Cardápio do boteko

terça-feira, 22 de junho de 2010

Os oito anos da Carta ao Povo Brasileiro: o que mudou de lá para cá?

“O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político”. Com estas palavras, há exatos oito anos, no dia 22 de junho de 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva começava a sua Carta ao Povo Brasileiro, um documento que, do ponto de vista histórico, tem um valor importantíssimo por ter iniciado uma grande mobilização popular que acabou, três meses depois de sua divulgação, levando o primeiro operário à Presidência do Brasil.

A Carta ao Povo Brasileiro foi divulgada num contexto em que parte do empresariado e da classe média ainda tinha muitos receios com relação à candidatura de Lula. Setores da sociedade brasileira acreditavam que, se eleito, o governo petista não honraria os contratos, decretaria moratória da dívida externa e, com isso, pioraria ainda mais a situação que o país estava passando. Assim, o primeiro grande objetivo do documento era tranqüilizar estes setores, reafirmando o compromisso de Lula e do PT em honrar todas as obrigações pré-estabelecidas e promover uma mudança sim, mas que levasse o país para frente e não o contrário.

Podemos dizer que a Carta foi o pontapé inicial daquele que seria o lema de toda campanha de Lula em 2002: “a esperança vai vencer o medo”. E de fato: a sociedade brasileira vivia um misto desses dois sentimentos no decorrer daquele ano – todos queriam ter a esperança de que o Brasil sairia daquela situação de estagnação e desemprego que o governo FHC provocou, mas ao mesmo tempo certos setores tinham medo do que poderia acontecer num eventual governo do PT. Nesse cenário, a esperança de fato acabou vencendo o medo e em 27 de outubro de 2002, Lula foi eleito Presidente da República. Passados oito anos de sua divulgação, o que mudou no Brasil? Os compromissos firmados ali na Carta aos Brasileiros efetivamente foram cumpridos?

Um modelo alternativo para o Brasil
Para responder a esta questão analisemos os principais trechos deste importante documento histórico para nos ajudar a fazer um balanço sobre o cumprimento ou não dos compromissos ali apresentados por Lula. A Carta começa fazendo uma reflexão sobre o modelo neoliberal adotado pelo governo FHC e que não foi eficaz para promover o desenvolvimento do país, provocando, ao contrário, uma era de estagnação e incertezas. “O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral”.

“O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo”. Passados oito anos, lemos este trecho e podemos de fato constatar que o governo Lula desenvolveu um projeto alternativo àquele implantado por FHC, ampliando a presença do Estado e colocando o Brasil novamente no rumo do crescimento econômico e da geração de empregos.

Enquanto os oito anos de FHC foram marcados por uma profunda crise no setor produtivo e que acabou repercutindo de forma negativa no mercado de trabalho, os oito anos de Lula certamente serão lembrados a posteriori como a era do emprego: em sete anos e meio, o governo Lula já gerou mais de 12,5 milhões de empregos com carteira assinada, um recorde para um governo no Brasil. E tudo isso foi conseguido graças aos impulsos dados pelo governo à economia, que voltou a crescer em níveis bastante expressivos ao longo da era Lula. No cenário internacional, o governo Lula cumpriu o resgate de “nossa presença soberana e respeitada no mundo”, conforme prometido na Carta.

O Brasil hoje deixou de lado uma política externa submissa e alinhada aos interesses dos países desenvolvidos para desenvolver uma política externa soberana, que deu ao Brasil um papel de protagonismo na comunidade internacional. As relações multilaterais foram fortalecidas e os laços com países sul-americanos, africanos e asiáticos foram prioridade para o governo Lula. Na América Latina, o Brasil deixou de ser coadjuvante, como no período FHC, e passou a liderar a maior inserção desses países no cenário global, ao mesmo tempo em que ampliou relações com Índia e China, que prometem ser as duas grandes potências da próxima década. A política externa de Lula também traçou um novo olhar para a África, rompendo definitivamente com a visão conservadora e elitista do governo anterior.

O Brasil das reformas estruturais
O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da redução de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas. Quer abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com políticas sociais consistentes e criativas. O caminho das reformas estruturais que de fato democratizem e modernizem o país, tornando-o mais justo, eficiente e, ao mesmo tempo, mais competitivo no mercado internacional. O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. Da reforma agrária que assegure a paz no campo. Da redução de nossas carências energéticas e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista e de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública”.

A nova visão multilateral da política externa brasileira foi decisiva para ampliarmos nossos parceiros comerciais, ampliando nossa pauta de exportação e com isso reduzindo a vulnerabilidade externa do país, uma vez que anteriormente o Brasil exportava para poucos, enquanto que atualmente o Brasil exporta mais e para muitos. Para se ter uma idéia, enquanto no governo FHC as exportações respondiam por 9,9% do PIB, atualmente elas representam 14,20% do PIB brasileiro. Por outro lado, as importações também cresceram, mas em uma velocidade menor, passando de 11,1% do PIB nos oito anos de governo tucano para 12,1% durante o governo Lula. As reformas estruturais sinalizadas no documento também foram cumpridas em sua ampla maioria.

Ainda em 2003 foi aprovada uma Reforma da Previdência que colaborou decisivamente para uma melhora geral da Previdência Social no Brasil. Além disso, após mais de 25 anos, o Brasil voltou a investir em infra-estrutura, solucionando gargalos que foram ampliados no governo FHC. Com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) uma expressiva quantia de recursos foi investida em modernização, construção e ampliação de portos, aeroportos, ferrovias, hidrovias e rodovias. Sem contar a grande remodelagem do setor elétrico brasileiro, com a aprovação do novo marco regulatório em 2004 e os investimentos em geração de energia, que afastaram definitivamente o risco de novos apagões e racionamentos, como aquele ocorrido entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, no governo FHC.

Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT está disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio governo, de modo a evitar que a crise se agrave e traga mais aflição ao povo brasileiro. Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma sustentada a taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento público tão importante para alavancar o crescimento econômico. Esse é o melhor caminho para que os contratos sejam honrados e o país recupere a liberdade de sua política econômica orientada para o desenvolvimento sustentável”. Com a sua política de austeridade monetária e fiscal, o governo Lula conseguiu de fato reduzir os juros no Brasil.

Para se ter uma idéia, em dezembro de 2002, no final do governo FHC, a taxa Selic era de 25% ao ano. Passados oito anos, a taxa básica de juro da economia é de 10,25% ao ano, um patamar bem abaixo daquele registrado durante o tucanato. Além disso, graças ao PAC o investimento público tem sido ampliado e possibilitado, inclusive, o crescimento do investimento privado, uma vez que hoje, diante da melhora generalizada dos fundamentos da economia brasileira, os empresários se sentem mais seguros para investir em ampliação de sua produção. Com isso, a taxa média de investimento no Brasil tem crescido de forma gradual, mas consistente, estando atualmente em 18% do PIB (contra um valor médio de 16,9% do PIB nos oito anos de FHC).

Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei minha vida sindical indignado com o processo de corrosão do poder de comprar dos salários dos trabalhadores. Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos. A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e aumento da dívida pública”. Aqui está um dentre os inúmeros méritos do governo Lula: o de promover o crescimento econômico sustentável, sem gerar pressões inflacionárias.

O Brasil conseguiu retomar a rota do crescimento econômico sem que isso comprometesse o equilíbrio de preços e reduzisse o poder de compra dos trabalhadores. Pelo contrário: com a política de valorização do salário mínimo do governo Lula e a inflação sob controle, o poder de compra do trabalhador brasileiro cresceu, de forma que enquanto em dezembro de 2002 o salário mínimo comprava 0,95 cestas básicas, segundo números do Dieese, em maio de 2010 ele compra 1,70 cesta básica. Isso mostra que durante o governo Lula houve um ganho real no salário dos trabalhadores brasileiros, de forma que a massa salarial cresceu em proporção superior à da inflação.

Há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com estabilidade e responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais. Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de tudo, vamos fazer um Compromisso pela Produção, pelo emprego e por justiça social. O que nos move é a certeza de que o Brasil é bem maior que todas as crises. O país não suporta mais conviver com a idéia de uma terceira década perdidas. O Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis”.

Com estas palavras, o então candidato Lula encerrou sua Carta ao Povo Brasileiro. O crescimento com inclusão social que fora pactuado no documento foi, ao longo de todo governo, o principal objetivo. Graças a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e de políticas transversais, que priorizaram a geração de renda e o desenvolvimento regional, 28 milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza e nada menos que 31 milhões ascenderam à classe média. Lula fez uma verdadeira revolução social no Brasil, que já estava preconizada nos compromissos assumidos na Carta de junho de 2002. Certamente, o Brasil mudou. É impressionante o salto em qualidade de crescimento e bem-estar social que o país deu ao longo do governo Lula, não sendo equivocado pensar que, com todas estas conquistas, o Brasil quer continuar mudando.

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