terça-feira, 16 de março de 2010

Questionamento de um filósofo de boteko




“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida” (Vinícius de Moraes)

Interessante é andar despreocupado em meio à multidão. Ou ainda, andar mais despreocupado ainda em meio ao silêncio da noite. Dois extremos que podem nos levar à mesma reflexão: angustiante, mas certeira em demonstrar o quão paradoxal é a busca a que muitas vezes nos lançamos. Seis da tarde e as luzes da Paulista, a síntese da paulicéia desvairada, começam a se acender.

De dentro dos arranha-céus espalhados entre o Paraíso e a Consolação milhares de seres humanos marcham, em ritmo apressado, num verdadeiro frenesi urbano, a caminho de suas casas, de um barzinho, de algo. O que tanto querem encontrar? Em meio à loucura da selva de pedra, embalado pela busca rasteira da multidão, mudo o questionamento: O que tanto queremos encontrar?

Fato é que ao longo da vida encontramos muitas coisas, diferentes pessoas, variados amores. E quando tudo parece equacionado, somos tomados por uma inquietude d’alma que nos atormenta, que parece sussurrar aos nossos ouvidos que todos esses encontros na verdade nos levaram a um desencontro maior. Encontrar um amor, um verdadeiro amigo, uma canção que nos toque, o emprego ideal sem dúvida é tarefa mais fácil do que a jornada de encontrar a si mesmo.

Engraçado que o mais contraditório de tudo isso é que essa jornada não nos é opcional, é algo praticamente “imposto”, como se ao nascer, tivéssemos como missão, em meio a tantos desencontros, nos encontrar, em algum lugar, em alguém, ao longo da vida. Idéia nada original esta: diversas religiões, filosofias, crenças difundem esse propósito universal da vida. Não por menos o próprio Oráculo de Delfos já continha a inscrição em sua porta: “conheça-te a ti mesmo”.

E o que é o auto conhecimento senão o encontro do ser em si? Talvez essa a questão paradoxal mais irônica que nos defrontamos na vida – como necessitamos de tantos desencontros para o grande encontro, o encontro conosco, com a própria razão de ser! E como o passageiro, que aguarda ansioso seu vôo ou seu ônibus, vamos vivendo, esperando, tomando um café, um lanche. Pequenos desencontros que antecedem um encontro.

A noite começa na maior cidade do país. Tudo cheira à pressa. Pequenos desencontros ocorrem, enquanto outros tantos encontros estão a caminho. Em meio às luzes da megalópole, Clarice alivia a alma quando diz que “perder-se também é caminho”.

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