveu uma maior segurança de suprimento. As medidas tomadas por esse novo modelo, em vigência desde 2004, não somente asseguraram o abastecimento de energia elétrica no país, como também favoreceram tarifas menores para o consumidor final, sendo um importante instrumento de controle inflacionário. Com isso, o governo Lula afastou de vez o risco de novos racionamentos no país.



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