Nas últimas semanas, as atenções de toda comunidade internacional estão voltadas para o norte da África e para o Oriente Médio, em função das revoluções populares ocorridas primeiramente na Tunísia e, posteriormente, no Egito. Nesses dois países, a pressão popular pôs fim a regimes ditatoriais (Ben Ali, na Tunísia, e Mubarak, no Egito) e ampliou consideravelmente as possibilidades de um avanço democrático nessas regiões marcadas por sucessos governos de caráter autocrático. Isso porque a própria essência desses levantes populares e os seus desdobramentos até o momento têm como principal mola propulsora o ingrediente essencial da democracia, que é a soberania popular.
Naturalmente, a queda dos ditadores da Tunísia e do Egito constitui apenas o ponta-pé inicial para uma verdadeira transformação democrática nesses países. Longe de querer diminuir os êxitos alcançados pelo povo desses dois países, mas é importante que se reconheça que o processo de construção democrática é muito mais complexo e lento do que a própria ruptura com um regime ditatorial. Rupturas são, em grande parte, produto de uma conjuntura endógena (como no caso tunisiano e egípcio) ou exógena que praticamente forçam uma inflexão. Nesse sentido, a simples ruptura com um regime autocrático não significa necessariamente que a democracia será construída de forma automática nessas regiões.
Desislamização política
Há que se levar em conta a dinâmica de forças políticas existentes nesses países e, sobretudo, o grau de participação que o governo militar provisório, no caso do Egito, dará aos civis nesse processo de construção da democracia. Embora todos concordem que ainda seja cedo para fazer previsões sobre o tempo ou a forma em que transcorrerá esse processo, parece que a grande maioria das análises também converge para um risco quase inexistente de constituição de um regime teocrático, como ocorreu na região em períodos anteriores. Lluís Bassets, colunista do El País, escreveu um artigo muito interessante apontando para essa “desislamização” política do Egito e regiões vizinhas.
De acordo com Bassets, “parece evidente que em nenhum dos países o islamismo organizado tem tido um papel relevante na origem nem sequer na organização das revoltas”, completando que “a percepção mais comum é que esta revolução árabe, não somente no Egito, está nas mãos de uma geração nova, muito numerosa e diferenciada das anteriores”. A visão de Bassets sobre a pouca influência do Islã político nos rumos da recente revolução árabe e mesmo no destino político dessas regiões é compartilhada por outros observadores da política internacional. Embora a Irmandade Muçulmana, ligada ao sunismo, seja uma força política de expressão no Egito, muitos analistas de política internacional concordam que ela não tem força suficiente para construir uma hegemonia no país.
Uma pesquisa feita pelo The Washington Institut no Cairo entre os dias 5 e 8 de fevereiro revelou que apenas 15% dos entrevistados aprovam a Irmandade Muçulmana, o que mostra que, embora o grupo tenha uma expressão política razoável, está bem longe de conseguir uma hegemonia para liderar o novo governo. Além disso, essa mesma pesquisa mostrou que apenas 12% dos egípcios são favoráveis à aplicação da sharia (lei muçulmana) no país. Esse distanciamento popular da opção teocrática, expresso nessa pesquisa e comungado nas mais diversas análises, nos dá indícios de que o processo de construção de um novo regime no Egito ocorrerá de uma forma distinta do que ocorreu em outras regiões do Oriente Médio em ocasiões anteriores.
Partidos egípcios devem se fortalecer
Para o cientista político egípcio Nubar Hovsepian, professor da Universidade de Chapman, na Califórnia, “acabaram-se os dias em que os egípcios dançavam ao som dos interesses de um ditador; eles tiveram êxito em pôr um fim nessa realidade. Mas agora vem o mais difícil: como transformar essa vitória em realidade política”. Segundo Hovsepian, “o desafio é construir o marco institucional da transição democrática, mas o processo é lento”. Numa entrevista dada ao jornal argentino Página 12, o cientista político egípcio destacou ainda que o Exército, que assumiu provisoriamente o comando do Egito após a renúncia de Mubarak, não é o ator mais indicado para conduzir esse processo de construção de um regime democrático.
“O Exército tem o máximo poder agora para lidar com o caos do início de uma nova realidade, mas o marco institucional tem que ser a criação de um Estado independente, levada a cabo pelo povo através da comunhão das forças políticas”, analisa Hovsepian. O momento agora, segundo o cientista político, deve ser de fortalecimento dos partidos políticos e das lideranças populares, justamente para garantir uma transição tranqüila para um regime democrático. E o grande desafio, neste sentido, deve ser justamente equacionar o quão curto ou longo será esse período de transição: se muito curto, pode incorrer numa construção democrática pouco sólida; se muito longo, pode aumentar o risco do Exército (e não o povo) assumir o protagonismo do processo.
O professor Hovsepian faz uma análise interessante: “três décadas de Mubarak destruíram o espaço público. Definhada e frágil, a oposição se dedicou a construir redes de atuação territorial, que não crescem verticalmente, mas que preenchem lacunas do espaço público. Sua estrutura necessita evoluir e incluir a estrutura vertical necessária para lutar com força no nível político. Esses grupos necessitam institucionalizar-se para poder fortalecer a representação do povo. Eles são o povo. É preciso que os egípcios se convertam em sujeito político”. Essa avaliação de Nubar Hovsepian é importante porque mostra a necessidade de institucionalizar esse movimento popular para que a construção democrática ocorra de maneira firme e sólida no Egito.
A oposição enfraquecida não será capaz de travar uma disputa por espaço no tabuleiro político, o que por si só já seria prejudicial ao processo de construção democrática, pois daria mais espaço para que o Exército, já organizado, assumisse o protagonismo. Por esta razão os analistas internacionais convergem para a percepção de que ainda é cedo para se afirmar com exatidão o que acontecerá no Egito: é preciso, antes, checar qual será a capacidade da oposição egípcia de se organizar enquanto movimento de construção de um novo regime democrático. Afinal de contas, é importante que a oposição esteja organizada e mobilizada para que tenha ampla participação na elaboração de uma nova Constituição para o país e também para o próprio processo eleitoral, que deve ocorrer em agosto desse ano.
O fortalecimento dos partidos políticos egípcios também é recomendável para evitar influências externas na construção de sua democracia. Quanto mais fortes e articulados estiverem os partidos políticos no Egito, menor será o risco de influência estrangeira no processo que se deflagra naquele país, possibilitando a construção de uma democracia legitimada pela ampla participação popular e pelo respeito às experiências políticas e históricas próprias do povo egípcio.
Naturalmente, a queda dos ditadores da Tunísia e do Egito constitui apenas o ponta-pé inicial para uma verdadeira transformação democrática nesses países. Longe de querer diminuir os êxitos alcançados pelo povo desses dois países, mas é importante que se reconheça que o processo de construção democrática é muito mais complexo e lento do que a própria ruptura com um regime ditatorial. Rupturas são, em grande parte, produto de uma conjuntura endógena (como no caso tunisiano e egípcio) ou exógena que praticamente forçam uma inflexão. Nesse sentido, a simples ruptura com um regime autocrático não significa necessariamente que a democracia será construída de forma automática nessas regiões.
Desislamização política
Há que se levar em conta a dinâmica de forças políticas existentes nesses países e, sobretudo, o grau de participação que o governo militar provisório, no caso do Egito, dará aos civis nesse processo de construção da democracia. Embora todos concordem que ainda seja cedo para fazer previsões sobre o tempo ou a forma em que transcorrerá esse processo, parece que a grande maioria das análises também converge para um risco quase inexistente de constituição de um regime teocrático, como ocorreu na região em períodos anteriores. Lluís Bassets, colunista do El País, escreveu um artigo muito interessante apontando para essa “desislamização” política do Egito e regiões vizinhas.
De acordo com Bassets, “parece evidente que em nenhum dos países o islamismo organizado tem tido um papel relevante na origem nem sequer na organização das revoltas”, completando que “a percepção mais comum é que esta revolução árabe, não somente no Egito, está nas mãos de uma geração nova, muito numerosa e diferenciada das anteriores”. A visão de Bassets sobre a pouca influência do Islã político nos rumos da recente revolução árabe e mesmo no destino político dessas regiões é compartilhada por outros observadores da política internacional. Embora a Irmandade Muçulmana, ligada ao sunismo, seja uma força política de expressão no Egito, muitos analistas de política internacional concordam que ela não tem força suficiente para construir uma hegemonia no país.
Uma pesquisa feita pelo The Washington Institut no Cairo entre os dias 5 e 8 de fevereiro revelou que apenas 15% dos entrevistados aprovam a Irmandade Muçulmana, o que mostra que, embora o grupo tenha uma expressão política razoável, está bem longe de conseguir uma hegemonia para liderar o novo governo. Além disso, essa mesma pesquisa mostrou que apenas 12% dos egípcios são favoráveis à aplicação da sharia (lei muçulmana) no país. Esse distanciamento popular da opção teocrática, expresso nessa pesquisa e comungado nas mais diversas análises, nos dá indícios de que o processo de construção de um novo regime no Egito ocorrerá de uma forma distinta do que ocorreu em outras regiões do Oriente Médio em ocasiões anteriores.
Partidos egípcios devem se fortalecer
Para o cientista político egípcio Nubar Hovsepian, professor da Universidade de Chapman, na Califórnia, “acabaram-se os dias em que os egípcios dançavam ao som dos interesses de um ditador; eles tiveram êxito em pôr um fim nessa realidade. Mas agora vem o mais difícil: como transformar essa vitória em realidade política”. Segundo Hovsepian, “o desafio é construir o marco institucional da transição democrática, mas o processo é lento”. Numa entrevista dada ao jornal argentino Página 12, o cientista político egípcio destacou ainda que o Exército, que assumiu provisoriamente o comando do Egito após a renúncia de Mubarak, não é o ator mais indicado para conduzir esse processo de construção de um regime democrático.
“O Exército tem o máximo poder agora para lidar com o caos do início de uma nova realidade, mas o marco institucional tem que ser a criação de um Estado independente, levada a cabo pelo povo através da comunhão das forças políticas”, analisa Hovsepian. O momento agora, segundo o cientista político, deve ser de fortalecimento dos partidos políticos e das lideranças populares, justamente para garantir uma transição tranqüila para um regime democrático. E o grande desafio, neste sentido, deve ser justamente equacionar o quão curto ou longo será esse período de transição: se muito curto, pode incorrer numa construção democrática pouco sólida; se muito longo, pode aumentar o risco do Exército (e não o povo) assumir o protagonismo do processo.
O professor Hovsepian faz uma análise interessante: “três décadas de Mubarak destruíram o espaço público. Definhada e frágil, a oposição se dedicou a construir redes de atuação territorial, que não crescem verticalmente, mas que preenchem lacunas do espaço público. Sua estrutura necessita evoluir e incluir a estrutura vertical necessária para lutar com força no nível político. Esses grupos necessitam institucionalizar-se para poder fortalecer a representação do povo. Eles são o povo. É preciso que os egípcios se convertam em sujeito político”. Essa avaliação de Nubar Hovsepian é importante porque mostra a necessidade de institucionalizar esse movimento popular para que a construção democrática ocorra de maneira firme e sólida no Egito.
A oposição enfraquecida não será capaz de travar uma disputa por espaço no tabuleiro político, o que por si só já seria prejudicial ao processo de construção democrática, pois daria mais espaço para que o Exército, já organizado, assumisse o protagonismo. Por esta razão os analistas internacionais convergem para a percepção de que ainda é cedo para se afirmar com exatidão o que acontecerá no Egito: é preciso, antes, checar qual será a capacidade da oposição egípcia de se organizar enquanto movimento de construção de um novo regime democrático. Afinal de contas, é importante que a oposição esteja organizada e mobilizada para que tenha ampla participação na elaboração de uma nova Constituição para o país e também para o próprio processo eleitoral, que deve ocorrer em agosto desse ano.
O fortalecimento dos partidos políticos egípcios também é recomendável para evitar influências externas na construção de sua democracia. Quanto mais fortes e articulados estiverem os partidos políticos no Egito, menor será o risco de influência estrangeira no processo que se deflagra naquele país, possibilitando a construção de uma democracia legitimada pela ampla participação popular e pelo respeito às experiências políticas e históricas próprias do povo egípcio.
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