Cardápio do boteko

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Algumas ponderações sobre o fato do salário médio do Rio ter superado o de SP

O jornalista Paulo Henrique Amorim publicou em seu blog Conversa Afiada na segunda-feira, 20, um texto tratando da questão de que “pela primeira vez, o salário médio do trabalhador do Rio é maior do que o salário médio do trabalhador de São Paulo”, partindo-se de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados na semana passada. A explicação de PHA para esse fato é de que o governo tucano “afundou São Paulo” e que, assim como apontado por um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas), São Paulo vem perdendo participação no bolo da economia brasileira.

Bem, que o governo do PSDB vem promovendo um desmonte do Estado de São Paulo nos últimos 16 anos, isso ninguém duvida. O estado, que alguns anos atrás era conhecido como a “locomotiva do Brasil”, vem registrando taxas de crescimento cada vez mais tímidas na comparação com o total da economia brasileira. Contudo, é preciso tomar muito cuidado antes de sairmos fazendo análises sobre o comportamento de certos indicadores, ao risco de acabarmos dizendo bobagens. No caso dos indicadores econômicos, como o salário médio, por exemplo, mais importante que o componente estático é o componente dinâmico.

Ou seja, é mais importante sabermos a tendência do indicador do que sua posição num dado instante do tempo. Se analisarmos os números do IBGE, veremos que tanto Rio de Janeiro quanto São Paulo registram, até 2009, taxas de crescimento do salário médio muito próximas, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo. Se observarmos a expansão do rendimento médio entre novembro de 2002 e novembro de 2009, veremos que São Paulo apresentou um crescimento médio de 3,1%, enquanto o Rio de Janeiro teve uma elevação ligeiramente menor, de 2,9%. Ambos os estados, contudo, cresceram mais timidamente que a média total do salário médio no Brasil, que foi de 3,9%.

Façamos este mesmo exercício para o período entre novembro de 2002 e novembro deste ano. Neste intervalo de tempo, o salário médio no Rio de Janeiro saltou de R$ 1.392,44 para R$ 1.616,60, um expressivo crescimento de 16,1%. Enquanto isso, o rendimento médio de São Paulo elevou-se de R$ 1.559,63 para R$ 1.611, 80, o que representa um avanço de apenas 3,3%. Deve-se notar que São Paulo manteve praticamente o mesmo ritmo de crescimento que vinha tendo em anos anteriores, com uma ligeira aceleração. Por outro lado, o Rio de Janeiro apresentou um crescimento, a priori, totalmente fora da curva, o que elevou o rendimento médio no estado para um nível superior ao de São Paulo.

Uma observação das curvas mostra claramente que a aceleração do crescimento do rendimento médio do Rio se deu sistematicamente ao longo de 2010. Cabe aqui a questão: esse ritmo de crescimento do salário médio carioca deve se manter nos próximos períodos ou se trata apenas de uma aceleração localizada na série de tempo? Segundo PHA, “o Rio passou a criar empregos que exigem mão-de-obra mais qualificada e, portanto, de salário mais alto. A economia do Rio se beneficia e se beneficiará cada vez mais da industrialização movida a petróleo, pré-sal e Petrobrás. Os salários que o Rio passou a pagar exigem mais estudo e são oriundos da indústria. Como se sabe, a indústria cria mais empregos que o setor de serviços, especialmente os bancos, que aceleradamente trocam homem por computador”.

Salário médio vai manter ritmo de crescimento no RJ?
A explicação do jornalista é bastante plausível, mas carece de fundamentos que indiquem para uma manutenção desta tendência ao longo dos próximos meses e anos. Se novamente recorrermos aos dados do IBGE, poderemos constatar que de fato a indústria no Rio apresentou um comportamento melhor que a indústria paulista com relação a contratação de mão-de-obra ao longo de 2010. Entre janeiro e outubro deste ano, a indústria carioca registrou expansão de 5,5% no nível de ocupação, enquanto a folha de pagamento real cresceu 9,7%. Ou seja, já se descontando a inflação, nota-se um nível de crescimento da folha de pagamento acima da elevação do pessoal ocupado, o que indica contratação de cargos com maiores salários.

Neste mesmo período, o pessoal ocupado na indústria paulista avançou 2,9%, frente a um crescimento de 5,3% na folha de pagamento real. Com isso, a folha de pagamento média real (ou seja, a folha de pagamento real dividida pelo pessoal ocupado) cresceu 3,97% no Rio de Janeiro entre janeiro e outubro deste ano, contra uma elevação de 2,25% em São Paulo em igual período. Naturalmente, como a indústria tem um forte peso na geração de empregos e, portanto, na massa salarial da economia, esse crescimento superior no Rio em comparação à São Paulo pode ser uma explicação para que o salário médio carioca tenha alcançado níveis superiores ao do paulista. A questão que se coloca aqui não é nem a manutenção da tendência, mas sim a manutenção deste ritmo de crescimento.

Isto porque, de fato, as projeções são de que a indústria do Rio de Janeiro deve seguir em trajetória de crescimento nos próximos anos, tanto em função das atividades de exploração, produção e refino do pré-sal quanto pela construção do Pólo Petroquímico do Rio de Janeiro e da dinamização da indústria naval. Mas aí entra uma questão matemática: a expansão dessas indústrias naturalmente irá requerer mão-de-obra especializada, que é logicamente mais cara. Contudo, serão gerados muitos postos também no chamado “chão de fábrica”, com salários tradicionalmente menores. Isso naturalmente segura uma maior expansão da curva de rendimento médio, pois pode implicar em uma expansão do rendimento médio a taxas inferiores ao crescimento do pessoal ocupado.

Logo, teremos que aguardar os próximos meses para verificar se este movimento da curva de rendimento médio do Rio de Janeiro é consistente ou se não passou de uma aceleração pontual devido à maior expansão da indústria naval e petroquímica em 2010. Como dito anteriormente, ainda é cedo para tecer prognósticos: temos que acompanhar a evolução dos indicadores para somente então podermos efetuar uma análise mais certeira. Afinal de contas, como o próprio ditado popular diz: “prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.

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