Cardápio do boteko

sábado, 8 de janeiro de 2011

Enchentes em SP: o que ocorre quando Kassab retira recursos de obras de drenagem urbana

Há muito tempo que “chuva” se tornou sinônimo de “caos” em São Paulo. O crescimento desordenado da cidade ao longo de várias décadas, a elevada taxa de impermeabilização do solo e, sobretudo, a falta de planejamento e o descaso de sucessivos governos, salvo algumas exceções, fazem com que em todo verão, período de aumento da freqüência de chuvas, a maior cidade brasileira seja cenário de fortes enchentes e perdas não só materiais, como humanas. Nesta sexta-feira, 7, novamente a cidade assistiu a uma forte inundação, depois de uma forte chuva no final da tarde. A área mais atingida, como sempre, foi a Zona Leste, especialmente a região da Avenida Aricanduva.

O rio Aricanduva é um dos principais afluentes da margem esquerda do rio Tietê e a sua bacia, repleta de pequenos córregos que deságuam no rio principal, possui características que favorecem as inundações. Não por menos que se formos observar os piscinões existentes na capital paulista constataremos que boa parte deles se encontra na região do Aricanduva, justamente devido à elevada propensão a inundações daquela área. Tendo isto em vista, não é cabível o argumento dado pelo Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), na noite de sexta-feira, para explicar a forte enchente na região. Segundo a Prefeitura, a inundação da Avenida Aricanduva ocorreu devido a uma forte chuva na cabeceira do Rio.

Ora, como dito acima, não é novidade para ninguém, muito menos para a Prefeitura, que a bacia do Aricanduva é uma das propensas a enchentes, devido justamente à presença de vários pequenos córregos ao entorno do rio Aricanduva. Se isto já é sabido, qual deve ser a postura do poder público, neste caso, da Prefeitura? Na opinião deste blog e da esmagadora maioria dos engenheiros a prioridade da Prefeitura deve ser o investimento pesado de recursos em obras anti-enchentes na região, feitas com o caráter de prevenir – e não remediar – enchentes como aquela vista na tarde de sexta-feira. Entre o término da estação das chuvas, em março, e o reinício de uma nova estação, em novembro, temos aí oito meses.

Kassab retira recursos de obras anti-enchentes
Não é preciso ser engenheiro para saber que, com o devido planejamento, oito meses é tempo suficiente para se agilizar uma obra, especialmente aquelas que, tal como os piscinões, possuem uma importância urbanística e social. Mas infelizmente esse tipo de obra parece não ser prioridade para a gestão de Gilberto Kassab. Para se ter uma idéia, de acordo com informações do próprio portal da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo, dos R$ 32,4 milhões que estavam orçados para investimento em obras de drenagem e saneamento na capital, a Prefeitura empenhou apenas R$ 11,2 milhões – ou seja, uma parcela inferior a 35% do previsto. Evidentemente, se o Prefeito se preocupasse com a questão, jamais deixaria de investir recursos em obras de drenagem, importantes para prevenir contra enchentes.

Além disso, a gestão Kassab não tem cumprido suas próprias metas em relação à melhoria da drenagem urbana na capital. Uma das principais obras ali da região da Bacia do Aricanduva, e que foi incluída em 2009 na chamada “Agenda 2012”, um conjunto de 223 metas com as quais Kassab se comprometeu até o final de sua gestão, diz respeito à conclusão do Piscinão dos Machados. O córrego dos Machados é um dos afluentes do rio Aricanduva, situando-se na região de São Mateus. Este é, ao lado do Inhumas e Caguaçu, um dos maiores córregos que deságuam no Aricanduva, de forma que a construção de um piscinão ali para impedir as enchentes na região é mais que necessária.

Pois bem, de acordo com o Orçamento aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo no final de 2009, foram destinados R$ 11 milhões para as obras de conclusão deste piscinão, a serem aplicados em 2010. Acontece que em agosto do ano passado, a Prefeitura simplesmente transferiu R$ 6,7 milhões (60% do total) que deveriam ser aplicados na construção do Piscinão dos Machados para uma obra de maior visibilidade para Kassab – a construção de um viaduto estaiado no Tatuapé. Ora, não é preciso dizer aqui o quanto isso é absurdo, uma vez que o piscinão é muito mais importante para a população do que um viaduto para servir de cartão postal em um bairro de classe média de São Paulo! Mas Kassab mais uma vez preferiu tirar dinheiro de uma obra necessária para aplicar em outra, de maior visibilidade.

Na época, a justificativa da Prefeitura era de que o dinheiro retirado do projeto não causaria impacto, uma vez que a obra ainda estava em fase de edital. De fato, a obra estava e continua em fase de edital, conforme informação do próprio site da Prefeitura. Contudo, a retirada de recursos somada à inoperância da Prefeitura causou impacto sim: ou acaso o Prefeito Gilberto Kassab quer impacto maior do que a violenta enchente que assolou a região do Aricanduva na última sexta-feira, deixando inúmeros cidadãos ilhados e causando, inclusive, uma morte? Não adianta a Prefeitura fazer estardalhaço para anunciar a retirada de 46 toneladas de lixo do Aricanduva se não investe adequadamente nos córregos ao seu entorno, dando uma solução definitiva para o caos das enchentes.

Chega a ser irônico o fato de termos uma enchente dessa força no Aricanduva apenas dez dias depois do Prefeito Kassab ter ido à região posar como bom gestor ao anunciar a retirada de resíduos sólidos do rio. A propósito: voltando ao caso do Piscinão dos Machados, como dito anteriormente, a obra continua em fase de licitação, sendo que, de acordo com a previsão inicial da Prefeitura, deveria estar concluída em julho deste ano. Cabe aqui a pergunta: se a Prefeitura gastou quase dois anos para chegar à fase de licitação da obra, será que conseguirá terminar a obra em apenas seis meses? É muito improvável que consiga, especialmente se o Prefeito Kassab continuar transferindo recursos que deveriam ser aplicados em prevenção de enchentes para construir viadutos ou outras obras de menor importância.

Nenhum comentário:

Postar um comentário