Cardápio do boteko

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

As mudanças na Lei Kandir e a novela do ICMS: até quando vai se tapar o sol com a peneira?

A nova alteração na Lei Kandir aprovada na última quarta-feira, 15, pelo Senado coloca novamente em pauta dois aspectos centrais acerca da Reforma Tributária: 1) a urgência em se implementar tal reforma de modo a pôr fim à série de paliativos que há 10 anos vêm se arrastando no país; e 2) a necessidade de se resolver de uma vez por todas a questão do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços). De acordo com o texto aprovado, que modifica um projeto de lei complementar apresentado em 2001 pelo então senador Lúcio Alcântara, o prazo para entrada em vigor da desoneração do ICMS para compra de bens de consumo, energia elétrica e telefonia foi adiado de 1º de janeiro de 2011 para 1º de janeiro de 2020.

Na prática, essa mudança na Lei Kandir alivia os cofres dos Estados, que teriam um impacto negativo de R$ 19,5 bilhões já no próximo ano se o prazo para o repasse à indústria destes créditos em ICMS fosse mantido. Embora governo e oposição tenham concordado que a extensão do prazo é crucial para que os Estados não entrem em um verdadeiro “colapso”, a análise dos dois campos deve ir além disso, já que não é possível ficar adiando eternamente a desoneração fiscal. É preciso que uma reforma tributária de caráter amplo seja discutida no Congresso Nacional na próxima Legislatura e que este tema seja debatido também com setores da sociedade civil organizada, do empresariado e dos movimentos sociais.

Lei Kandir, ICMS e as receitas dos Estados
É sabido por todos que o ICMS é a principal fonte de arrecadação dos Estados. Como a Lei Kandir, que foi aprovada em 1996, gera impacto exatamente sobre a arrecadação desse imposto, é fácil de imaginar a polêmica que o assunto provoca entre os governadores. O “pomo da discórdia”, por assim dizer, relaciona-se com o crescimento das exportações brasileiras na última década. Quando foi aprovada, a Lei Kandir isentou o ICMS dos produtos destinados à exportação. Contudo, naquela época, as exportações brasileiras eram muito baixas e a perda de receita para os estados não era significativa, até mesmo porque a União ressarcia os estados das perdas provocadas pela legislação.

A partir do momento que as exportações começam a crescer em uma velocidade maior, os Estados começam a se sentir prejudicados, já que os repasses da União não acompanham a perda de arrecadação provocada pela Lei Kandir. Essa foi, ao longo dos últimos oito anos, uma grande crítica feita pelos governadores dos estados sobre a questão fiscal. Contudo, o problema não está exatamente na transferência de recursos da União para os Estados, como gritam os governadores, e sim na própria legislação do ICMS, que é totalmente ultrapassada e tem representando um entrave muito grande para o maior crescimento econômico do país. Isto porque atualmente não existe uma legislação única para o imposto, sendo que cada estado possui a sua.

Sim, acredite! É cada estado da federação que define o valor da alíquota do ICMS que cobrará dos produtos comercializados no seu território, podendo, por exemplo, desonerar determinados tipos de produtos (até mesmo isentar do pagamento do imposto) e sobretaxar outros. Não é difícil de imaginar o quanto isso é prejudicial para a economia brasileira como um todo, uma vez que favorece a chamada “guerra fiscal” entre os estados, ampliando a desigualdade regional e prejudicando muito o pacto federativo. O primeiro grande passo, portanto, seria a discussão e aprovação de uma legislação única para o ICMS – alíquotas e faixas que fossem as mesmas em todo território nacional.

A tentativa de se implementar essa unificação do ICMS já foi feita: entre 2003 e 2005 o governo tentou aprovar no Congresso Nacional um projeto de reforma tributária muito bom, que se aprovado ajudaria a desonerar em muito tanto o setor produtivo quanto os consumidores. A tramitação desse projeto evoluiu muito bem, até chegar ao ponto que tratava justamente da unificação do ICMS. Quando tocou nessa parte, que parece ser o “calcanhar de Aquiles” da reforma tributária, o projeto empacou de vez no Congresso. Tentou-se fatiar o projeto, discutir a criação de um fundo regional para compensar as perdas dos Estados com o ICMS, mas nada disso acalmou a fúria dos governadores de Estado na época.

E é aqui que esse blog gostaria de chegar: toda essa novela da lei Kandir só está sendo arrastada há mais de uma década por conta da má vontade dos Estados em se discutir a questão do ICMS. Todos parecem concordar que a reforma tributária é urgente, mas ninguém parece querer ceder um milímetro para que seja aprovada. Ou pelo menos, nenhum Estado deseja abrir mão de uma parte de sua arrecadação com o ICMS no curto prazo para se ter um ganho de médio e longo prazo na economia em geral. É importante salientar que se os Estados aceitassem colocar o dedo na ferida e discutir uma legislação única do ICMS, eles até poderiam perder receitas no curto prazo, mas depois de um tempo a desoneração dinamizaria a economia, e o volume arrecadado cresceria e beneficiaria os cofres públicos.

Com uma reforma na legislação do ICMS – que é o ponto que trava a reforma tributária – a arrecadação do imposto seria simplificada e, embora os Estados perdessem receita no curto prazo, no longo prazo eles seriam amplamente beneficiados, não necessitando mais se arrastar a novela da Lei Kandir. Não adianta a oposição vociferar e acusar o governo de não ter promovido nenhuma mudança neste sentido. O governo Lula tentou sim, durante dois anos, aprovar uma reforma tributária que simplificasse a tributação do ICMS, chegando-se até a cogitar em substituir esse imposto por outro – o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado). Contudo, quem travou a discussão foram justamente os governadores, a maioria deles de oposição.

É importante salientar que não existe mágica quando o assunto é Reforma Tributária. União, Estados e Municípios terão sim impactos negativos sobre suas receitas no curto prazo e é preciso que cada um assuma o seu ônus, a fim de que no médio e longo prazo, todos ganhem com o crescimento do bolo tributário decorrente do maior crescimento econômico que a reforma tributária propiciará. De nada adianta os Estados quererem arrastar indefinidamente a Lei Kandir ou então a oposição ficar culpando o governo por conta de uma reforma que não foi feita em grande parte por culpa dos governadores. É preciso encarar de frente a questão, de modo a criar condições ainda melhores para um crescimento mais vigoroso da economia brasileira.

Um comentário:

  1. A reforma tributária assim como a reforma política são urgentes para o país.O desafio e conseguir persuadir os governadores conservadores que apesar do prejuízo no curto prazo;no medio e longo prazo a mudança para uma lesgislação única para o ICMS irá contribuir para trazer crescimento geral para a economia brasileira.Essa mudança já era para ter sido feita há muito tempo e não pode ficar sendo adiada por mais tempo.

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