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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Aviação civil: saiba como evoluíram em 60 anos as políticas públicas para o setor aéreo no país

O forte crescimento da demanda por transporte aéreo nos últimos anos (elevação média de 12,3% ao ano entre 2003 e 2010) trouxe ao centro do debate político-econômico, especialmente a partir de 2007, a necessidade de o governo traçar políticas mais firmes de investimento no que se refere à infra-estrutura aeroportuária. De fato, nunca se discutiu tanto a questão do sistema aéreo brasileiro quanto se tem discutido recentemente, até pelos próprios efeitos colaterais decorrentes da expansão da demanda em velocidade superior ao crescimento da capacidade instalada. Filas nos terminais de embarque, atrasos em vôos, terminais de passageiros obsoletos: tudo isso tem criado uma grande pressão sobre o governo para melhorias na área.

A Presidenta Dilma Rousseff, em seus primeiros dias de governo, já dá sinais que pretende dar uma solução eficaz para esta questão, através da discussão de um novo marco regulatório para o setor aeroportuário, tal como foi feito com o setor elétrico no início do governo Lula. Antes mesmo de entendermos quais são as alternativas em termos de política pública para uma modernização do setor aeroportuário, faz-se necessário fazermos uma retrospectiva das políticas para o setor aéreo no Brasil, de forma a termos a compreensão do que foi feito (e do que não foi feito) para que se chegasse à situação atual. Portanto, trataremos neste artigo basicamente da evolução destas políticas públicas para a regulação do setor aéreo brasileiro.

1973-1986: regulação e intervencionismo do Estado
O grande “boom” de empresas aéreas no Brasil ocorreu, sobretudo, a partir da década de 1950, acompanhando um crescimento do setor que se verificava no resto do mundo. O Brasil, em particular, por ser um país continental sempre foi um território muito propício para a adoção do modal aéreo de transporte, especialmente a partir do momento que se tem uma maior consolidação da elite industrial – o primeiro público alvo de nosso setor aéreo. Nos anos 60, com o desenvolvimentismo do governo Juscelino Kubitscheki, novas empresas aéreas passaram a entrar no mercado, especialmente em escala regional, aproveitando-se do momento de expansão da renda da burguesia industrial e da subseqüente ampliação da demanda por transporte aéreo.

Neste período, dos anos 50 e 60, não houve uma política de regulação propriamente dita por parte do Estado, de forma que a entrada de diversos players acabou por provocar uma competição predatória entre eles, requerendo, portanto, certa dose de intervenção do governo. Foi o que aconteceu a partir de 1973, quando o governo federal, já nas mãos dos militares, iniciou um processo de implementação de instrumentos de regulação e de políticas de desenvolvimento, de forma análoga aos princípios que eram aplicados à indústria. Esse traçado inicial de políticas públicas para o setor aéreo seguia a lógica do intervencionismo estatal como promotor do desenvolvimento – ou seja, de um ambiente totalmente livre e desordenado dos anos 50-60 passou-se para um ambiente no qual o Estado ditava as regras do setor.

A partir dos anos 70, as autoridades aeronáuticas passaram a definir variáveis como preço da tarifa aérea e freqüência de vôos, marcando, assim, um período de “regulação com intervenção”. Nesse período, operavam no Brasil 4 empresas aéreas nacionais e 5 regionais. O governo, então, dividiu o território em cinco grandes áreas correspondentes a monopólios especialmente concebidos para operação das empresas regionais. Ou seja, cada empresa regional poderia operar vôos apenas dentro de sua área de concessão e não havia competição com as empresas nacionais, uma vez que estas, conforme decisão do governo, passaram a atuar tão somente em ligações troncais. Aparentemente, estava resolvido, ao menos no curto prazo, a questão do setor aéreo no Brasil.

1986-1992: os anos difíceis para a aviação brasileira
Do ponto de vista institucional e econômico, a década de 80 foi marcada pelo colapso do governo militar e, junto com ele, do modelo de desenvolvimentismo praticado até então. A instabilidade institucional e, sobretudo, o cenário de hiperinflação que marcaram a década levaram o governo a priorizar, no âmbito das políticas públicas, as questões macroeconômicas, em detrimento a políticas setoriais de longo prazo. A grande questão que se colocava naquele momento para o governo era a busca de uma solução para a estabilização dos preços (inflação anual neste período batia a casa dos três dígitos), de modo que investimentos em infra-estrutura aérea eram algo totalmente impensável neste cenário.

Somado a isso há que se considerar o efeito nefasto para as companhias aéreas dos sucessivos pacotes econômicos anunciados pelo governo. A partir de 1986, já no governo Sarney, uma série de medidas para desvalorização real da taxa de câmbio, tomadas com o intuito de ampliar a rentabilidade das exportações, afetou diretamente as empresas aéreas, que tinham uma estrutura de custos intimamente atrelada ao dólar. Afinal de contas, devemos lembrar que boa parte dos insumos da indústria aérea, neste período, era dotada em moeda norte-americana. Com a desvalorização cambial que tornou o dólar, portanto, mais “caro” frente à moeda brasileira, houve uma pressão muito grande sobre a curva de custos das companhias aéreas, ao mesmo tempo em que o governo tomava medidas de controle interno de preços.

Temos aqui uma combinação de dois movimentos: de um lado, a curva de custos é inflada pela desvalorização cambial e, de outro, a curva de receitas não acompanha o crescimento dos custos, à medida que o governo estabelece políticas de controle de preços. Ou seja, cada vez mais a curva de custos “cola” na curva de receitas, reduzindo, dessa maneira, a rentabilidade das empresas aéreas. Voar tornava-se um negócio muito caro, não somente para os passageiros como para as próprias companhias aéreas, que possuíam limitações para alinhar seus preços à movimentação dos custos determinada pela curva cambial.

1992-1997: abertura comercial e liberalização do mercado
A “luz no fim do túnel” para as companhias aéreas vem no início dos anos 90, quando o governo Collor inicia uma série de medidas visando à abertura da economia brasileira. Norteado por uma idéia de menor intervenção estatal na economia, o governo federal decreta, a partir de 1992, o fim das restrições territoriais para as empresas regionais. Ou seja, a partir dali uma empresa que atuasse no Sudeste, por exemplo, poderia também operar vôos em outras regiões do Brasil, ao contrário do que previa a política traçada nos anos 70. Isso foi especialmente importante por permitir que empresas de médio porte pudessem competir com as de grande porte nos trechos de longa distância.

Duas companhias, até então de porte médio, entram em cena a partir de então: a TAM e a Rio-Sul, promovendo um forte crescimento da aviação regional. É interessante notar que a TAM marca, nos anos 90, uma ruptura do paradigma “empresas regionais-empresas nacionais”, uma vez que fortalece sua atuação no Sudeste, especialmente na ponte aérea Rio-São Paulo, mas também passa a operar vôos para o restante do Brasil. Além disso, o governo decreta o fim da exclusividade das empresas regionais para operar vôos direto ao centro (VDC), medida esta que volta a dar um gás à competição entre as empresas aéreas no Brasil. O governo cada vez mais deixava de lado uma postura intervencionista e o setor, por sua vez, caminhava a passos largos para uma maior liberdade.

Vale destacar, contudo, que em certa medida a competição entre as empresas aéreas foi inibida por um movimento agressivo de aquisições e fusões praticadas pelas grandes companhias aéreas. Ou seja, novas empresas passaram a entrar no mercado, mas diante disso as grandes empresas deram uma resposta – através de fusões e aquisições – e voltaram a reconcentrar o mercado. Uma medida muito importante tomada na década de 90 pelo governo foi a criação do conceito de “banda tarifária”, que ampliou ainda mais a liberalização do setor, uma vez que as empresas aéreas não mais praticavam tarifas fixadas pelo governo, mas podiam oferecer ao consumidor preços que oscilassem dentre um intervalo – a banda – previamente estabelecido pelo governo.

1998-2002: liberalização tarifária com pouca regulação
O final da década de 90 marca um novo divisor de águas na aviação brasileira, uma vez que ali é acentuado o processo de liberalização do mercado aéreo, beirando quase uma desregulamentação. Através de duas Portarias, no final de 1997, o governo FHC libera as companhias aéreas para praticarem tarifas com descontos de até 65% sobre o valor de referência fixado. Isso naturalmente acirra sobremaneira a competição entre as empresas aéreas, sobretudo as de grande porte e com maior freqüência de vôos. Em janeiro de 1998, uma nova Portaria do governo federal extingue a exclusividade do direito de empresas regionais operarem as “Linhas Aéreas Especiais”, o que ampliou ainda mais o grau de liberdade no mercado aeroportuário e deu início à chamada 2ª Rodada de Liberalização.

Contudo, em janeiro de 1999, quando ocorre a maxidesvalorização do real frente ao dólar, há uma forte pressão sobre a curva de custos das empresas aéreas. Neste momento, o governo teme que o ambiente de maior liberdade concedida possa acarretar um repasse do aumento de custos das companhias para as tarifas praticadas, retroalimentando o processo inflacionário que emergia então no Brasil. Para evitar que isso acontecesse, o governo estabelece mecanismos de controle de tarifas, impedindo um realinhamento automático de preços em consonância com os movimentos da curva de custos. Passado o susto cambial, contudo, a partir de 2001 o governo promove uma total liberalização dos preços praticados pelas empresas aéreas e acentua a flexibilização de processos para entrada de novos players.

É nesse momento que entra em cena a GOL Linhas Aéreas, que introduz no mercado aéreo brasileiro o conceito de “low cost” e passa a concorrer diretamente, via preço, com companhias já estabelecidas, como TAM e Rio-Sul. De acordo com analistas, a entrada da GOL representou uma quebra de paradigmas do mercado tão significativa quanto a quebra da dicotomia “nacional-regional” promovida pela TAM nos anos 90. A liberalização ao nível que chegou no início da década passada pode parecer, à primeira vista, extremamente positiva. Mas há que se considerar efeitos colaterais negativos desse processo sobre o sistema como um todo, que afetam não somente o nível de preços aos passageiros, como a própria qualidade do serviço prestado e a rentabilidade das empresas aéreas.

A “re-regulamentação” do governo Lula
A partir de 2003, com o início do governo Lula, o Estado retoma uma postura moderadora do mercado aéreo no Brasil. O DAC (Departamento de Aviação Civil) passa, em um primeiro momento, a ser responsável por “adequar a oferta de transporte aéreo, das empresas aéreas, à evolução da demanda”. Naquele momento, o novo governo já se baseava em estudos que previam um forte crescimento da demanda interna – não no elevado nível verificado, que se diga – nos anos subseqüentes. Vale lembrar que até 2002, a demanda por transporte aéreo crescia a uma taxa média anual de 4%, de forma que as projeções iniciais de mercado, no começo do governo Lula, apontavam para um crescimento médio anual de 5,6% até 2020.

Já nos primeiros anos, contudo, a velocidade real do crescimento da demanda supera as expectativas e força o governo a olhar com mais atenção para o setor, que não conseguia expandir a capacidade instalada na mesma magnitude que a elevação da demanda. Assim, em 2005 o governo Lula extingue o DAC e cria, em seu lugar, a Anac (Agência Nacional da Aviação Civil), que passa a ter como foco específico a regulação da aviação civil brasileira. Contudo, a Anac herda do DAC uma multiplicidade de funções (como escolas de aviação e entidades aerodesportivas, por exemplo), que a sobrecarregam e acabam por inibir a sua função primordial de promover a regulação econômica de um mercado amplamente dinâmico.

A demanda por transporte aéreo acelera e os primeiros gargalos começam a aparecer, sobretudo, nos grandes aeroportos, como o de Guarulhos e o de Congonhas, ambos em São Paulo. A crise de 2007 – apelidada pela grande imprensa e pela oposição como “apagão aéreo” – foi a expressão maior de que era necessário o governo ampliar urgentemente os investimentos em aeroportos, medida esta que foi definitivamente implementada no ano seguinte, com as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Contudo, a persistente elevação da demanda em magnitude de dois dígitos requer do governo Dilma uma discussão mais aprofundada acerca de um novo modelo para o setor aeroportuário, uma vez que os investimentos públicos – sozinhos – não darão conta de fazer frente ao crescimento da demanda.

No próximo artigo desta série, nos dedicaremos de forma mais profunda a tratar das alternativas para este novo modelo de regulação do setor aeroportuário, que caminha cada vez mais para um sistema misto, através da adoção de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor. Confiram!

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