Não há dúvida que uma das coisas mais danosas à democracia diz respeito ao processo de judicialização da política, que há muito anda em curso no Brasil. Não é de hoje que existe um movimento para substituir decisões de caráter político por decisões judiciais, transferindo para colegiados de juízes aspectos decisórios que deveriam ser tomados pelo povo ou por seus representantes. O mais recente caso que pode ser utilizado como exemplo de judicialização da política é a famigerada Lei Ficha Limpa, que transfere para o Judiciário a “peneira” de seleção de candidatos “aptos” à eleição, quando na verdade este crivo deveria ser o voto popular, garantindo um dos mais importantes pilares da democracia, que é a soberania popular.
Entretanto, um caso de menor repercussão que a Ficha Limpa, mas de gravidade tão grande quanto aquela lei, surgiu nos últimos dias no Congresso Nacional, trazendo de volta ao debate a questão da não-legitimidade da judicialização da política. Estamos falando aqui das liminares do STF (Supremo Tribunal Federal) favoráveis aos mandados de segurança de alguns partidos que pedem posse do candidato do partido e não da coligação nas vagas de suplências de deputados que se licenciaram do cargo. Vamos entender melhor: neste início de Legislatura, 28 deputados federais, após tomarem posse, se licenciaram de seus mandatos para assumir cargos no Executivo federal ou em seus respectivos Estados.
Intromissão do STF é tentativa de judicializar a política
Quando um deputado se licencia do cargo, este deve ser ocupado pelo suplente daquele deputado. Ora, e como sabemos quem é o suplente do deputado licenciado? Muito simples: no período eleitoral é costume que os partidos formem coligações não só para os cargos majoritários como também para os proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores). Após as eleições, cada coligação terá um determinado espaço no Parlamento, a depender da quantidade de votos conseguida pela coligação e dos coeficientes eleitoral e partidário. Suponha, por exemplo, que uma coligação formada por três partidos (A,B e C) esteja disputando a eleição para uma Assembléia com 50 cadeiras em um Estado com 5 milhões de eleitores.
Vamos supor ainda que esta coligação indique no total 60 candidatos para disputar a eleição e, passado o pleito, consiga 800 mil votos. No sistema proporcional, como é o atual, para saber quantas vagas essa coligação terá direito na Assembléia, primeiramente calculamos o coeficiente eleitoral, que é a razão entre o número total de votos válidos (por uma questão de simplificação, consideraremos aqui que os 5 milhões de eleitores votaram em algum candidato nesta eleição) e o número de cadeiras que estão em disputa. Neste exemplo, o coeficiente eleitoral será de 100 mil (resultado da divisão de 5 milhões de votos válidos por 50 cadeiras da Assembléia). Feito isto, calculamos agora o coeficiente da coligação, que é a razão do número de votos da coligação e do coeficiente eleitoral.
Ou seja, o coeficiente da coligação será de 8 (que é o resultado da divisão de 800 mil votos da coligação pelo coeficiente eleitoral, que é de 100 mil). Logo, essa coligação ABC terá direito a 8 cadeiras nesta Assembléia, de forma que os oito lugares a serem ocupados serão preenchidos pelos oito candidatos que foram mais votados na coligação, independentemente do partido. Suponha, agora, que o oitavo candidato (e, portanto, último eleito pela coligação) seja do Partido B e em 9º lugar esteja um candidato do partido C, mais votado naturalmente que o 10º candidato do partido B, por exemplo. Esse candidato do partido C que está em 9º lugar ocupará, de acordo com a lei eleitoral, a 1ª suplência da coligação. Isso quer dizer que se algum dos oito deputados eleitos se licenciar, o 1º suplente ocupará a vaga, independentemente do partido.
Suponha que o candidato do partido B que estava em 8º lugar tome posse e, em seguida, se licencie para ocupar alguma Secretaria de Governo. A posse de sua vaga, pela eleitoral, será dada ao 1º suplente da coligação, ainda que este seja do Partido C. Isso é extremamente razoável, se pensarmos que aquele candidato do partido B teve sua eleição favorecida pela coligação; ou seja, nada mais natural que seja obedecida a ordem de votos conseguida pelos candidatos da coligação e não de um único partido apenas. E é esta a discussão que está sendo travada no âmbito do Congresso Nacional. É como se o 10º colocado, do Partido B, quisesse “furar a fila” e tomar o direito de posse do 9º colocado (que ocupa a 1ª suplência, pela lei eleitoral), só porque o licenciado da vaga era do Partido B. Muitos partidos no Congresso, como o PSDB, estão tentando burlar a lei eleitoral para fazer essa manobra.
Para tanto, esses partidos têm recorrido ao STF em busca de liminares que lhes sejam favoráveis, afrontando a lei eleitoral e dando espaço, como dissemos no início deste texto, para uma prática extremamente nociva à democracia, que é a tal da judicialização da política. Felizmente, o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), está irredutível quanto à possibilidade de ceder às pressões do Judiciário. Isso é muito bom, pois não dá espaço para que a Justiça queira tomar decisões que são políticas e que, além de tudo, contrariam a própria lei eleitoral em vigor no país. Neste sentido, foram muito bem vindas as declarações de Marco Maia nesta terça-feira, 8, após a visita do Presidente do STF, ministro Cezar Peluso, ao Congresso Nacional.
Maia afirmou que “nós, na Câmara, vamos tratar desse assunto nos próximos dias e provavelmente caminhamos para uma solução que venha do Legislativo e que possa, a partir do Legislativo, pacificar essa questão e esse entendimento. Vamos dialogar com os líderes partidários durante esta semana para tentar construir esse processo e esse projeto a partir da Câmara dos Deputados”. E ainda acrescentou que “vamos tentar pacificar isso a partir da ideia de que tínhamos uma regra existente, que era a regra de eleição dos suplentes a partir da coligação e que orientou a composição das coligações, dos candidatos que concorreram na última eleição. Então, esse será o esforço que nós faremos”.
É muito importante que o Congresso não permita que assuntos da competência do Legislativo sejam resolvidos pelo Judiciário. Para que haja bom funcionamento e solidez das instituições democráticas é condição mister que haja independência entre os poderes, de forma que nenhum avance o sinal sobre o campo do outro. Neste sentido, o Presidente da Câmara dos Deputados, com apoio do Presidente do Senado, José Sarney, faz muito bem em sinalizar que o assunto será resolvido no âmbito do Congresso e não do STF, como querem alguns partidos que não se preocupam com o impacto desse tipo de prática sobre a democracia. Afinal de contas, problemas políticos têm que ser resolvidos não no âmbito do Judiciário, mas sim da própria política.
Entretanto, um caso de menor repercussão que a Ficha Limpa, mas de gravidade tão grande quanto aquela lei, surgiu nos últimos dias no Congresso Nacional, trazendo de volta ao debate a questão da não-legitimidade da judicialização da política. Estamos falando aqui das liminares do STF (Supremo Tribunal Federal) favoráveis aos mandados de segurança de alguns partidos que pedem posse do candidato do partido e não da coligação nas vagas de suplências de deputados que se licenciaram do cargo. Vamos entender melhor: neste início de Legislatura, 28 deputados federais, após tomarem posse, se licenciaram de seus mandatos para assumir cargos no Executivo federal ou em seus respectivos Estados.
Intromissão do STF é tentativa de judicializar a política
Quando um deputado se licencia do cargo, este deve ser ocupado pelo suplente daquele deputado. Ora, e como sabemos quem é o suplente do deputado licenciado? Muito simples: no período eleitoral é costume que os partidos formem coligações não só para os cargos majoritários como também para os proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores). Após as eleições, cada coligação terá um determinado espaço no Parlamento, a depender da quantidade de votos conseguida pela coligação e dos coeficientes eleitoral e partidário. Suponha, por exemplo, que uma coligação formada por três partidos (A,B e C) esteja disputando a eleição para uma Assembléia com 50 cadeiras em um Estado com 5 milhões de eleitores.
Vamos supor ainda que esta coligação indique no total 60 candidatos para disputar a eleição e, passado o pleito, consiga 800 mil votos. No sistema proporcional, como é o atual, para saber quantas vagas essa coligação terá direito na Assembléia, primeiramente calculamos o coeficiente eleitoral, que é a razão entre o número total de votos válidos (por uma questão de simplificação, consideraremos aqui que os 5 milhões de eleitores votaram em algum candidato nesta eleição) e o número de cadeiras que estão em disputa. Neste exemplo, o coeficiente eleitoral será de 100 mil (resultado da divisão de 5 milhões de votos válidos por 50 cadeiras da Assembléia). Feito isto, calculamos agora o coeficiente da coligação, que é a razão do número de votos da coligação e do coeficiente eleitoral.
Ou seja, o coeficiente da coligação será de 8 (que é o resultado da divisão de 800 mil votos da coligação pelo coeficiente eleitoral, que é de 100 mil). Logo, essa coligação ABC terá direito a 8 cadeiras nesta Assembléia, de forma que os oito lugares a serem ocupados serão preenchidos pelos oito candidatos que foram mais votados na coligação, independentemente do partido. Suponha, agora, que o oitavo candidato (e, portanto, último eleito pela coligação) seja do Partido B e em 9º lugar esteja um candidato do partido C, mais votado naturalmente que o 10º candidato do partido B, por exemplo. Esse candidato do partido C que está em 9º lugar ocupará, de acordo com a lei eleitoral, a 1ª suplência da coligação. Isso quer dizer que se algum dos oito deputados eleitos se licenciar, o 1º suplente ocupará a vaga, independentemente do partido.
Suponha que o candidato do partido B que estava em 8º lugar tome posse e, em seguida, se licencie para ocupar alguma Secretaria de Governo. A posse de sua vaga, pela eleitoral, será dada ao 1º suplente da coligação, ainda que este seja do Partido C. Isso é extremamente razoável, se pensarmos que aquele candidato do partido B teve sua eleição favorecida pela coligação; ou seja, nada mais natural que seja obedecida a ordem de votos conseguida pelos candidatos da coligação e não de um único partido apenas. E é esta a discussão que está sendo travada no âmbito do Congresso Nacional. É como se o 10º colocado, do Partido B, quisesse “furar a fila” e tomar o direito de posse do 9º colocado (que ocupa a 1ª suplência, pela lei eleitoral), só porque o licenciado da vaga era do Partido B. Muitos partidos no Congresso, como o PSDB, estão tentando burlar a lei eleitoral para fazer essa manobra.
Para tanto, esses partidos têm recorrido ao STF em busca de liminares que lhes sejam favoráveis, afrontando a lei eleitoral e dando espaço, como dissemos no início deste texto, para uma prática extremamente nociva à democracia, que é a tal da judicialização da política. Felizmente, o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), está irredutível quanto à possibilidade de ceder às pressões do Judiciário. Isso é muito bom, pois não dá espaço para que a Justiça queira tomar decisões que são políticas e que, além de tudo, contrariam a própria lei eleitoral em vigor no país. Neste sentido, foram muito bem vindas as declarações de Marco Maia nesta terça-feira, 8, após a visita do Presidente do STF, ministro Cezar Peluso, ao Congresso Nacional.
Maia afirmou que “nós, na Câmara, vamos tratar desse assunto nos próximos dias e provavelmente caminhamos para uma solução que venha do Legislativo e que possa, a partir do Legislativo, pacificar essa questão e esse entendimento. Vamos dialogar com os líderes partidários durante esta semana para tentar construir esse processo e esse projeto a partir da Câmara dos Deputados”. E ainda acrescentou que “vamos tentar pacificar isso a partir da ideia de que tínhamos uma regra existente, que era a regra de eleição dos suplentes a partir da coligação e que orientou a composição das coligações, dos candidatos que concorreram na última eleição. Então, esse será o esforço que nós faremos”.
É muito importante que o Congresso não permita que assuntos da competência do Legislativo sejam resolvidos pelo Judiciário. Para que haja bom funcionamento e solidez das instituições democráticas é condição mister que haja independência entre os poderes, de forma que nenhum avance o sinal sobre o campo do outro. Neste sentido, o Presidente da Câmara dos Deputados, com apoio do Presidente do Senado, José Sarney, faz muito bem em sinalizar que o assunto será resolvido no âmbito do Congresso e não do STF, como querem alguns partidos que não se preocupam com o impacto desse tipo de prática sobre a democracia. Afinal de contas, problemas políticos têm que ser resolvidos não no âmbito do Judiciário, mas sim da própria política.
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