Cardápio do boteko

domingo, 20 de junho de 2010

É possível que o "efeito Kassab" se repita com Marina nestas eleições?

Uma das lições mais importantes que a eleição de 2008 nos deixou é que, mesmo em um cenário em que tudo aponta para uma polarização entre dois principais candidatos, não se pode subestimar o potencial de crescimento do que está em terceiro lugar no início do processo eleitoral. Tal conclusão surge da observação da disputa pela Prefeitura de São Paulo naquele ano, quando na ocasião das convenções partidárias, em junho, tudo apontava para uma polarização entre a candidata do PT à Prefeitura, Marta Suplicy, e o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

Esperava-se, dessa forma, uma “nacionalização” das eleições municipais em São Paulo, com os dois principais partidos do país se enfrentando numa disputa acirrada. E as pesquisas de intenções de voto confirmavam essa tendência de polarização: para se ter uma idéia, a primeira pesquisa Datafolha feita após a oficialização das candidaturas, no final de junho de 2008, mostrava Marta liderando a corrida para a Prefeitura, com 38% das intenções de voto, sendo seguida por Alckmin, com 31%. Em terceiro lugar, bem afastado dos dois principais postulantes ao Palácio do Anhangabaú, estava o candidato do DEM, Gilberto Kassab, com 13% das intenções de voto.

Porém, contrariando todas as análises que apostavam em uma eleição polarizada entre PT e PSDB, tão logo começou a campanha, Kassab mostrou uma tendência de crescimento – de início, um avanço tímido, mas que se tornou maior após o início da propaganda eleitoral no rádio e TV, em agosto. E o que aconteceu? O candidato do DEM desbancou Alckmin e encerrou o 1º turno em primeiro lugar nas urnas, com 33,6% dos votos, enquanto Marta teve 32,8%. O candidato tucano amargou 22,5% dos votos. No segundo turno com Marta, Kassab levou a melhor, sendo eleito prefeito com 60% dos votos e cunhando a expressão no meio dos analistas políticos de “efeito Kassab”.

A questão levantada aqui é se, tal como na disputa municipal de São Paulo em 2008, é possível que se repita o chamado “efeito Kassab”, desta vez com a candidatura de Marina Silva, do PV, na disputa presidencial de 2010? Para responder a esta questão, devemos levar em conta alguns aspectos que diferem o cenário daquele ano com o quadro traçado nestas eleições e nos ajudam a entender se a “terceira via” proposta por Marina é algo que pode “pegar” na disputa presidencial:

01. Diferença do centro do debate político: o primeiro aspecto que deve ser levado em conta diz respeito à pauta central do debate em cada caso e, neste sentido, já notamos uma primeira diferença. Enquanto nas eleições paulistanas de 2008, o grande foco foi o aspecto administrativo, no qual se discutiram basicamente as “realizações” de cada candidato, nas eleições presidenciais deste ano o foco tende a ser os aspectos econômicos e sociais. Naturalmente, que esse tipo de discussão passa pelo mérito das “realizações” e aqui vemos uma desvantagem na situação em que se encontra Marina hoje com aquela se encontrava Kassab dois anos atrás.

Em 2008, Kassab era o prefeito de São Paulo, posto que assumiu em meados de 2006, quando o seu antecessor (e hoje candidato à Presidência da República) José Serra renunciou ao cargo para a disputa do governo do Estado. Como Kassab era o vice de Serra, ele assumiu e tocou a administração municipal. Assim como seu “padrinho político”, o prefeito do DEM continuou as principais obras feitas na gestão anterior – da petista Marta Suplicy (2000-2004) -, embora seja bom que se diga descaracterizando-as. De qualquer maneira, quando começou a campanha de 2008, Kassab tinha o que mostrar e o debate acabou sendo reduzido em torno da “paternidade” de obras como CEUs e Bilhete Único.

E embora Marta tenha sido a criadora desses projetos, no final Kassab acabou levando a melhor, pois sua comunicação com o eleitorado foi mais “eficiente” que a comunicação petista. Voltando a 2010, Marina não tem nada de concreto para mostrar, de forma que o seu discurso não passa pelo campo das “realizações”, o que a deixa em desvantagem em relação aos dois principais postulantes à Presidência da República: a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra. Vê-se aqui, portanto, que sob o prisma da “munição para o debate” Marina leva desvantagem em relação à situação que Kassab tinha em suas mãos em 2008 e que, sem dúvida, o ajudou sobremaneira a reverter o quadro inicial e ser vitorioso nas urnas.

02. Apoio político: não é preciso explicar o peso que se tem o fator “apoio político” em uma disputa, seja ela local ou nacional. O apoio político é um poderoso instrumento de capilarização da candidatura entre o eleitorado, sendo que candidaturas com maior apoio político tendem a ter mais sucesso que aquelas que contam com pouco ou nenhum apoio. Aqui, mais uma diferença entre a situação de Marina e a de Kassab em 2008. Enquanto Marina conta basicamente com o apoio somente do seu partido – o PV – no plano nacional, Kassab foi capaz de costurar uma forte aliança em 2008, que lhe permitiu o crescimento até a vitória.

Para se ter uma idéia, além do seu partido, o DEM, Kassab tinha o apoio do PR, do PV, do PSC, do PRP e principalmente do PMDB do ex-governador Orestes Quércia, que indicou a vice em sua chapa, Alda Marco Antônio. Essa aliança costurada por Kassab foi um fator importante e decisivo, como veremos adiante, para a vitória do demo nas eleições de 2008, sem contar o apoio político extra-oficial recebido por parte do então governador de São Paulo, José Serra. Esse, sem dúvida, foi um grande trunfo de Kassab, uma vez que enquanto o PSDB de Alckmin se dividiu (uma ala apoiando o ex-governador e a outra ala, de Serra, apoiando o prefeito do DEM), a candidatura do demo recebeu um apoio “de peso”.

E essa não é a situação de Marina no quadro sucessório de 2010. Embora em alguns estados, como o Rio de Janeiro, o PV tenha articulado alianças com outros partidos, estas vão muito mais no sentido de servirem para palanque de José Serra do que de Marina, o que não altera, portanto, a desvantagem da candidata do PV. Enquanto Kassab foi para a disputa cercado por partidos de peso, Marina vai só, o que torna ainda menos provável que ocorra com ela um “efeito Kassab” tal como o ocorrido em São Paulo em 2008.

03. Tempo de propaganda no rádio e na TV: desdobramento direto do apoio político recebido, este fator foi decisivo para o desenrolar do quadro político-eleitoral de 2008 em São Paulo, que conduziu o candidato-prefeito, inicialmente em 3º lugar nas pesquisas, à vitória e novamente à cadeira de Prefeito da maior cidade do país. Com o apoio do PMDB e dos outros partidos já mencionados anteriormente, Kassab conseguiu o maior tempo de rádio e TV no primeiro turno das eleições municipais de 2008, o que sem dúvida favoreceu sobremaneira o seu desempenho nas urnas. Enquanto Marta dispunha de 6 minutos e 40 segundos de propaganda na TV e Alckmin 4 minutos e 27 segundos, Kassab tinha 8 minutos e 44 segundos.

Essa maior exposição do candidato do DEM foi imprescindível para que ele saísse do 3º lugar nas pesquisas e fosse reeleito prefeito de São Paulo. E é bom que se diga que foi exatamente após o início do horário eleitoral gratuito, em agosto, que Kassab teve o seu crescimento acelerado nas sondagens de intenções de voto. Foi graças a esse tempo de TV que o candidato do DEM conseguiu polarizar com Marta e jogar Alckmin para escanteio na disputa eleitoral. Na cena política deste ano, Marina não tem essa vantagem. Saindo com o apoio nacional apenas do seu próprio partido, a candidata do PV tem míseros 44 segundos de propaganda no rádio e na TV, que naturalmente são insuficientes para que se apresentem propostas e se debatam projetos.

Analisadas as diferenças entre as candidaturas de Kassab, em 2008, e Marina este ano sobre estes três prismas percebemos que, nesta disputa, é pouquíssimo provável que ocorra o chamado “efeito Kassab” com a candidata do PV. Sem realizações para mostrar, sem apoio político e, sobretudo, sem tempo de propaganda na TV, as chances de um maior crescimento de Marina Silva são escassas. O leitor pode indagar sobre a questão das redes sociais, que seriam um instrumento para divulgar a candidatura de Marina. De fato, as redes sociais – como Orkut, Facebook, Twitter – serão importantes nestas eleições; contudo não são um trunfo de Marina, já que as outras candidaturas também as usam, sendo, portanto, apenas uma alternativa.

Sobre os debates, é difícil que eles voltem as vistas do eleitor para uma candidatura considerada “pequena” e “sem chances”. Eles são importantes sim – até mesmo do ponto de vista da decisão do voto – para as grandes candidaturas, uma vez que o eleitor indeciso tende a prestar mais atenção nos candidatos que têm maior chance segundo as pesquisas de intenções de voto. Considerando esta série de fatores, podemos concluir que a repetição do “efeito Kassab” nas eleições de 2010, desta vez com a candidatura de Marina Silva, é praticamente descartada, já que a candidata do PV não reúne a série de “munições” que Kassab conseguiu reunir dois anos atrás. Evidentemente, não podemos nos precipitar, mas ao que tudo indica a campanha presidencial terá, como projetado inicialmente, um tom plebiscitário.

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