Cardápio do boteko

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A distância entre o ser e o parecer na política de (in)segurança pública de Serra



Maquiavel, em sua obra-prima “O Príncipe”, faz uma discussão interessante sobre a diferença entre o parecer e o ser de um governante e conclui que muitos deles, procurando manter o controle sobre o Estado, devem fazer parecer que possuem certas qualidades, ainda que não as possuam. “Todos vêem o que tu aparentas, poucos sentem aquilo que tu és”, recomenda o escritor florentino em sua obra magistral. Passados cinco séculos, as palavras de Maquiavel ainda fazem muito sentido, especialmente se considerarmos a postura de alguns políticos nos dias de hoje.

Faz alguns dias que o presidenciável tucano, José Serra, destaca recorrentemente em seus discursos e entrevistas a necessidade de maior investimento em segurança pública, chegando, inclusive, a prometer a criação de um Ministério da Segurança Pública se eleito. O parecer e o ser são contrapostos no discurso demagógico de Serra face à realidade do Estado de São Paulo, que ele governou entre 2007 e março deste ano. Isto porque enquanto o tucano propõe saídas para a questão da segurança pública, o estado de SP amarga estatísticas preocupantes, para dizer o mínimo, no que se refere à violência.

Contudo, o discurso de Serra é desnudado com a divulgação dos recentes números dos homicídios no estado, que eram o seu único trunfo à medida que encontravam-se em tendência declinante nos últimos anos. Aliás, a própria imprensa, sendo grande parte dela porta-voz do demo-tucanato, alardeava aos quatro ventos a tal redução dos homicídios no estado de São Paulo, tratando-a como retrato definitivo do combate à criminalidade no estado e ocultando, propositadamente, outros tipos de crime, que vêm crescendo há um bom tempo.

Crescimento dos homicídios e da violência sexual
No caso específico dos homicídios dolosos (ou seja, aqueles nos quais há intenção de provocar morte), desde o ano passado já havia uma reversão na tendência de queda. Para se ter uma idéia, enquanto em 2008 o número de homicídios no Estado foi de 4.426, no ano passado foram registrados 4.557 homicídios, segundo os números da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o que representa um avanço de 3%. No primeiro trimestre de 2010, contudo, o aumento foi ainda maior: de 7,1% segundo os dados da Secretaria.

Entre janeiro e março desse ano foram registrados 1.224 homicídios face aos 1.143 verificados no primeiro trimestre do ano passado. Nesta mesma comparação, a violência sexual contra a mulher deu um salto, revelando o quão esgotado encontra-se o modelo de política de segurança pública desenvolvido pelo governo tucano de José Serra. Os casos de estupro mais que dobraram em todo Estado de São Paulo, passando de 1.050 no primeiro trimestre do ano passado para 2.323 entre janeiro e março deste ano! E deve-se destacar que o aumento da violência sexual no estado não é recente.

Se formos analisar com mais atenção os dados referentes ao governo Serra em São Paulo, poderemos notar que o crescimento dos casos de estupro ocorreu em todo o tempo que o tucano esteve à frente do Palácio dos Bandeirantes. Em 2007, por exemplo, foram registrados 3.223 estupros em todo o estado. Esse número elevou-se em 5,1% em 2008, alcançando 3.387 casos e, no ano passado, apresentou crescimento ainda maior – de 67% - atingindo a preocupante marca dos 5.647 casos, de acordo com os números da Secretaria de Segurança Pública.

Criminalidade preocupa o interior do Estado
E quem pensa que toda essa violência está concentrada na capital e no entorno metropolitano, engana-se: as piores estatísticas vêm justamente do interior. Os casos de violência sexual no interior de São Paulo são preocupantes: entre janeiro e março deste ano foram acusados 1.193 casos de estupro no interior, um crescimento estrondoso de 160% frente aos 459 casos verificados em igual período do ano anterior. No primeiro trimestre de 2008, o número de estupros no interior paulista havia sido de 361 casos, o que evidencia a trajetória crescente dessa modalidade de crime na área.

Se levarmos em conta as estatísticas anuais, a violência sexual contra mulheres no interior vem crescendo desde o início do governo Serra. Entre 2008 e 2009, os casos de estupro cresceram 88,3%, passando de 1.491 para 2.807 casos nesta comparação. No mesmo período, os casos de estupro cresceram 54% na capital do Estado, atingindo 1.593 ocorrências em 2009 contra 1.035 casos no ano anterior. Vê-se, dessa maneira, que praticamente a metade dos casos de estupro registrados no estado em 2009 ocorreu no interior paulista.

Enquanto isso, os homicídios dolosos cresceram 16,4% em todo o interior entre 2008 e 2009, passando de 1.821 para 2.120 casos. Novamente a estatística é preocupante já que mostra que 46,5% dos homicídios ocorreram no interior paulista em 2009, representando um aumento frente a 2008, quando o interior respondia por 41% dos homicídios totais ocorridos no Estado. Isso corrobora a tese de que está havendo uma tendência à migração da criminalidade, que deixa de se concentrar na capital (como em períodos anteriores) e se transfere para o interior, exigindo políticas públicas assertivas que não foram implementadas pelo governo do Estado.

Tráfico de entorpecentes cresce em São Paulo
O crime organizado também ganhou maior espaço em São Paulo nos últimos anos. Neste sentido, as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública revelam um crescimento consistente do tráfico de entorpecentes nos últimos anos. No primeiro ano da gestão Serra, 2007, foram registradas 23.127 ocorrências de tráfico de drogas em todo o Estado. No ano seguinte, houve expansão de 8% no tráfico, atingindo 24.963, e, chegando a 27.886 em 2009: um avanço de 12% na comparação com o ano anterior. E novamente o interior se destaca.

Enquanto na capital foram registrados 5.688 casos de tráfico de entorpecentes em 2009 (20,4% do total), no interior do estado houve 18.365 ocorrências no mesmo ano (66% do total). Na comparação com 2008, os casos de tráfico de entorpecentes no interior paulista cresceram 19%. Os dados do primeiro trimestre deste ano revelaram a manutenção dessa preocupante tendência: em todo o estado de SP, foram registrados 7.376 casos de tráfico de drogas entre janeiro e março deste ano, uma elevação de 12% frente ao registrado em igual período do ano anterior.

O interior novamente é protagonista nesta comparação, respondendo por 68% do total de casos de tráfico de drogas: foram 5.010 casos no interior paulista entre janeiro e março deste ano contra 1.326 casos na capital (18% do total no período). Esse aumento do tráfico de entorpecentes é produto sobretudo dos baixos investimentos em inteligência policial feito pelo governo Serra. Para se ter uma idéia, entre janeiro e outubro de 2009 foram investidos apenas R$ 135 milhões em inteligência policial, dos R$ 253 milhões orçados para o setor. Neste mesmo período, Serra investiu R$ 254 milhões em publicidade da administração direta.

A Polícia Civil, responsável pelas investigações sobre o crime organizado, recebeu entre janeiro e outubro do ano passado investimentos da ordem de R$ 18 milhões, o que representa 43% de um total de R$ 42 milhões orçados para a corporação. O policiamento escolar, por sua vez, que faz um importante trabalho no sentido de prevenção ao tráfico de drogas recebeu apenas R$ 2,4 milhões em investimentos do governo Serra, revelando um quadro preocupante de falta de investimento na segurança do cidadão.

O que se vê, com isso, é que, embora faça parecer em seus discursos que tem uma preocupação real com segurança pública, o pré-candidato José Serra não tem uma boa vitrine na área. As políticas de segurança pública desenvolvidas por ele em São Paulo não foram, neste sentido, capazes de conter o avanço da criminalidade em todo o estado, especialmente no interior paulista. Fica evidente, assim, o quão grande é, em se tratando de segurança pública, a distância entre o ser e o parecer.

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