quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Demanda por transporte aéreo cresce bem mais que a economia e expõe gargalos do setor

“Nunca antes na História desse país”, o brasileiro viajou tanto de avião quanto nos últimos anos. Caso se confirme a projeção da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) de um crescimento de 25% na demanda por transporte aéreo em 2010, a aviação civil deverá ter atingido no ano que passou a marca recorde de 160 milhões de Pax (unidade de contagem do movimento de passageiros nos aeroportos, resultante do somatório de número de embarques, desembarques e conexões). Isso significa um crescimento médio de 12,3% ao ano na demanda por transporte aéreo no país entre 2003 e 2010, bem acima, portanto, do crescimento médio do PIB (Produto Interno Bruto) do país no período, que ficou em 5%.

Este significativo crescimento do número de viagens aéreas feitas pelos brasileiros reflete tanto uma elevação do poder aquisitivo médio da população (resultado direto da política econômica adotada pelo governo Lula) quanto um ambiente de maior competição entre as empresas aéreas. Vale lembrar que no início da década passada, a maior liberalização tarifária concedida pelo governo federal, que autorizava as companhias aéreas a praticarem tarifas com descontos de até 65% sobre o valor de referência fixado, ampliou a concorrência no setor e contribuiu para uma expressiva redução no valor do bilhete aéreo. Para se ter uma idéia, somente entre 2003 e 2008 o preço médio pago por passageiro em um quilômetro viajado de avião caiu 48%.

Naturalmente, a combinação de ganho de poder aquisitivo com barateamento do preço da passagem aérea não somente ampliou a demanda por viagens aéreas em segmentos de maior renda, que tradicionalmente já utilizavam com maior freqüência este modal de transporte, como também introduziu um novo tipo de passageiro no mercado aeroportuário. Falamos da classe C, para quem até certo tempo atrás era impensável uma viagem de avião, por conta do elevado preço do bilhete. Essa ampliação da demanda fica muito clara quando analisamos a relação Pax/número de habitantes. Enquanto em 1997, ano no qual o setor começou a ter reformas mais profundas na regulação, a razão era de 0,3 Pax por habitante, em 2010 esse número deve chegar a expressivos 0,8 Pax por habitante.

Crescimento acima do esperado da demanda expõe gargalos
É interessante notar que nem o próprio mercado aeroportuário esperava esse crescimento estrondoso na demanda. Até bem pouco tempo atrás, nos primeiros anos da década passada, as projeções apontavam para um crescimento do mercado interno de transporte aéreo de passageiros de 200% em 20 anos. Ou seja, esperava-se que na melhor das hipóteses o mercado de aviação civil registraria um crescimento da demanda de 5,6% ao ano até 2020-2025. Vale lembrar que entre 1997 e 2002 a demanda por transporte aéreo cresceu a uma taxa média de 4% ao ano, segundo dados da Anac e da Infraero. Portanto, se consideramos as projeções do início da década à luz do que efetivamente se observou em anos anteriores a elas, poderemos concluir que elas eram até bem otimistas.


Mas se o crescimento da demanda bem acima do esperado (12,3%ao ano entre 2003 e 2009 ante a expectativa de 5,6% ao ano) foi evidentemente muito comemorado no setor, por outro lado também expôs certos gargalos de infra-estrutura. Como não se esperava uma elevação de demanda nesta magnitude, os investimentos em infra-estrutura aeroportuária não acompanharam o crescimento da demanda ao longo dos últimos anos. Ou seja, a demanda por transporte aéreo cresceu numa velocidade muito superior àquela verificada do lado da “oferta”, representada aqui pela capacidade instalada dos aeroportos brasileiros. Neste sentido, a capacidade utilizada foi cada vez mais se aproximando da capacidade instalada nos principais aeroportos à medida que a esta capacidade instalada crescia a taxas menores que a ocupação.

Como efeito direto desse descompasso entre demanda crescente e capacidade instalada em menor expansão, os primeiros problemas começaram a aparecer de forma mais acentuada entre 2006 e 2007, ano este em que os grandes jornais e a oposição alardeavam o malfadado “apagão aéreo”. Trataremos de forma mais aprofundada desta questão em outro artigo. Os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) anunciados para o setor a partir de 2008 contribuíram para solucionar alguns gargalos; contudo, uma solução mais eficaz e completa do problema requer maiores investimentos na ampliação e adequação da infra-estrutura aeroportuária. Segundo relatório da consultoria McKinsey feito a pedido do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) em 2010, dos 20 principais aeroportos do país, 13 já apresentam gargalos nos terminais de passageiros.

E são justamente os aeroportos de maior movimentação, responsáveis por quase 30% de toda movimentação de passageiros no Brasil, Guarulhos e Congonhas, que estão em situação mais delicada. A perspectiva de que a melhora consistente do ambiente macroeconômico continue refletindo de forma positiva sobre o crescimento da demanda por transporte aéreo aliada à proximidade de dois grandes eventos esportivos no Brasil – a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 – acentuam ainda mais a urgência de novos investimentos em infra-estrutura aeroportuária no Brasil e colocam como prioridade do governo a definição de um novo modelo de regulação e funcionamento do setor. Digamos que, tal como o governo Lula desenvolveu um marco regulatório em 2004 para sanar os gargalos do setor elétrico, agora é necessário que a Presidenta Dilma Rousseff o faça para o setor aeroportuário.

Crescimento deve desacelerar, mas seguir alto até 2020
Tanto a Infraero quanto a Anac trabalham como projeções que indicam uma desaceleração do crescimento da demanda na década que se inicia. É importante destacar aqui, contudo, que desaceleração da demanda significa que ela crescerá em ritmo menor do que na década passada, mas ainda assim continuará se expandindo. É como um carro, que percorre um trecho do percurso a velocidade de 120 Km/h e, no trecho seguinte, reduz a velocidade para 100 km/h. Ou seja, o carro continua andando, ainda em velocidade elevada, mas ligeiramente inferior à sua velocidade inicial. De acordo com essas projeções, considerando um cenário de crescimento do PIB brasileiro de 4,5% ao ano para a primeira metade da presente década, estima-se que a demanda por transporte aéreo cresça a uma taxa anual de 5% no cenário base.

Isso significa dizer que em 2014, ano que será realizado a Copa do Mundo, a demanda deve atingir a impressionante cifra de 194 milhões de Pax, o que representa uma elevação de 21% em relação ao patamar projetado para 2010 (o número oficial contabilizado pela Anac para o ano passado deverá ser divulgado nos próximos dias). Mantido esse ritmo de crescimento anual de 5% na demanda, o setor aeroportuário deverá chegar em 2020 com quase 261 milhões de Pax, o que corresponde a uma elevação de 62% na década que se encerrará naquele ano. Vale lembrar que estamos falando do cenário base, que é projetado levando-se em conta as perspectivas de crescimento real do PIB brasileiro e a média das projeções globais de elevação tanto da renda quanto da demanda mundial por transporte aéreo. No cenário otimista, com crescimento médio anual de 7%, os números são ainda mais impressionantes.

Se pensarmos que em 2014 projetam-se 194 milhões de Pax e considerarmos a projeção da Anac, de que no mês da Copa do Mundo (junho daquele ano), os terminais aeroportuários deverão registrar movimentação adicional de 2,7 milhões de Pax, podermos ver que esse efeito da Copa é residual sobre o significativo patamar que a demanda deve atingir por crescimento intrínseco ligado à melhoria da renda do brasileiro e barateamento do preço da passagem aérea. Ou seja, é preciso investir sim na infra-estrutura aeroportuária, mas menos por conta do chamado “efeito Copa” e mais em função da própria elevação natural projetada para a demanda no período, que deve continuar crescendo em um ritmo bom, acima da própria elevação do PIB no mesmo período.

É muito importante que o governo Dilma desenvolva um modelo de regulação para o setor aéreo que crie um ambiente propício aos investimentos, tanto públicos quanto privados, de forma a solucionar os gargalos do setor. Nos próximos artigos, o Boteko fará uma avaliação das políticas públicas que foram implementadas para o setor ao longo do tempo e também colocará em discussão as alternativas que o governo dispõe para ampliar os investimentos em infra-estrutura, especialmente no que diz respeito à abertura de capital da Infraero e também um sistema de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para investimentos mais pesados que são necessários nos aeroportos com maior movimentação – Guarulhos e Congonhas. Acompanhem!

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