Pior do que cometer um erro grave é tentar justificar o erro mesmo quando se tem a consciência da gravidade da prática. É uma maneira de tentar justificar o injustificável. Foi exatamente isto que o cartunista Nani fez em entrevista ao Portal Terra, no final desta tarde, quando defendeu a polêmica charge em que compara a candidata do PT Dilma Rousseff a uma garota de programa. Ao invés de se retratar, Nani fez o contrário: reforçou sua visão machista e preconceituosa, tentando se proteger sob o manto da liberdade de expressão.
O cartunista tenta se defender dizendo que “eu usei uma metáfora. Pode ter sido ruim, mas eu simplesmente fiz humor”. Ora, até que ponto o humor pode ser legitimado como ponto de defesa que justifique qualquer tipo de desrespeito? Que espécie de blindagem é essa que se construiu em torno do chamado “humor” e que é usada como prerrogativa para que os tais “humoristas” simplesmente façam sua arte explorando preconceitos e deixando de lado o respeito às outras pessoas? Não, não estamos fazendo aqui discurso moralista até porque este tipo de argumentação não condiz com este blog.
Estamos simplesmente questionando se o humor pode ser ilimitado a ponto de ser usado como instrumento para denegrir a imagem de pessoas ou grupos sociais. E vale reforçar que o denegrir aqui não é pelo fato do cartunista ter comparado Dilma a garotas de programa, pois estas, assim como a candidata e qualquer outra espécie de profissional, são dignas de todo respeito. O que se coloca em pauta aqui é o humor que é construído sobre as bases da exploração do preconceito, do machismo e do sexismo. Não é possível que se tolere esse tipo de prática apenas porque “o humor usa metáforas”, como diz Nani em sua entrevista.
Vale fazer humor baseado em preconceitos?
O cartunista deve ser livre para criar sua arte, mas assim como qualquer outro profissional não deve fazer do seu trabalho um instrumento que fomente o preconceito que tanto se busca combater na nossa sociedade. Ao ser indagado pelo Terra como ele encarou as críticas à sua charge, Nani justificou que “não discutiram o conteúdo, a mensagem da charge. O cartunista usa uma metáfora pra falar do assunto. Hoje, eu usei a panela do programa da Dilma. O cozido, o pirão dela. É a mesma metáfora: todo mundo tá querendo, os outros partidos querem interferir no programa”. Certo, até aí nada contra o que Nani diz. Mas porque o cartunista usa uma metáfora preconceituosa se pode se valer de outra que não carregue preconceito?
Aqui, este blog dá até uma sugestão ao cartunista: já que ele queria pegar o gancho de que Dilma supostamente estaria “vendendo” o seu programa, poderia muito bem ter colocado a candidata atrás de uma barraca de feira efetuando a “venda”. Não haveria reclamações. Isso sim seria uma forma de humor sem preconceito, sem machismo e sem sexismo. E a mensagem passada seria exatamente a mesma, porém não de uma forma agressiva, mas simplesmente divertida, que deve ser a proposta central do humor. Humor não pode ser instrumento de agressão, mas sim de diversão e de crítica sim. Porém, como dito anteriormente, existem maneiras e maneiras de se fazer uma crítica e esta escolhida (e defendida) por Nani, certamente passa longe de ser a forma ideal.
Mas Nani não parece arrependido: pelo contrário, reforma o seu machismo na entrevista ao dizer que “machismo é essa reação das mulheres. Quando eu fiz com os homens, ninguém se importou... Ninguém se importou com ACM de Tiazinha, FHC de peitos de fora... Homem nenhum se incomodou. Por que a mulher tem essa sensibilidade? Ela é uma pessoa pública, não é dona da sua imagem. Tem que ser criticada. Eu usei uma metáfora. Pode ter sido ruim, mas eu simplesmente fiz humor”. Percebe-se a tentativa do cartunista de subverter a lógica das coisas: Nani ousa dizer que as mulheres foram machistas porque se indignaram com a “brincadeira” e não ele.
Este blog defende veementemente a liberdade de expressão e também de humor. Mas para tudo existe um limite e, nesse caso, o limite é claro: toda forma de humor construída sobre pilares do preconceito, seja ele qual for, deve ser repudiado. Caso contrário, se admitirmos que esse tipo de prática continue através desta malfadada blindagem do humor estaremos certamente perpetuando em nossa sociedade preconceitos que há muito estamos combatendo. Nani errou ao fazer uma charge preconceituosa e machista, mas errou mais ainda ao tentar defender o seu erro, reforçando sua visão sexista e retrógrada. Humor dessa espécie não tem a menor graça.
Leia também:
Quando o machismo e o preconceito pautam cobertura jornalística
O cartunista tenta se defender dizendo que “eu usei uma metáfora. Pode ter sido ruim, mas eu simplesmente fiz humor”. Ora, até que ponto o humor pode ser legitimado como ponto de defesa que justifique qualquer tipo de desrespeito? Que espécie de blindagem é essa que se construiu em torno do chamado “humor” e que é usada como prerrogativa para que os tais “humoristas” simplesmente façam sua arte explorando preconceitos e deixando de lado o respeito às outras pessoas? Não, não estamos fazendo aqui discurso moralista até porque este tipo de argumentação não condiz com este blog.
Estamos simplesmente questionando se o humor pode ser ilimitado a ponto de ser usado como instrumento para denegrir a imagem de pessoas ou grupos sociais. E vale reforçar que o denegrir aqui não é pelo fato do cartunista ter comparado Dilma a garotas de programa, pois estas, assim como a candidata e qualquer outra espécie de profissional, são dignas de todo respeito. O que se coloca em pauta aqui é o humor que é construído sobre as bases da exploração do preconceito, do machismo e do sexismo. Não é possível que se tolere esse tipo de prática apenas porque “o humor usa metáforas”, como diz Nani em sua entrevista.
Vale fazer humor baseado em preconceitos?
O cartunista deve ser livre para criar sua arte, mas assim como qualquer outro profissional não deve fazer do seu trabalho um instrumento que fomente o preconceito que tanto se busca combater na nossa sociedade. Ao ser indagado pelo Terra como ele encarou as críticas à sua charge, Nani justificou que “não discutiram o conteúdo, a mensagem da charge. O cartunista usa uma metáfora pra falar do assunto. Hoje, eu usei a panela do programa da Dilma. O cozido, o pirão dela. É a mesma metáfora: todo mundo tá querendo, os outros partidos querem interferir no programa”. Certo, até aí nada contra o que Nani diz. Mas porque o cartunista usa uma metáfora preconceituosa se pode se valer de outra que não carregue preconceito?
Aqui, este blog dá até uma sugestão ao cartunista: já que ele queria pegar o gancho de que Dilma supostamente estaria “vendendo” o seu programa, poderia muito bem ter colocado a candidata atrás de uma barraca de feira efetuando a “venda”. Não haveria reclamações. Isso sim seria uma forma de humor sem preconceito, sem machismo e sem sexismo. E a mensagem passada seria exatamente a mesma, porém não de uma forma agressiva, mas simplesmente divertida, que deve ser a proposta central do humor. Humor não pode ser instrumento de agressão, mas sim de diversão e de crítica sim. Porém, como dito anteriormente, existem maneiras e maneiras de se fazer uma crítica e esta escolhida (e defendida) por Nani, certamente passa longe de ser a forma ideal.
Mas Nani não parece arrependido: pelo contrário, reforma o seu machismo na entrevista ao dizer que “machismo é essa reação das mulheres. Quando eu fiz com os homens, ninguém se importou... Ninguém se importou com ACM de Tiazinha, FHC de peitos de fora... Homem nenhum se incomodou. Por que a mulher tem essa sensibilidade? Ela é uma pessoa pública, não é dona da sua imagem. Tem que ser criticada. Eu usei uma metáfora. Pode ter sido ruim, mas eu simplesmente fiz humor”. Percebe-se a tentativa do cartunista de subverter a lógica das coisas: Nani ousa dizer que as mulheres foram machistas porque se indignaram com a “brincadeira” e não ele.
Este blog defende veementemente a liberdade de expressão e também de humor. Mas para tudo existe um limite e, nesse caso, o limite é claro: toda forma de humor construída sobre pilares do preconceito, seja ele qual for, deve ser repudiado. Caso contrário, se admitirmos que esse tipo de prática continue através desta malfadada blindagem do humor estaremos certamente perpetuando em nossa sociedade preconceitos que há muito estamos combatendo. Nani errou ao fazer uma charge preconceituosa e machista, mas errou mais ainda ao tentar defender o seu erro, reforçando sua visão sexista e retrógrada. Humor dessa espécie não tem a menor graça.
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Quando o machismo e o preconceito pautam cobertura jornalística
Tem algo que eu não entendi dos seus dois últimos posts. Talvez minha lógica seja falha.
ResponderExcluirEm quem está o preconceito? Se a prostituta é digna de respeito e tal, e a candidata também, em que momento você se sentiu ofendido ou onde está a diferença crucial entre colocar a dilma vendendo o programa numa barraca ou o fazendo como prostituta? Se pra você, não há desprespeito nenhum em ser prostituta, qual é o problema? Por que você se ofendeu?
Eu não compreendo essa idéia do machismo e do sexismo senão numa concepção arraigada que ser puta é "ruim", embora se insista que é uma profissão digna (opinião da qual eu compartilho). Mas, por isso mesmo, não podemos perpetuar a idéia de que ser chamado de "puta" é ruim enquanto nos contradizemos dizendo qué é uma profissão como qualquer outra.
Yuri,
ResponderExcluirO machismo/sexismo reside exatamente na intenção do cartunista ao comparar Dilma a uma garota de programa. É clara a intenção pejorativa do Nani ao estabelecer essa comparação: ele procura diminuir as garotas de programa (e também Dilma), explorando um preconceito extremamente arraigado na nossa sociedade.
Entenda: não existe preconceito na sociedade contra um feirante, por exemplo. Contudo, existe uma discriminação enorme em relação às garotas de programa: e aí está o problema. Nani faz um "humor" (para mim, o termo não é esse) tendo como base um preconceito. Por isso ele desrespeita! Talvez eu não tenha sido claro no artigo - o problema não está na comparação em si, mas sim na intenção dessa comparação. E é aí que reside o machismo.
Espero que tenha sido esclarecido,
Forte abraço!
Leandro
Oi Leandro, obrigado pelo esclarecimento.
ResponderExcluirCompreendo quem se sinta ofendido pela charge, mas acredito que pressupor a intenção de um autor é ir um pouco longe demais.
Vejo a charge como pejorativa, mas não por causa do valor intríseco que ela tem e sim por causa do ponto de vista que, como sociedade, estamos acostumados a assumir. É claro que o cartunista conhece esse preconceito e se utilizou dele, disso não tenho dúvida.
Estou ciente também de que em nossa sociedade temos um fortíssimo preconceito em relação à prostituição, especialmente a feminina. Mas a idéia que eu gostaria de propor é a de lançar um outro ponto de vista nessa questão.
O ponto de vista a que me refiro é o que já é adotado por movimentos queer e que celebram sexualidades alternativas. Ao assumir uma palavra como preconceituosa (a palavra "puta" nesse caso) e, de certa forma, colocá-la para debaixo do tapete, utilizando termos politicamente corretos ("profissional do sexo" me vem à mente agora) essas palavras e preconceitos não deixam de existir em nossa sociedade, e o que se cria é um verniz que nos faz acreditar que está tudo bem, quando na verdade não está.
Enfim, me perdi um pouco aqui, mas retomando o ponto de vista que eu queria advogar:
Ao ser chamado de "Puta", "Viado", ou "Sapata" (para citar alguns exemplos), o que se se pode fazer é assumir uma postura de retomada (reclaim, no inglês) desses termos, dizendo "Sim, e daí?" em caso afirmativo ou "Não, mas obrigado" em caso negativo. Eu acredito que esse ponto de vista pode levar a alterações políticas mais profundas do que simplesmente rechaçar um termo, comentário ou charge.
Você pode envcontrar alguns exemplos no site dessa puta genial (em inglês): http://www.anniesprinkle.org/html/writings/whores_heroes.html
Enfim, espero ter sido claro.
Ah, e obrigado pela resposta. Vida inteligente na internet é difícil de se encontrar esses dias.
Abraço,
Yuri