Passadas duas semanas da vitória de Dilma Rousseff (PT), as eleições brasileiras, dada sua importância, ainda têm ocupado a pauta de boa parte da imprensa internacional, sobretudo na América Latina. O Boteko Vermelho reproduz abaixo artigo de Boaventura de Sousa Santos (Doutor em Filosofia do Direito e professor das Universidades de Coimbra e Wisconsin), publicado nesta última semana no jornal argentino Página 12. Sob o título ”Sinais de Esperança”, o autor fala da importância da eleição de Dilma para os partidos de esquerda na Europa e também para as forças progressistas da América Latina, a despeito das ambições imperialistas de Washington.
Sinais de Esperança
As eleições no Brasil tiveram uma importância internacional inusitada. As razões diferem de acordo com a perspectiva geopolítica que se adota. Vistas da Europa, as eleições tiveram um significado especial para os partidos de esquerda. A Europa vive uma grande crise que ameaça liquidar com o núcleo duro de sua identidade: o modelo social europeu e a social-democracia. Desde o início de 2010 criou-se, quase de maneira instantânea, um novo senso comum, para o qual o modelo social europeu não é viável: a Europa deve abandoná-lo para recuperar o crescimento e aceitar os custos sociais que isto implicará. Aos latino-americanos, não lhes escapará o significado deste novo senso comum: o FMI já está sentado à mesa para discutir as políticas públicas européias.
Por outro lado, a dura derrota do partido social-democrata sueco nas eleições de setembro último – quando alcançaram 30,9% dos votos, seu pior resultado desde 1914 – teve um valor simbólico e político. Apesar de estarmos diante de realidades sociológicas distintas, o Brasil levantou nos últimos oito anos a bandeira da democracia social e reduziu significativamente a pobreza. Fez isso reivindicando a especificidade de seu modelo, mas o fundamentando na mesma idéia básica da democracia social: combinar aumento da produtividade econômica com o aumento da proteção social. Para os partidos na Europa que lutam por uma reforma do modelo social – mas não por sua extinção -, as eleições do Brasil trouxeram um pouco mais de ar para respirar.
No continente americano, as eleições brasileiras tiveram uma relevância sem precedentes. Duas perspectivas opostas se enfrentaram. Para o governo dos Estados Unidos, o Brasil de Lula tem sido um parceiro relutante, desconcertante e, em última instância, pouco confiável. Combinou uma política econômica “aceitável” (ainda que criticada por não continuar com o processo de privatizações) com uma política externa “hostil”. Para os Estados Unidos, é hostil toda política externa que não esteja totalmente alinhada às decisões de Washington. Tudo começou ainda no início do primeiro mandato de Lula, quando o presidente brasileiro decidiu fornecer meio milhão de barris de petróleo à Venezuela de Hugo Chávez, que nesse momento enfrentava uma greve do setor petroleiro depois de ter sobrevivido a um golpe de Estado no qual estiveram envolvidos os norte-americanos.
Este ato significou um obstáculo enorme para a política dos Estados Unidos de isolar o governo de Chávez. Os anos seguintes confirmaram a posição autônoma do governo de Lula. O Brasil se pronunciou de maneira veemente contra o bloqueio econômico a Cuba e estabeleceu relações de confiança com os governos eleitos – porém considerados “hostis” pelos Estados Unidos – de Bolívia e Equador, defendendo-os das tentativas de golpe da direita em 2008 e 2010, respectivamente. O Brasil promoveu formas de integração regional, tanto no plano econômico quanto no político e militar, à revelia dos Estados Unidos. Mas a ousadia das ousadias foi buscar uma relação independente com o governo “terrorista” do Irã.
Na última década, a guerra no Oriente Médio fez com que os Estados Unidos “abandonassem” a América Latina. Agora os Estados Unidos estão voltando e as formas de intervenção são mais sofisticadas que antes. A obsessão do candidato derrotado José Serra em relação ao narcotráfico na Bolívia (um ator secundário) era o sinal do desejo de alinhamento [com Washington]. A visita de Hillary Clinton e a confirmação, pouco antes das eleições, de um embaixador duro (um “falcão”), Thomas Shannon, são sinais claros da estratégia norte-americana: um Brasil alinhado com Washington provocaria, como efeito dominó, a queda de outros governos não alinhados no subcontinente.
A morte de Néstor Kirchner foi vista pelo imperialismo norte-americano como um importante impulso para gerar esse efeito dominó. Basta ver como a morte do grande político argentino foi recebida cinicamente pelos mercados financeiros, com a imediata valorização dos títulos da Argentina diante da expectativa de uma virada política para um modelo “mais amigável aos mercados”. Com a vitória de Dilma Rousseff, o projeto imperialista irá manter-se, pelo menos por hora, adiado.
A segunda perspectiva sobre as eleições é oposta à norte-americana, sendo assumida pelos governos “desalinhados” [a Washington] e progressistas do continente, assim como pelas classes e movimentos sociais que os levaram ao poder. Para todos eles, as eleições brasileiras foram um sinal de esperança, um espaço para uma política regional com algum grau de autonomia e para um novo tipo de nacionalismo que aposte em uma maior redistribuição da riqueza coletiva.
Sinais de Esperança
As eleições no Brasil tiveram uma importância internacional inusitada. As razões diferem de acordo com a perspectiva geopolítica que se adota. Vistas da Europa, as eleições tiveram um significado especial para os partidos de esquerda. A Europa vive uma grande crise que ameaça liquidar com o núcleo duro de sua identidade: o modelo social europeu e a social-democracia. Desde o início de 2010 criou-se, quase de maneira instantânea, um novo senso comum, para o qual o modelo social europeu não é viável: a Europa deve abandoná-lo para recuperar o crescimento e aceitar os custos sociais que isto implicará. Aos latino-americanos, não lhes escapará o significado deste novo senso comum: o FMI já está sentado à mesa para discutir as políticas públicas européias.
Por outro lado, a dura derrota do partido social-democrata sueco nas eleições de setembro último – quando alcançaram 30,9% dos votos, seu pior resultado desde 1914 – teve um valor simbólico e político. Apesar de estarmos diante de realidades sociológicas distintas, o Brasil levantou nos últimos oito anos a bandeira da democracia social e reduziu significativamente a pobreza. Fez isso reivindicando a especificidade de seu modelo, mas o fundamentando na mesma idéia básica da democracia social: combinar aumento da produtividade econômica com o aumento da proteção social. Para os partidos na Europa que lutam por uma reforma do modelo social – mas não por sua extinção -, as eleições do Brasil trouxeram um pouco mais de ar para respirar.
No continente americano, as eleições brasileiras tiveram uma relevância sem precedentes. Duas perspectivas opostas se enfrentaram. Para o governo dos Estados Unidos, o Brasil de Lula tem sido um parceiro relutante, desconcertante e, em última instância, pouco confiável. Combinou uma política econômica “aceitável” (ainda que criticada por não continuar com o processo de privatizações) com uma política externa “hostil”. Para os Estados Unidos, é hostil toda política externa que não esteja totalmente alinhada às decisões de Washington. Tudo começou ainda no início do primeiro mandato de Lula, quando o presidente brasileiro decidiu fornecer meio milhão de barris de petróleo à Venezuela de Hugo Chávez, que nesse momento enfrentava uma greve do setor petroleiro depois de ter sobrevivido a um golpe de Estado no qual estiveram envolvidos os norte-americanos.
Este ato significou um obstáculo enorme para a política dos Estados Unidos de isolar o governo de Chávez. Os anos seguintes confirmaram a posição autônoma do governo de Lula. O Brasil se pronunciou de maneira veemente contra o bloqueio econômico a Cuba e estabeleceu relações de confiança com os governos eleitos – porém considerados “hostis” pelos Estados Unidos – de Bolívia e Equador, defendendo-os das tentativas de golpe da direita em 2008 e 2010, respectivamente. O Brasil promoveu formas de integração regional, tanto no plano econômico quanto no político e militar, à revelia dos Estados Unidos. Mas a ousadia das ousadias foi buscar uma relação independente com o governo “terrorista” do Irã.
Na última década, a guerra no Oriente Médio fez com que os Estados Unidos “abandonassem” a América Latina. Agora os Estados Unidos estão voltando e as formas de intervenção são mais sofisticadas que antes. A obsessão do candidato derrotado José Serra em relação ao narcotráfico na Bolívia (um ator secundário) era o sinal do desejo de alinhamento [com Washington]. A visita de Hillary Clinton e a confirmação, pouco antes das eleições, de um embaixador duro (um “falcão”), Thomas Shannon, são sinais claros da estratégia norte-americana: um Brasil alinhado com Washington provocaria, como efeito dominó, a queda de outros governos não alinhados no subcontinente.
A morte de Néstor Kirchner foi vista pelo imperialismo norte-americano como um importante impulso para gerar esse efeito dominó. Basta ver como a morte do grande político argentino foi recebida cinicamente pelos mercados financeiros, com a imediata valorização dos títulos da Argentina diante da expectativa de uma virada política para um modelo “mais amigável aos mercados”. Com a vitória de Dilma Rousseff, o projeto imperialista irá manter-se, pelo menos por hora, adiado.
A segunda perspectiva sobre as eleições é oposta à norte-americana, sendo assumida pelos governos “desalinhados” [a Washington] e progressistas do continente, assim como pelas classes e movimentos sociais que os levaram ao poder. Para todos eles, as eleições brasileiras foram um sinal de esperança, um espaço para uma política regional com algum grau de autonomia e para um novo tipo de nacionalismo que aposte em uma maior redistribuição da riqueza coletiva.
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