
Entretanto, um caso de menor repercussão que a Ficha Limpa, mas de gravidade tão grande quanto aquela lei, surgiu nos últimos dias no Congresso Nacional, trazendo de volta ao debate a questão da não-legitimidade da judicialização da política. Estamos falando aqui das liminares do STF (Supremo Tribunal Federal) favoráveis aos mandados de segurança de alguns partidos que pedem posse do candidato do partido e não da coligação nas vagas de suplências de deputados que se licenciaram do cargo. Vamos entender melhor: neste início de Legislatura, 28 deputados federais, após tomarem posse, se licenciaram de seus mandatos para assumir cargos no Executivo federal ou em seus respectivos Estados.
Intromissão do STF é tentativa de judicializar a política
Quando um deputado se licencia do cargo, este deve ser ocupado pelo suplente daquele deputado. Ora, e como sabemos quem é o suplente do deputado licenciado? Muito simples: no período eleitoral é costume que os partidos formem coligações não só para os cargos majoritários como também para os proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores). Após as eleições, cada coligação terá um determinado espaço no Parlamento, a depender da quantidade de votos conseguida pela coligação e dos coeficientes eleitoral e partidário. Suponha, por exemplo, que uma coligação formada por três partidos (A,B e C) esteja disputando a eleição para uma Assembléia com 50 cadeiras em um Estado com 5 milhões de eleitores.
Vamos supor ainda que esta coligação indique no total 60 candidatos para disputar a eleição e, passado o pleito, consiga 800 mil votos. No sistema proporcional, como é o atual, para saber quantas vagas essa coligação terá direito na Assembléia, primeiramente calculamos o coeficiente eleitoral, que é a razão entre o número total de votos válidos (por uma questão de simplificação, consideraremos aqui que os 5 milhões de eleitores votaram em algum candidato nesta eleição) e o número de cadeiras que estão em disputa. Neste exemplo, o coeficiente eleitoral será de 100 mil (resultado da divisão de 5 milhões de votos válidos por 50 cadeiras da Assembléia). Feito isto, calculamos agora o coeficiente da coligação, que é a razão do número de votos da coligação e do coeficiente eleitoral.
Ou seja, o coeficiente da coligação será de 8 (que é o resultado da divisão de 800 mil votos da coligação pelo coeficiente eleitoral, que é de 100 mil). Logo, essa coligação ABC terá direito a 8 cadeiras nesta Assembléia, de forma que os oito lugares a serem ocupados serão preenchidos pelos oito candidatos que foram mais votados na coligação, independentemente do partido. Suponha, agora, que o oitavo candidato (e, portanto, último eleito pela coligação) seja do Partido B e em 9º lugar esteja um candidato do partido C, mais votado naturalmente que o 10º candidato do partido B, por exemplo. Esse candidato do partido C que está em 9º lugar ocupará, de acordo com a lei eleitoral, a 1ª suplência da coligação. Isso quer dizer que se algum dos oito deputados eleitos se licenciar, o 1º suplente ocupará a vaga, independentemente do partido.
Suponha que o candidato do partido B que estava em 8º lugar tome posse e, em seguida, se licencie para ocupar alguma Secretaria de Governo. A posse de sua vaga, pela eleitoral, será dada ao 1º suplente da coligação, ainda que este seja do Partido C. Isso é extremamente razoável, se pensarmos que aquele candidato do partido B teve sua eleição favorecida pela coligação; ou seja, nada mais natural que seja obedecida a ordem de votos conseguida pelos candidatos da coligação e não de um único partido apenas. E é esta a discussão que está sendo travada no âmbito do Congresso Nacional. É como se o 10º colocado, do Partido B, quisesse “furar a fila” e tomar o direito de posse do 9º colocado (que ocupa a 1ª suplência, pela lei eleitoral), só porque o licenciado da vaga era do Partido B. Muitos partidos no Congresso, como o PSDB, estão tentando burlar a lei eleitoral para fazer essa manobra.
Para tanto, esses partidos têm recorrido ao STF em busca de liminares que lhes sejam favoráveis, afrontando a lei eleitoral e dando espaço, como dissemos no início deste texto, para uma prática extremamente nociva à democracia, que é a tal da judicialização da política. Felizmente, o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), está irredutível quanto à possibilidade de ceder às pressões do Judiciário. Isso é muito bom, pois não dá espaço para que a Justiça queira tomar decisões que são políticas e que, além de tudo, contrariam a própria lei eleitoral em vigor no país. Neste sentido, foram muito bem vindas as declarações de Marco Maia nesta terça-feira, 8, após a visita do Presidente do STF, ministro Cezar Peluso, ao Congresso Nacional.
Maia afirmou que “nós, na Câmara, vamos tratar desse assunto nos próximos dias e provavelmente caminhamos para uma solução que venha do Legislativo e que possa, a partir do Legislativo, pacificar essa questão e esse entendimento. Vamos dialogar com os líderes partidários durante esta semana para tentar construir esse processo e esse projeto a partir da Câmara dos Deputados”. E ainda acrescentou que “vamos tentar pacificar isso a partir da ideia de que tínhamos uma regra existente, que era a regra de eleição dos suplentes a partir da coligação e que orientou a composição das coligações, dos candidatos que concorreram na última eleição. Então, esse será o esforço que nós faremos”.
É muito importante que o Congresso não permita que assuntos da competência do Legislativo sejam resolvidos pelo Judiciário. Para que haja bom funcionamento e solidez das instituições democráticas é condição mister que haja independência entre os poderes, de forma que nenhum avance o sinal sobre o campo do outro. Neste sentido, o Presidente da Câmara dos Deputados, com apoio do Presidente do Senado, José Sarney, faz muito bem em sinalizar que o assunto será resolvido no âmbito do Congresso e não do STF, como querem alguns partidos que não se preocupam com o impacto desse tipo de prática sobre a democracia. Afinal de contas, problemas políticos têm que ser resolvidos não no âmbito do Judiciário, mas sim da própria política.
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