Cardápio do boteko

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Novela tucana: Serra bem que queria liderar oposição, mas esqueceu de combinar com PSDB

Depois de ter jogado para escanteio o ex-Presidente e correligionário Fernando Henrique Cardoso durante a campanha eleitoral do ano passado, agora parece que é a vez de José Serra (PSDB) experimentar do seu próprio veneno. Assim como FHC, Serra caminha para um ostracismo em seu próprio partido. Ainda que em rumos semelhantes, FHC ainda tem uma vantagem sobre Serra: ao menos, ele conseguiu ser Presidente da República, posto tão almejado, mas nunca conseguido pelo ex-governador de São Paulo, que, ao que tudo indica, cairá logo no esquecimento tucano, não por sua vontade, que fique claro.

Já no seu discurso no dia 31 de outubro de 2010, ao reconhecer sua derrota para a atual Presidenta Dilma Rousseff (PT), José Serra mandava um recado não só para seus eleitores, mas principalmente para seus correligionários. Na ocasião, o tucano encerrou sua fala afirmando que “não se tratava de um adeus, mas de um até logo”. Como o jargão popular nos ensina que “para bom entendedor, um pingo é letra”, Serra deixava muito clara ali sua intenção em seguir em evidência, tentando talvez mostrar ali para seus pares que ele seria o melhor nome para liderar a oposição ao terceiro governo petista. De fato, Serra perdeu a eleição com 43% dos votos válidos, o que passa longe de ser uma derrota humilhante.

Não fossem as próprias intrigas fomentadas pelo próprio ex-governador de São Paulo com outras lideranças do PSDB, Serra tinha tudo realmente para assumir essa liderança da oposição e seguir em evidência, ainda que distante temporariamente de cargos eletivos. Mas sua forma de fazer política e de construir seu arco de apoio acabou desagradando a muitos dentro do seu próprio partido, de forma que a sua segunda derrota na disputa pela Presidência da República serviu como motivo mais que suficiente para que grupos ligados ao ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e ao atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pudessem dar o troco e tirá-lo do “petit commitee” que controla a legenda.

Serra tenta desesperadamente se manter em evidência
José Serra bem que tentou se manter em evidência a todo custo: embora tenha ficado longe dos holofotes entre o final da campanha e as festas de final de ano, o tucano voltou à cena logo após a posse de Dilma Rousseff, já ensaiando uma oposição à Presidenta recém-empossada. Disparou críticas ao governo Lula (chamado por ele de governo Lula-Dilma) em seu Twitter, fez uma viagem a Curitiba e, ao lado do governador do Paraná Beto Richa (PSDB), elevou ainda mais o tom contra o ex-Presidente Lula e sua sucessora. Tudo isso motivado certamente por uma última tentativa desesperada de se manter em cena e mostrar aos seus de que ele ainda podia capitanear o PSDB.

Aliás, essa era a real intenção de Serra, já que a sigla escolhe sua nova direção em maio deste ano. Assumir a Presidência do PSDB seria o melhor caminho para o ex-governador paulista se manter sob os holofotes. Contudo, setores ligados a Aécio e Alckmin trataram de dar uma cartada nessa semana para afastar essa possibilidade de José Serra assumir o controle do PSDB: de acordo com reportagem da Folha, correu no ninho tucano um abaixo-assinado para a continuidade do atual Presidente, Sérgio Guerra, à frente do partido. Como Guerra tem interesse em seguir à frente do PSDB e, por sua vez, Aécio e Alckmin têm mais interesse ainda em tirar Serra do jogo, a chance do tucano derrotado presidir o PSDB a partir de maio é muito remota.

Naturalmente, quando esse abaixo-assinado veio à tona e chegou ao conhecimento público, setores serristas dentro do PSDB, que não sabiam da movimentação, ficaram extremamente irritados e questionaram inclusive os métodos de Sérgio Guerra. O próprio Alckmin declarou na tarde desta quinta-feira, 27, que se Serra quisesse ser Presidente do PSDB, ele o apoiaria. Nada mais natural no jogo de cena tucano. Na política, contudo, mais importante que o movimento no palco é o movimento de bastidor. E nos bastidores, Alckmin e Aécio certamente estão movendo suas peças para garantir que Serra fique bem longe do comando da sigla. As razões para isso são óbvias, já que o ex-governador de São Paulo poderia representar um obstáculo para uma provável candidatura de Aécio à Presidência da República em 2014.

As razões de Aécio para tirar Serra do jogo
É importante lembrar que Serra já tirou Aécio do jogo em dezembro de 2009. Até aquele momento, os dois tucanos pleiteavam a indicação do partido para a disputa presidencial de 2010: Serra defendia que o nome fosse escolhido pela direção do partido através do consenso e Aécio defendia a realização de prévias. Como a idéia de realizar prévias aos poucos foi sendo afastada, devido a manobras muito meticulosas de Serra, Aécio fez um movimento inesperado, mas muito sagaz: retirou sua pré-candidatura à Presidência da República, deixando o caminho livre para Serra. Esse caminho livre, contudo, teve um custo alto para Serra (e que fora muito bem calculado por Aécio): setores aecistas, sobretudo em Minas, atribuíram a Serra a causa da desistência de Aécio (embora o mineiro o negue publicamente), o que fez reacender uma disputa ferrenha entre os dois grupos.

Basta lembrar que durante o próprio processo eleitoral, não houve um empenho claro de Aécio em prol da candidatura de Serra, já que o ex-governador de Minas concentrou suas forças basicamente em sua campanha ao Senado e na campanha de seu vice Antônio Anastasia para o Palácio Tiradentes. Na ocasião, a imprensa chegou a publicar fotos do material de campanha de Anastasia e Aécio, no qual não havia qualquer pedido de voto para Serra. No segundo turno, o então senador eleito teve que se prestar a um jogo de cena e “empenhar-se” para que Serra virasse o jogo em Minas. O cálculo dos tucanos era de que Serra ganhasse em São Paulo e em Minas Gerais poderia vencer as eleições. Mas o empenho de Aécio Neves foi semelhante ao empenho de Jânio Quadros na candidatura de seu correligionário Juarez Távora, nas eleições de 1956.

Conta-se que, durante aquela campanha, Jânio Quadros, então governador de São Paulo pela UDN, recebeu um telefonema do seu correligionário Carlos Lacerda, que governava a Guanabara, cobrando maior empenho de Jânio para a eleição de Juarez Távora, representante da sigla na disputa presidencial. Para não ficar mal na foto, Jânio convocou imediatamente uma reunião com todos seus assessores e secretários de governo, dando ordens expressas para que todos fizessem o possível e o impossível para que Juarez Távora vencesse em São Paulo. Segundo o folclore político, a reunião foi interrompida por um assessor de Jânio, que entrou apressadamente na sala e mostrou uma pesquisa nacional recente, que apontava Távora na frente de Juscelino.

A história conta que Jânio, ao ver a pesquisa, disse pausadamente a todos: “Parem tudo senão ele [Juarez Távora] ganha”. Ou seja, Jânio queria que Juarez Távora tivesse maioria dos votos no estado de São Paulo, mas que não ganhasse a Presidência da República, já que naquele ano o ex-governador de São Paulo já tinha planos de disputar a Presidência em 1960 e preferia fazer a disputa estando na oposição. Este “causo político” foi lembrado apenas para ilustrar o movimento de Aécio no segundo turno: oficialmente, estava “empenhado” pela candidatura de Serra em Minas, mas nos bastidores estava, assim como Jânio, mais preocupado com sua eventual candidatura em 2014. É fato que se Serra houvesse ganhado aquela eleição, tentaria se reeleger em 2014 e afastaria o plano de Aécio.

O troco de Alckmin
As rusgas com Alckmin também refletem disputas internas. Em 2006, Serra, então Prefeito de São Paulo, disputou o governo do Estado a contragosto: segundo relatos, sua intenção era disputar novamente a Presidência, aproveitando o momento de crise do governo Lula. Contudo, o PSDB preferiu lançar o nome de Geraldo Alckmin, então governador do Estado, à Presidência, preterindo Serra. Alckmin perdeu a Presidência e Serra ganhou o governo de São Paulo. Assim que assumiu o Palácio dos Bandeirantes, José Serra determinou a revisão de todos os contratos feitos na gestão anterior, de Alckmin, o que provocou um extremo mal estar entre serristas e alckministas nos bastidores do PSDB.

A tensão entre aliados de Alckmin e aliados de Serra foi intensificada em 2008, quando o PSDB indicou o ex-governador para a disputa da Prefeitura de São Paulo. As primeiras pesquisas eleitorais apontavam Alckmin como favorito e sinalizavam um segundo turno entre ele e a ex-prefeita Marta Suplicy (PT), com chances reais de vitória do tucano. Serra, no governo do Estado, deu um apoio de “fachada” a Alckmin, mas nos bastidores articulou apoio a Gilberto Kassab (DEM), que foi conduzido à Prefeitura após a renúncia de Serra em 2006 para a disputa do governo do Estado. O apoio de Serra a Kassab, costurado nos bastidores, passou a ser dado de forma descarada no meio da campanha, o que acirrou muito os ânimos entre o grupo ligado a Alckmin e o grupo ligado a Serra.

Percebe-se, dessa maneira, que as práticas políticas “autofágicas” de Serra acabaram isolando-o dentro do seu próprio partido, justificando esse movimento de grupos adversários ao seu neste começo de ano. Como dito anteriormente, a cada dia que passa Serra está mais “marginalizado” dentro do PSDB e dificilmente será conduzido, como quer, à presidência da sigla. Um prêmio de consolação para o ex-governador talvez seja a presidência do Instituto Teotônio Vilela, mas a priori parece que a idéia não é do agrado de José Serra. Contudo, ao que tudo indica, Serra não tem muita escolha: ou é isso ou nada. E do jeito que andam as coisas, talvez Serra fique com nada mesmo! A conferir.

Um comentário:

  1. Quem planta vento colhe tempestade. Serra e FHC, que abandonaram os valores e princípios de sua juventude para aliar-se - ao contrário de Aécio - à extrema direita mais abjeta da sociedade brasileira, estão condenados a arrastar as correntes do ostracismo nos cantos mais obscuros e irrelevantes da política nacional.

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