Cardápio do boteko

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Com preferência dos planos de saúde, pacientes do SUS esperam um ano em fila do Incor em SP

Para quem ainda duvidava dos efeitos nefastos que o Projeto de Lei Complementar (PLC) 45/2010, aprovado em dezembro do ano passado pela Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp), poderia trazer ao atendimento nos hospitais públicos paulistas, um relatório do Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) divulgado nesta quarta-feira, 13, pelo Jornal da Tarde traz provas mais que suficientes para mostrar que a chamada “porta dupla” prejudica sobremaneira os usuários do Sistema Único de Saúde. A auditoria do Denasus, concluída em agosto de 2010, foi feita no Incor (Instituto do Coração), um dos hospitais públicos mais conceituados do Brasil por realizar atendimentos de alta complexidade em cardiologia e pneumologia.

O Incor faz parte do complexo de atendimento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), sendo, portanto, ligado ao governo do Estado. Para se ter uma idéia do tamanho da estrutura do Incor e de sua importância para a saúde pública de São Paulo basta dizer que por ano o número médio de consultas médicas realizadas pelo Instituto é de 260 mil, o que representa pouco mais de 712 consultas por dia. Além disso, todos os anos são feitas, em média, 5 mil cirurgias, 2 milhões de exames de análises clínicas e nada menos que 330 mil exames de diagnóstico de alta complexidade. Em toda rede pública paulista, o Incor representa o que há de mais avançado nos tratamentos cardiológicos, o que explica a elevada procura dos pacientes pelo tratamento neste hospital.

Espera de até 1 ano e 2 meses para pacientes do SUS
Não bastasse essa demanda que por si só já poderia gerar filas de atendimento no Incor (uma vez que a procura tende a ser maior que a oferta de leitos e infra-estrutura de atendimento), outro problema constatado pelo Denasus faz ampliar ainda mais a fila de espera neste hospital. O Incor foi um dos primeiros hospitais públicos do Estado de São Paulo que passou a dispor de sua estrutura para o atendimento não só de pacientes do SUS, mas também de usuários de planos de saúde. Dessa maneira, criou-se uma “porta dupla” neste importante hospital: de um lado, pacientes que, sem condições de terem um plano de saúde privado, buscam o tratamento, garantido por lei, no Incor; de outro lado, pacientes que são usuários da rede privada de saúde e que são encaminhados pelos seus planos de saúde para o Incor.

De acordo com a auditoria do Denasus, os pacientes atendidos pelo SUS no Incor esperam de oito meses a um ano e dois meses para ter acesso a alguns serviços e tratamentos oferecidos pelo Instituto do Coração. Enquanto isso, segundo este mesmo relatório, os pacientes de convênios médicos não têm que enfrentar fila nenhuma para o atendimento, sendo prontamente atendidos. Isto revela um esquema extremamente perverso e inconstitucional, uma vez que confronta o princípio da universalidade e da gratuidade do SUS, previsto na Constituição Federal. Cria-se uma absurda fila, em que os pacientes do SUS são preteridos para ceder sua vez a usuários de planos de saúde, que têm atendimento mais rápido do que os primeiros.

E é importante destacarmos que se isto já está acontecendo no Incor, que, como dito acima, foi um dos pioneiros da chamada “porta-dupla”, a tendência é que a situação fique ainda pior, uma vez que o PLC aprovado na Alesp em dezembro de 2010 expande esse esquema aos demais hospitais públicos de São Paulo. No passado, esse tipo de esquema já foi alvo da ação do Ministério Público; porém, a Justiça deu ganho de causa ao Instituto do Coração. Ainda assim, diversos especialistas de saúde pública, além de entidades de classe, concordam que a existência dessa “porta-dupla” fere os princípios do SUS por dar tratamento diferenciado entre os pacientes. Só para se ter uma idéia, uma segunda consulta em caso de diagnóstico de arritmia cardíaca pode demorar até um ano para um paciente do SUS, não demorando nada, por outro lado, para um usuário de convênio médico.

Ainda de acordo com a reportagem do Jornal da Tarde, o Incor emitiu nota informando que “não há diferenciação no atendimento e tratamento de pacientes – sejam eles do SUS, de convênios ou de recursos particulares – que motive tempos de espera diferentes na agenda de exames e consultas”. Nesta mesma nota, o instituto afirmou que “os intervalos entre a data de agendamento de exames e a das consultas médicas são determinados pela dinâmica interna do sistema”, que, no caso do SUS, resultaria “num nível alto de admissão de novos pacientes e numa taxa significativamente baixa de alta ambulatorial, isso porque esses pacientes têm doenças crônicas bastante graves que demandam acompanhamento por toda a vida”. Embora a nota do Incor negue esta diferença no atendimento entre pacientes do SUS e usuários de planos de saúde, isto está mais do que comprovado pela auditoria do Denasus.

Como dito anteriormente, a situação tende a se agravar ainda mais com a entrada em vigor desta lei complementar que reserva até 25% dos leitos em hospitais públicos para usuários de convênios médicos. Este tipo de impacto sofrido pelos pacientes do SUS que buscam tratamento no Incor deve ser repetido em outras unidades da saúde pública estadual de São Paulo, uma vez que, como alertado neste blog diversas vezes, a reserva de leitos tende a criar uma dupla porta de entrada nos hospitais públicos, prejudicando, como sempre, a população de mais baixa renda, que não possui alternativa de tratamento. Absurdo ainda é pouco para se referir a uma prática tão excludente quanto essa da “porta-dupla” nos hospitais públicos do Estado de São Paulo.

Um comentário:

  1. De fato caro Leandro,esse projeto absurdo dos tucanalhas vai prejudicar e muito a população de baixa renda de São Paulo.Esse projeto e um verdadeiro desmonte da saúde pública de São Paulo,e todos os esforços para tentar impedir que esse projeto insano seja implantado, será fundamental para impedir que os tucanalhas consigam precarizar ainda mais os serviços do SUS para o cidadão de menor poder aquisitivo.

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