terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Conversa com a Presidenta: 6 mil creches serão construídas no Brasil até 2014, segundo Dilma

Em sua coluna semanal "Conversa com a Presidenta" desta terça-feira, 22, Dilma Rousseff retomou um importante tema que levantou ao longo de sua campanha no ano passado: a necessidade de maiores investimentos em creches. A creche é importante não somente para a criança, que encontra ali um espaço de aprendizagem e de convívio social desde os seus primeiros anos de vida, como também para os pais. Como se sabe, muitas mães, sem ter com quem deixar seus filhos pequenos, acabam ficando impossibilitadas de trabalhares e complementarem a renda familiar. Dilma também tratou da questão da violência contra mulher e do programa Minha Casa, Minha Vida. Confira abaixo a íntegra da coluna:

João Marques Canuto, 55 anos, representante comercial de Duque de Caxias (RJ) – A senhora não acha que a falta de creches no país impede mães de sair para trabalhar, principalmente as mais necessitadas? Elas não podem pagar uma creche particular, ficam presas em casa e não contribuem para a família sair da pobreza.

Presidenta Dilma – Você tocou numa questão muito importante. Atualmente, estão frequentando creches no Brasil apenas 20% das crianças de 0 a 3 anos de idade. Significa que, de fato, a maioria das mães de crianças desta faixa de idade, por falta de creches, não pode contribuir para a renda familiar. Para enfrentar o problema, vamos viabilizar, pelo PAC 2, a construção de 6 mil creches em todo o país até 2014, ou 1.500 unidades por ano. O Ministério da Educação divulgou recentemente a relação dos 223 municípios que vão receber verba para construir as primeiras 520 creches. O seu estado, o Rio de Janeiro, teve 59 projetos selecionados e o seu município, Duque de Caxias, enviou 5 projetos que estão passando por ajustes e podem ser incluídos nos próximos grupos. A seleção levou em conta o atendimento das exigências técnicas, o número de projetos inscritos e a demanda por vagas. A relação das creches está na página http://bit.ly/e2p7ZE, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Nesta página consta também a relação dos municípios que receberão verbas para a construção das primeiras 213 quadras poliesportivas cobertas, de um total de 2.500 planejadas para este ano.

Marinalva Santana, 39 anos, servidora pública de Teresina (PI) – Como primeira presidenta do Brasil, quais são os seus projetos para o enfrentamento da violência contra a mulher? V. Ex.ª dará efetividade a todas as ações previstas no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres?

Presidenta Dilma – Nós temos o compromisso sagrado de enfrentar a questão da violência contra as mulheres, intensificando e ampliando as medidas adotadas no governo passado. O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, de 2008, resultou da mobilização de mais de 200 mil brasileiras na II Conferência Nacional. O Plano prevê 388 ações, que se constituem num guia estratégico de promoção dos direitos das mulheres, incluindo medidas contra a violência. O Ligue 180, serviço da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM), conta hoje com 160 atendentes treinadas e instruídas sobre a Lei Maria da Penha. Elas dão orientação e direcionam as denúncias para os serviços especializados mais próximos da residência da vítima. O tempo de espera é de apenas 5 segundos. Uma das metas do II Plano era o atendimento de 1 milhão de mulheres até 2011 e, em outubro de 2010, o Ligue 180 já tinha atendido 1,5 milhão. O aumento de atendimentos não significa aumento da violência e sim da conscientização e da disposição de enfrentamento do problema. Outra meta do II Plano que foi ultrapassada é a de construir/reformar/aparelhar 764 serviços especializados de atendimento às mulheres em situação de violência. Hoje, há quase 900 serviços em pleno funcionamento, incluindo 466 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam’s) e 62 Defensorias Especializadas.

Carlos Serrão, 49 anos, autônomo de Belém (PA) – Por que o financiamento do programa Minha Casa Minha Vida não é facilitado para quem possui terreno próprio todo documentado?

Presidenta Dilma – Carlos, no programa Minha Casa Minha Vida já existe uma linha de crédito específica para atender famílias que são proprietárias de terrenos regularizados e que pretendem construir neles sua casa própria. Neste caso, desde que o proprietário do terreno atenda às condições estabelecidas, poderá procurar uma agência da Caixa e pleitear o financiamento. Na ocasião, os funcionários prestarão esclarecimentos quanto à documentação necessária e os procedimentos que precisam ser adotados. O financiamento é liberado em parcelas mensais, de acordo com o andamento da execução das obras. Dentro do programa Minha Casa Minha Vida, do total de 1.005.028 unidades financiadas até dezembro de 2010, foram concedidos 79.501 financiamentos para construção de imóveis diretamente às famílias que eram proprietárias de terrenos. Ou seja, aproximadamente 8% do total foi direcionado para este segmento. Cumprindo os requisitos, é simples adquirir o financiamento. Para mais informações, basta procurar uma agência da Caixa, acessar o site http://www.caixa.gov.br/ ou ligar para 0800-7260101.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A manobra da oposição para judicializar debate do salário mínimo: um retrocesso democrático

Qual o papel de uma oposição no jogo democrático? Ora, se consideramos que a democracia é o governo da maioria com respeito às minorias, podemos identificar claramente três funções cumpridas pela oposição: 1) fiscalização sistemática das ações da maioria governista; 2) proposição de alternativas que melhor se encaixem ao interesse público do que aquelas eventualmente propostas pelo governo; e 3) apontamento de falhas, erros, equívocos ou malfeitos praticados pelo grupo governista na gestão pública. Por esses papéis que desempenham, as oposições são vitais para o equilíbrio democrático, ainda que em termos representativos sejam bem menores que o campo governista, como acontece no Brasil atual.

Uma oposição democrática é aquela, neste sentido, que não envereda pelo caminho do simples denuncismo ou que faz crítica pela crítica. E isso é muito importante frisar: oposição não significa antagonismo automático a tudo aquilo que parte do governo; pelo contrário, existem muitas questões na vida democrática e republicana nas quais a oposição pode se aproximar do governo (tendo-se em vista o bem comum) e até mesmo tirar proveito político dessa convergência. O importante é que a oposição tenha a maturidade política para assumir uma postura de contraponto, formulando caminhos alternativos àqueles propostos pelo campo dominante em determinado momento político e, assim, constituindo-se numa verdadeira força política dentro de uma democracia.

Oposição tenta judicializar debate do mínimo
Por que fizemos essa introdução? Muito simples. O Brasil vive um momento de clara consolidação do arco partidário que compõe a coalizão governista, afirmando um projeto político que teve início em 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva, e agora tem sua continuidade com Dilma Rousseff. Por outro lado, os partidos de oposição – e nos restringiremos aqui à oposição pela direita (PSDB, DEM e PPS) – apequenaram-se no Legislativo, reduzindo substancialmente suas bancadas após as eleições de outubro passado. Que fique claro: redução da bancada não necessariamente significa redução da presença política no médio prazo, já que a perda de força, natural no curto prazo quando se perde assentos no Parlamento, pode ser recuperada desde que esses partidos saibam se fortalecer enquanto oposição no jogo democrático.

E o que é se fortalecer enquanto oposição? Nada mais é do que buscar uma recuperação de forças através dos instrumentos que a política oferece, tendo-se sempre em vista a construção de uma hegemonia (que no momento está com o governo). Uma oposição séria busca compensar a menor força que tem no Parlamento aproximando-se, por exemplo, de setores da sociedade civil organizada que não se sentem representados pelo atual governo. Isso é fazer uma construção pelo lado da política. Com poucos dias de início do ano legislativo, já pudemos perceber que não é esse o caminho que a oposição ao governo Dilma tem tomado. Talvez fruto de uma desorganização interna muito grande, partidos como PSDB, DEM e PPS caminham na direção de uma oposição pela oposição, substituindo práticas próprias do jogo político por tentativas de judicialização da política.

Isso ficou muito claro na semana passada, quando a Câmara dos Deputados votou o Projeto de Lei do Executivo que instituía o valor do salário mínimo para 2011 em R$ 545 e estabelecia a continuidade da regra atual do reajuste (variação do INPC do ano anterior + variação do PIB de dois anos antes) até 2015. Tendo sido derrotada no voto (361 votos favoráveis ao projeto governista frente a 120 votos contrários), a oposição desde então ensaia uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para contestar, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), um artigo do texto aprovado pelo qual os reajustes do salário mínimo até 2015 serão instituídos via decreto presidencial, sem a necessidade de passar por discussão no Legislativo. Esse movimento da oposição nada mais é do que uma tentativa descabida de judicializar uma decisão que deve ser tomada (e que foi tomada) no âmbito parlamentar.

A oposição comete, neste sentido, dois grandes equívocos: 1) na sua própria justificativa para mover uma Adin (oposição alega que definição do salário mínimo é, segundo a Constituição, matéria de lei e deve ser definida anualmente pelo Congresso); e 2) num movimento de buscar solução judicial para um assunto que deve ser debatido no campo da política. Sobre a justificativa da oposição, é preciso lembrar que de fato o salário mínimo é, constitucionalmente, matéria de lei. Entretanto, quando o Executivo submete um projeto de lei que estabelece uma fórmula matemática para os reajustes subseqüentes (até uma data-limite, no caso 2015) e, uma vez aprovado, todos os reajustes anuais do salário mínimo passarão a obedecer essa fórmula, qual o problema em se criar um reajuste automático via decreto?

Percebam que esse ponto do projeto de lei não burla a Constituição Federal, uma vez que ele próprio foi aprovado pelo Parlamento. Diferente seria se o Executivo quisesse instituir a regra do reajuste via decreto por meio de outro decreto, sem passar pela peneira do Legislativo. E não foi isso que aconteceu: quando a Câmara dos Deputados aprovou, em sua esmagadora maioria, um projeto de lei que estabelece uma fórmula de cálculo e também um reajuste automático referenciado a essa fórmula e sacramentado via decreto presidencial, o objeto da discussão (o reajuste do salário mínimo) foi tratado como matéria de lei. O que a oposição tenta fazer, neste sentido, é uma manobra para tentar criar uma celeuma anual em torno do debate do salário mínimo. Ora, se esse Parlamento aprovou uma regra matemática de reajuste para o mínimo, para que então submeter todos os anos essa matéria ao Legislativo? É só aplicar a regra e pronto!

E o que é pior: líderes da oposição, como o Senador Aécio Neves (PSDB-MG), num exercício de retórica barata, ainda acusam a Presidenta Dilma de “autoritarismo”. Ora, um governante autoritário é aquele que impõe uma medida à sociedade passando por cima do Legislativo, o que definitivamente não é o caso. Além disso, como já dito anteriormente, ao tentar judicializar o debate, a oposição contribui para um esvaziamento do papel do Congresso Nacional e, em última instância, prejudica o próprio sistema democrático, uma vez que é o Legislativo – e não o Judiciário – que representa diretamente o povo. Ao levar essa decisão, já tomada pelo Legislativo, para ser julgada pelo STF, a oposição age no sentido de tentar deslegitimar o Parlamento e, por essa razão, retrocede no campo do entendimento democrático.

Essa manobra que vem sendo usada como instrumento de “chantagem” por PSDB, DEM e PPS, para pleitear a supressão desse ponto do projeto de lei na votação no Senado, que deve ocorrer nesta semana, prejudica o equilíbrio democrático ao tentar transferir uma responsabilidade do Legislativo para o Judiciário. Se levada a cabo, a oposição, que deveria buscar se fortalecer no campo da política, irá se apequenar ainda mais, pois estará, como já dito aqui, deslegitimando a decisão das Casas que são as legítimas representantes do povo brasileiro.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Em artigo na Folha, Dilma reforça compromisso de seu governo com educação de qualidade

Em artigo publicado na Folha de São Paulo deste domingo, 20, o primeiro após sua posse, a Presidenta Dilma Rousseff destacou o protagonismo que a educação terá ao longo de seu governo, destacando-a como peça-chave para o combate à miséria e pobreza no país. Esse destaque dado à educação não chega a ser uma novidade, uma vez que mesmo antes do início oficial da campanha eleitoral, em julho do ano passado, Dilma revisitava recorrentemente esse tema, frisando que, se eleita, buscaria mecanismos para garantir educação de qualidade a todos os brasileiros. A ratificação desse compromisso de campanha, agora já como Presidenta, amplia ainda mais as expectativas de que estamos diante de um cenário muito favorável para o Brasil ao longo dos próximos anos.

Esta compreensão da Presidenta Dilma, de que o combate à miséria e à pobreza transcende a fronteira da simples elevação da renda e do consumo, é muito importante para que o Brasil se transforme de fato num país de classe média, reduzindo as desigualdades não apenas em relação à renda, mas também nas oportunidades. E, como dito claramente por Dilma, o fortalecimento da educação e a expansão da chamada “revolução tecnológica” a todos os segmentos sociais são fatores imprescindíveis não só para reduzir gradualmente o abismo social ainda existente no Brasil, como também para fortalecer a nossa democracia. Afinal de contas, a educação é peça-chave no processo de construção da cidadania e, como tal, é uma das principais molas propulsoras do aperfeiçoamento democrático.

Dilma sabe bem disso. Tanto sabe que escolheu a educação para ser o tema do seu primeiro pronunciamento na TV como Presidenta da República, no dia 10 de fevereiro. Na ocasião, a Presidenta deixou muito claro que não poupará esforços para fortalecer a educação no Brasil, desde a creche até o ensino superior. E esse fortalecimento, segundo a Presidenta, não passa apenas pela expansão de escolas e vagas, mas principalmente pela capacitação de profissionais e investimento no principal agente da educação, que é o professor. “É hora de investir ainda mais na formação e remuneração de professores”, sinalizou Dilma em seu primeiro pronunciamento na TV, no qual também aproveitou para anunciar a criação do Pronatec, uma espécie de ProUni do ensino técnico.

As declarações de Dilma não deixam dúvidas de que a educação é, de fato, uma das prioridades de seu governo, ao lado da erradicação da miséria no país. E não poderia ser diferente, uma vez que educação e ampliação da renda são as pernas do desenvolvimento social, de forma que é totalmente ineficaz pensarmos uma sem a outra. Se por um lado, a geração de empregos e a política de valorização real do salário mínimo criam condições para que uma parcela cada vez maior de brasileiros deixem de depender de programas de transferência de renda (que são importantes no curto prazo, como paliativos), esse incremento na renda do brasileiro só se traduzirá em desenvolvimento social se for acompanhado por uma educação de qualidade, que contemple não apenas o ensino profissional, mas sobretudo a formação de cidadãos conscientes de seu papel na sociedade.

Por essa razão, o Boteko reitera aqui a enorme satisfação em ver a primeira mulher Presidenta do Brasil elencando como duas grandes prioridades do seu governo a educação de qualidade e o combate à miséria. O Brasil caminha a passos largos para ser não somente a quinta economia mundial nesta década, mas principalmente para ser referência mundial de desenvolvimento social. Abaixo, a íntegra do artigo da Presidenta Dilma Rousseff na Folha de São Paulo deste domingo, 20:

País do conhecimento, potência ambiental
“Há 90 anos, o Brasil era um país oligárquico, em que a questão social não tinha qualquer relevância aos olhos do poder público, que a tratava como questão de polícia. O país vivia à sombra da herança histórica da escravidão, do preconceito contra a mulher e da exclusão social, o que limitou, por muitas décadas, seu pleno desenvolvimento. Mesmo quando os grandes planos de desenvolvimento foram desenhados, a questão social continuou como apêndice e a educação não conquistou lugar estratégico.

Avançamos apenas nas décadas recentes, quando a sociedade decidiu firmar o social como prioridade. Contudo, o Brasil ainda é um país contraditório. Persistem graves disparidades regionais e de renda. Setores pouco desenvolvidos coexistem com atividades econômicas caracterizadas por enorme sofisticação tecnológica. Mas os ganhos econômicos e sociais dos últimos anos estão permitindo uma renovada confiança no futuro.

Enorme janela de oportunidade se abre para o Brasil. Já não parece uma meta tão distante tornar-se um país economicamente rico e socialmente justo. Mas existem ainda gigantescos desafios pela frente. E o principal, na sociedade moderna, é o desafio da educação de qualidade, da democratização do conhecimento e do desenvolvimento com respeito ao meio ambiente. Ao longo do século 21, todas as formas de distribuição do conhecimento serão ainda mais complexas e rápidas do que hoje.

Como a tecnologia irá modificar o espaço físico das escolas? Quais serão as ferramentas à disposição dos estudantes? Como será a relação professor-aluno? São questões sem respostas claras. Tenho certeza, no entanto, de que a figura-chave será a do educador, o formador do cidadão da era do conhecimento. Priorizar a educação implica consolidar valores universais de democracia, de liberdade e de tolerância, garantindo oportunidade para todos. Trata-se de uma construção social, de um pacto pelo futuro, em que o conhecimento é e será o fator decisivo.

Existe uma relação direta entre a capacidade de uma sociedade processar informações complexas e sua capacidade de produzir inovação e gerar riqueza, qualificando sua relação com as demais nações. No presente e no futuro, a geração de riqueza não poderá ser pautada pela visão de curto prazo e pelo consumo desenfreado dos recursos naturais. O uso inteligente da água e das terras agriculturáveis, o respeito ao meio ambiente e o investimento em fontes de energia renováveis devem ser condições intrínsecas do nosso crescimento econômico. O desenvolvimento sustentável será um diferencial na relação do Brasil com o mundo.

Noventa anos atrás, erramos como governantes e falhamos como nação. Estamos fazendo as escolhas certas: o Brasil combina a redução efetiva das desigualdades sociais com sua inserção como uma potência ambiental, econômica e cultural. Um país capaz de escolher seu rumo e de construir seu futuro com o esforço e o talento de todos os seus cidadãos”.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O mapa da fidelidade: base aliada vota em peso com governo e aprova mínimo de R$ 545

Após intensos debates nos últimos dias, o governo finalmente conseguiu emplacar o valor de R$ 545 para o salário mínimo, após uma estréia vitoriosa na Câmara dos Deputados em votação ocorrida na noite de quarta-feira, 16. Embora a base governista ocupe a imensa maioria da Câmara, com 369 cadeiras, alguns deputados mostraram-se, ao longo dos últimos dias, reticentes em se alinhar ao texto enviado pelo Palácio do Planalto, que estabelece o valor de R$ 545 para o salário mínimo a partir de março deste ano e mantém a regra atual de reajuste (variação do INPC do ano anterior + variação do PIB de dois anos antes) até 2015.

Após uma votação simbólica do texto básico do projeto, o plenário passou para votação nominal dos destaques apresentados pela oposição. O primeiro destaque foi apresentado pelo PSDB, propondo emenda que elevasse o valor do salário mínimo este ano para R$ 600. Essa emenda foi rejeitada por 376 votos contra 106 favoráveis. Em seguida, passou-se à votação do segundo destaque, de autoria do DEM, que propunha elevação do salário mínimo para R$ 560. É com base no resultado do painel da Câmara na votação desse destaque que avaliaremos aqui o índice de fidelidade dos partidos aliados ao Palácio do Planalto. Isso porque uma parte da base governista “pendia” a votar favoravelmente a esse destaque, contrapondo-se ao valor defendido pelo governo.

Entretanto, a base governista votou coesa no projeto enviado pelo Palácio do Planalto, sendo que o índice de infidelidade foi de apenas 8%. Para se ter uma idéia, a emenda que elevava o mínimo para R$ 560 foi derrubada com 361 votos contrários, sendo que os votos favoráveis foram apenas 120. Dentre os 369 deputados da base governista, uma expressiva parcela de 340 votou contra a emenda de R$ 560, de forma que houve apenas 29 “infiéis”. Como já era esperado, a maior parte desses infiéis veio do PDT, cuja liderança na Câmara não deu orientação de voto para a bancada, deixando os deputados livres para votarem como quisessem. Assim, dos 27 deputados que compõem a legenda, 16 votaram contra a emenda de R$ 560 e 9 votaram a favor, contrariando o governo.

É importante frisar, contudo, que houve infidelidade na própria bancada petista. Dos 85 deputados do PT, nada menos que 7 não compareceram à sessão. Dentre os 78 que estavam presentes, 75 rejeitaram a emenda de R$ 560 e houve dois petistas (Eudes Xavier, do Ceará, e Francisco Praciano, do Amazonas) que votaram a favor da emenda do DEM e contra o valor proposto pelo governo. Vale lembrar que o petista presente e não contabilizado no painel foi o deputado Marco Maia, que presidia a sessão e que, de acordo com o artigo 17 do Regimento Interno da Casa, não poderia votar nominalmente. Dentre os 10 partidos da base governista, 4 votaram na sua totalidade com o governo. Foram eles: o PMDB (77 votos), o PSC (17 votos), o PCdoB (15 votos) e o PRB (12 votos).

Os partidos minoritários, que são aqueles cujas bancadas são inferiores a 10 deputados, votaram em sua ampla maioria com o governo, como pode ser visualizado na tabela abaixo. Para se ter uma idéia, dos 17 deputados que integram o bloco minoritário, 15 votaram contra a emenda que propunha R$ 560 para o salário mínimo este ano. Na oposição, apenas dois partidos votaram integralmente a favor dos R$ 560: o PPS (com 11 deputados) e o Psol (cujos 3 deputados também votaram em favor dos R$ 560). No caso do DEM, dos 46 deputados que compõem a bancada, 5 faltaram e 2 outros votaram contra a emenda dos R$ 560. Dentre os 52 deputados tucanos, 1 faltou e dois votaram também contra a emenda dos R$ 560. Já no caso do PV, dos seus 14 deputados, 10 se abstiveram, 2 votaram a favor da emenda de R$ 560 e outros 2 votaram contra. As tabelas abaixo mostram detalhadamente o mapa da votação:


Partidos governistas:

PartidoNúmero de deputadosFavoráveis ao governo% de Fidelidade
PT

85

75

88%

PMDB

77

77

100%

PP

43

40

93%

PR

40

37

92,5%

PSB

31

30

96,8%

PDT

27

16

59,2%

PTB

22

21

95,5%

PSC

17

17

100%

PCdoB

15

15

100%

PRB

12

12

100%

TOTAL

369

340

92%



Minoritários (partidos com menos de 10 assentos na Câmara):

PartidoNúmero de deputadosFavoráveis ao governo% de Fidelidade

PMN

5

4

80%

PTdoB

4

4

100%

PHS

2

1

50%

PRP

2

2

100%

PRTB

2

2

100%

PSL

1

1

100%

PTC

1

1

100%

TOTAL

17

15

88%

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O primeiro teste de fidelidade da base governista: o que acontecerá com os "infiéis"?

A poucas horas da votação do novo valor do salário mínimo no plenário da Câmara dos Deputados, o Palácio do Planalto caminha para sua estréia vitoriosa na relação com a Casa, já que, ao que tudo indica, a proposta de R$ 545 para o novo mínimo deverá vencer com folga. Embora os debates acerca desse novo patamar do salário mínimo tenham sido marcados por certa tensão, especialmente pelo fato de muitos aliados não terem se posicionado automaticamente em defesa do valor proposto pelo governo, o Planalto conseguiu, nos últimos dias, o comprometimento das lideranças dos partidos da base governista com a votação do valor proposto, que obedece à regra de reajuste pactuada entre governo e centrais sindicais há quatro anos.

Assim, as perspectivas mais otimistas apontam para cerca de 360 votos em favor do valor proposto pelo governo, o que corresponde a mais de 70% da Câmara dos Deputados. É preciso atentar, contudo, que talvez os votos favoráveis não alcancem essa perspectiva otimista, mas ainda assim, o governo deve vencer com vantagem de mais de 100 votos na aprovação dos R$ 545. Diante desse quadro favorável ao governo, o que se coloca em discussão aqui é qual deverá ser a relação daqui para frente com os “aliados” dissidentes? Isso porque embora todos os partidos da base governista, com exceção do PDT, tenham recomendado a suas bancadas o voto favorável ao projeto de R$ 545, parece pouco provável que a aprovação dentre os partidos aliados seja unânime.

PDT deixa bancada livre para votação do mínimo
O próprio PMDB, principal aliado do governo, admite que, embora a ampla maioria da bancada deva votar a favor da peça proposta pelo governo, pode haver um ou outro deputado dissidente que vote no valor de R$ 560, valor costurado pelas centrais e pela oposição. Entretanto, não é o PMDB, o PR, o PCdoB, o PSB, o PRB e os demais aliados que preocupam o governo, mas sim o PDT. O partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, foi o único que não orientou à sua bancada o voto favorável ao projeto do governo, deixando os deputados livres para votarem como bem entendessem nessa importante matéria que está em tramitação na Câmara dos Deputados. Isso porque uma ala do PDT, alinhada a Paulo Pereira, da Força Sindical, faz pressão pelo mínimo de R$ 560, abaixo do valor pleiteado inicialmente (R$ 580), mas acima do valor proposto pelo governo.

Mesmo com o voto em aberto do PDT, o seu líder assegura que, dos 27 deputados federais que compõem a bancada do partido, pelo menos 15 votarão a favor do projeto governista. Ainda que essa conta, que foi sustentada pelo ministro Carlos Lupi, esteja correta, cabe levantarmos aqui a seguinte indagação: porque o PDT, que é tão governo quanto os demais partidos da base aliada, pode se eximir de suas responsabilidades numa votação tão importante? Ora, se todos os partidos da base governista assumiram suas responsabilidades e orientaram suas bancadas a votarem a favor do mínimo de R$ 545, dividindo entre si também o ônus político dessa posição, o PDT também tinha mais que a obrigação de buscar a coesão interna e orientar seus deputados a votarem com o governo.

É preciso lembrar ao PDT que este é um governo de coalizão: não é só governo do PT, do PMDB e dos outros aliados. Todos os partidos que compõem o governo, como o PDT, têm a sua parcela de responsabilidade e é preciso assumir essa responsabilidade também nas votações mais polêmicas. É muito fácil querer ser governo apenas na hora de dividir os bônus, mas no momento em que o ônus é apresentado, querer pular fora do barco. Por essa razão, este blog considera inadmissível essa postura do PDT de não ter orientado o voto de sua bancada, independentemente se logo mais a maioria do partido (como sinaliza o líder da bancada) vote favorável ao projeto defendido pelo governo. Mesmo que 15 dos 27 pedetistas votem nos R$ 545, o partido já demonstrou que hesita quando é chamado à responsabilidade de ser governo.

Agora, e se o líder do PDT tiver errado nas contas e a ampla maioria do partido votar contra o projeto governista? Será uma desmoralização completa do ministro Carlos Lupi, que integra o governo, mas que não consegue manter a coesão dentro do seu próprio partido! E o pretexto de que “o PDT sempre deixou claro que não poderia votar contra os dogmas da legenda”, conforme declarou o presidente interino do partido, Manoel Dias, é, sinceramente, “conversa para boi dormir”. Afinal de contas, todos os partidos que compõem o governo gostariam muito de estarem votando agora um valor maior para o salário mínimo, mas esses mesmos partidos também têm noção da responsabilidade que o governo tem no sentido de controlar as contas públicas e impedir um aumento ainda maior da inflação.

Sem contar o fato de que o governo não está propondo um centavo abaixo do que foi acordado com as centrais sindicais em 2007: o valor de R$ 545 é justamente o resultado da regra de reajuste do mínimo pela inflação do ano anterior (2010) acrescida da variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos atrás (2009). Assim sendo, os aliados fiéis têm que defender o valor de R$ 545, deixando muito claro que o governo não está descumprindo acordo nenhum: quem está querendo tirar proveito da situação para descumprir uma regra firmada anteriormente são algumas centrais sindicais. É muito importante que os “aliados” que se mostrarem infiéis na votação de logo mais sejam cobrados pelo Palácio do Planalto, que deve chamá-los à responsabilidade de assumirem o seu papel no governo.

Não dá para que alguns partidos da base governista, como o PDT, ajam à revelia de suas responsabilidades enquanto governo. Quando se é oposição irresponsável, é muito mais fácil propor projetos mirabolantes e votar em valores que não estão dentro do que o orçamento permite; cabe, portanto, a quem é governo assumir a responsabilidade, especialmente em matérias como o salário mínimo, que têm profundo impacto em toda a economia. É inadmissível, portanto, que alguns aliados se comportem como se não tivessem responsabilidade nesse governo!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O equívoco de certos setores da esquerda sobre o que é austeridade na política econômica

Se existe uma palavra que provoca calafrios em certos setores da esquerda, essa palavra é “austeridade”. Muitos companheiros da esquerda, movidos por uma compreensão equivocada do termo ou até mesmo por uma interpretação maliciosa, associam imediatamente “austeridade” a um vocábulo da cartilha neoliberal, de forma que basta o governo anunciar que seguirá adotando medidas austeras para que esses setores comecem a acusá-lo de rompimento com os interesses da classe trabalhadora. Após a recente elevação da taxa básica de juro pelo Copom (Comitê de Política Monetária), o corte de gastos anunciados pela equipe econômica e a discussão em torno do salário mínimo, essa confusão voltou a pautar os debates dentre os diversos partidos de esquerda.

De um lado estão esses setores que, equivocadamente, entendem “austeridade” como a simples elevação dos juros e o corte de gastos, associando-a a uma política econômica neoliberal, ao passo que do outro estão setores da esquerda que entendem a importância do governo implementar uma política econômica austera. Do ponto de vista da economia, a austeridade é o comportamento por parte do governo que permite um crescimento sustentável ao longo do tempo, através da manutenção da estabilidade dos fundamentos macroeconômicos. Podemos dizer que a austeridade de um governo se baseia em dois princípios: 1) a associação correta entre variáveis-instrumento e variáveis-alvo para solucionar possíveis desequilíbrios macroeconômicos; e 2) a manipulação adequada dessas variáveis levando-se em conta os aspectos conjunturais.

Neste sentido, é muito simplismo dizer que uma política econômica austera é aquela que eleva os juros e corta os gastos públicos, “penalizando a classe trabalhadora e enchendo os bolsos dos banqueiros” como gostam de afirmar alguns companheiros da esquerda. É preciso esclarecer, em primeiro lugar, que se o governo não adota políticas austeras, com vista à sustentabilidade do crescimento no longo prazo, ele estará inevitavelmente prejudicando a economia, sobretudo os trabalhadores e as pessoas de baixa renda, que são os primeiros a sentirem os efeitos de um revés macroeconômico. Quem formula a política econômica, o policy maker, não pode levar em conta apenas os aspectos de curto prazo: ele deve ter em mente que toda decisão tomada hoje tem reflexos posteriores, criando ciclos que podem positivos ou negativos para toda economia.

A austeridade no campo da política monetária
Exatamente por isso estabelecemos como condição da austeridade a manipulação adequada das variáveis-instrumento levando-se em conta a conjuntura econômica em dado momento. Tomemos como exemplo a política econômica, cuja variável-instrumento é a taxa de juro e a variável-alvo é a inflação. Dizemos que a política monetária é austera à medida que o governo faz as alterações na taxa de juro de acordo com o que o cenário conjuntural permite. No caso recente da economia brasileira, por exemplo, tivemos um período, entre 2005 e 2009, sem grandes pressões inflacionárias, o que permitiu à autoridade monetária reduzir gradualmente a taxa Selic. Houve austeridade aí, pois o Copom, levando em conta o cenário macro, manipulou a taxa de juro em sintonia com o que o ambiente econômico permitia.

Por outro lado, a partir de 2010, a pressão dos preços dos alimentos e o excesso de liquidez no mercado (devido à forte expansão do crédito) fizeram com que surgisse uma bolha inflacionária, que foi crescendo sistematicamente ao longo de todo o ano passado. Isso significa que o Banco Central errou anteriormente na condução da política econômica? Não. Isso reflete apenas um movimento comum na economia dada aquela conjuntura. Entretanto, embora a pressão inflacionária tivesse sido causada inicialmente por problemas ligados à oferta de alimentos e ao excesso de crédito, logo esse aumento dos preços começou a contaminar outros setores da economia, que não tinham aparentemente nada a ver com esses fatores iniciais. Essa contaminação de outros setores se deu via inércia inflacionária.

Ora, tendo isso em vista, é necessário perceber que houve uma mudança de conjuntura e que o repique inflacionário, que por enquanto é apenas uma bolha, poderia ser agravado se a autoridade monetária não fosse austera, isto é, se não manipulasse a taxa de juro da maneira adequada. Por isso, para garantir a estabilidade de longo prazo, fez-se necessário o aumento da taxa Selic em janeiro desse ano, onde novamente o Copom mostrou sua austeridade na condução da política econômica. Percebam que austeridade, em termos de política monetária, não significa apenas elevar a taxa de juros, como alguns dizem, mas sim reduzi-la quando a conjuntura permitir e aumentá-la quando a conjuntura exigir. Suponha que a austeridade monetária tivesse sido deixada de lado nessa última reunião do Copom: certamente a inflação teria caminho livre para galgar patamares mais elevados nos próximos meses.

Não é preciso diploma de economia para saber que, num cenário de inflação elevada, quem mais é penalizado é o trabalhador, que vê dia-a-dia seu salário perder poder de compra. Ou seja, é melhor adotar um remédio amargo (elevação do juro) agora, quando a febre (inflação) ainda está no começo, do que deixá-la correr solta e mais tarde debilitar por completo o paciente. Essa leitura de que o Banco Central elevou o juro para “agradar a banqueiros” é totalmente equivocada e beira o pueril, uma vez que uma economia instável prejudica não somente os banqueiros, como todo sistema produtivo e principalmente a classe trabalhadora e mais pobre. O mesmo raciocínio se aplica a discussão do corte nos gastos públicos e à rejeição de propostas do salário mínimo superiores a R$ 545. Num ambiente em que há risco inflacionário, a elevação dos gastos públicos pode piorar o quadro de duas formas: 1) ou reduzindo o superávit primário (diferença entre receitas e gastos públicos); 2) ou ainda incorrendo em déficit primário (quando os gastos crescem tanto, que passam a ser maiores que as receitas).

Austeridade fiscal para assegurar estabilidade de longo prazo
O leitor que viveu nos anos 80 certamente deve se lembrar do quão pernicioso foi para a economia brasileira o déficit fiscal do governo naquela época. As altas taxas de inflação, diga-se de passagem, tinham muito a ver com esse déficit crônico que na ocasião o governo brasileiro tinha, já que o financiamento desse déficit era feito mediante expansão da base monetária. Ou seja: o governo não controlava seus gastos, gastava mal e, no final de tudo, quem pagava a conta era o trabalhador, o cidadão, que via seu salário ser achatado dia-a-dia, perdendo poder de compra. É por isso que tanto se fala em austeridade em relação às contas públicas: fazer uma política fiscal austera não significa cortar gastos e investimentos sociais, como muitos adoram dizer, mas, assim como no caso da política monetária, elevar os gastos quando a conjuntura permitir e cortá-los quando o cenário macro exigir.

Tomando como exemplo o corte de R$ 50 bilhões nos gastos públicos anunciado na semana passada: esse corte, é importante que se repita, não atinge investimentos em programas sociais nem em obras de infra-estrutura do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), mas afeta sim os gastos de custeio, que são gastos com pessoal, administração interna etc. Da mesma maneira que um chefe de família tem que “apertar os cintos” quando passa por alguma dificuldade, o governo também tem que cortar gastos diante de certos cenários, sob o risco de, se persistir nesses gastos, ir reduzindo o superávit primário até transformá-lo em déficit. E como dito acima, o passo seguinte ao déficit fiscal é a aceleração inflacionária e tudo que vem junto com ela no pacote, como o arrocho salarial, por exemplo. Notem que ao ser austero em relação às contas públicas, o governo não está privilegiando “os banqueiros” como muitos esquerdistas dizem, mas principalmente o trabalhador.

Por essa razão, é preciso que esses setores da esquerda que se equivocam em relação ao que é de fato austeridade aceitem debater esse tema de uma forma honesta e direta, sem argumentos pueris. Antes de criticar o partido que está no governo, é preciso que esses setores pensem com a responsabilidade que tem que pensar o governo e que entendam que por mais que todos queiramos um salário mínimo como aquele calculado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos), isso não é possível no curto prazo. Pode até ser possível no longo prazo, só que para isso os fundamentos macroeconômicos devem estar sólidos e maduros e essa estabilidade passa, necessariamente, por uma política econômica austera, tanto no campo monetário quanto no campo fiscal.

Conversa com a Presidenta: mais investimentos no Nordeste e também na educação superior

Na coluna semanal “Conversa com a Presidenta” desta terça-feira, 15, a Presidenta Dilma Rousseff (PT) trata da questão dos investimentos no Nordeste, do meio-ambiente e também da educação. Dilma reforça, em resposta à questão levantada por um cidadão, que continuará ampliando os investimentos em todas as regiões brasileiras, em especial no Nordeste, que deverá receber boa parte dos recursos do PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento) e do Minha Casa, Minha Vida. Indagada sobre o que pretende fazer para melhorar o ensino superior no país, a Presidenta destaca que pretende fortalecer as universidades federais, com a abertura de novos campi, vagas e cursos. Confira abaixo a íntegra da coluna dessa semana:

Romero de A. Cavalcanti, 30 anos, produtor cultural de Arcoverde (PE) – A senhora visitou, junto com o ex-presidente Lula, grande defensor do povo nordestino, as obras da transposição do São Francisco. A senhora pretende aumentar os investimentos no Nordeste em sua gestão?

Presidenta Dilma – Planejamos aumentar o volume de investimentos em todo o país, principalmente em obras de infraestrutura energética, logística e social-urbana. As obras iniciadas no governo Lula estão distribuídas por todo o território nacional, com prioridade para os estados que nunca receberam a atenção devida, o que inclui os da sua região. Começamos a trabalhar por um país mais equilibrado e justo socialmente. Eu participei da formulação e tenho, portanto, compromisso com essas diretrizes. Os empreendimentos iniciados no governo passado terão seguimento, incluindo os megaprojetos no Nordeste, como são os casos da Integração do São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, também chamada de Transposição do São Francisco, a Transnordestina, as refinarias Premium I (MA) e Abreu e Lima (PE). Além disso, terão início as obras da Refinaria Premium II (CE). Para o PAC 2, entre os critérios de seleção de projetos está a questão do impulso ao desenvolvimento regional, o que contempla os estados do Nordeste. Os investimentos serão maiores em todos os setores. Como exemplo, cito o da habitação – o Minha Casa Minha Vida-2 vai financiar a construção de mais 2 milhões de moradias, com subsídios maiores para as menores faixas de renda. Boa parte será destinada aos estados da sua região.

Ivan T. Macedo, 20 anos, estudante de Arapongas (PR) – Já vi muitas reportagens mostrando o absurdo dos milhões de sacolas plásticas, que não são absorvidas e ficam poluindo durante anos e anos. O governo já pensou em tomar uma providência a respeito?

Presidenta Dilma – Ivan, a sua preocupação é também nossa e por isso estamos agindo. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) lançou, em 2009, uma grande campanha de conscientização chamada “Saco é um Saco”, utilizando todos os tipos de mídia, como filmes para TV e cinema, internet, rádio, etc. Estamos mostrando o desastre que representa o consumo excessivo e o descarte incorreto de sacolas plásticas. O convencimento é mais adequado e produtivo do que a proibição. Os resultados estão aí: nos últimos 18 meses, evitamos o consumo de 5 bilhões de sacolas plásticas. Considerando que em 2009 foram produzidos 15 bilhões de sacolas, a redução foi significativa. A campanha envolve governos estaduais e municipais, supermercados, lojas e a própria indústria de plástico. Há supermercados, por exemplo, que estão dando descontos para clientes que usam seus próprios recipientes. O MMA distribuiu 200 mil sacolas retornáveis. Os municípios de Xanxerê (SC) e Jundiaí (SP) baniram as sacolas plásticas voluntariamente. O movimento tende a crescer cada vez mais. Pacto firmado pelo MMA com o setor de supermercados, abrangendo cerca de 76 mil estabelecimentos, prevê a redução de 30% das sacolas até 2013 e de 40% até 2014. Quero aproveitar para conclamar a população a aderir a esse movimento, que é fundamental para a nossa qualidade de vida.

Meire Alvez, 28 anos, autônoma de Cuiabá (MT) – Na questão da Educação, a senhora vai privatizar ou melhorar o acesso às universidades públicas?

Presidenta Dilma – Meire, em vez de privatizar, nós vamos fortalecer as instituições federais de ensino superior dos pontos de vista físico, acadêmico e pedagógico. As universidades e institutos de educação, ciência e tecnologia terão mais extensões universitárias (campi), vagas e cursos, objetivando ampliar as oportunidades de acesso à educação superior para os nossos jovens. Daremos continuidade às iniciativas do governo do ex-presidente Lula, que criou 14 novas universidades e 126 novas extensões universitárias. Vamos continuar expandindo o ProUni, que desde a sua criação, em 2004, já concedeu bolsas de estudos para 748 mil jovens – com renda familiar por pessoa de até 3 salários mínimos – cursarem faculdades particulares. Para ampliar o acesso às universidades, fortaleceremos também o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), programa de empréstimos a estudantes de instituições privadas. A taxa de juros é de apenas 3,4% ao ano e não há a exigência de fiador. O débito pode ser liquidado em até 15 anos e o formado tem até 18 meses para iniciar as amortizações.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

E continua a saga da velha imprensa para tentar azedar a relação de Dilma com PMDB

Não é de hoje que a velha imprensa vem promovendo investidas sucessivas para tentar desestabilizar a relação da Presidenta Dilma Rousseff com o PMDB, principal aliado do governo e, por isso mesmo, imprescindível à governabilidade. Desde o governo de transição, boatos pipocavam nos jornalões dando conta de atritos entre o PMDB e o PT, por conta de cargos no primeiro escalão. Na verdade, a imprensa tratava de forma exponencializada uma disputa natural entre os dois maiores partidos governistas, procurando transformar essa disputa em conflito. Embora esses boatos tenham criado certo estranhamento entre PT e PMDB, Dilma conseguiu fechar as nomeações dos Ministérios sem maiores problemas com os dois partidos.

Bastou Dilma subir a rampa do Planalto e dar posse aos novos Ministros para que essa mesma imprensa passasse a difundir boatos sobre novos atritos entre PT e PMDB, dessa vez pelos cargos de segundo escalão. Os jornalões exploravam supostos atritos em Furnas, na Funasa, na Eletrobrás e em outras estatais. Tudo isso, naturalmente, com o propósito de azedar a relação entre Dilma, PT e o PMDB, já que esta relação é a principal viga de sustentação da governabilidade. Ou seja, se a imprensa obtivesse êxito no seu plano de intrigar Dilma, PT e o PMDB, ficaria muito mais fácil conseguir o que tanto deseja: desestabilizar o governo Dilma, transformando-o num fiasco.

Velha imprensa quer jogar PMDB contra Dilma
Agora, eis que a imprensa vem com um boato mais surreal ainda: de acordo com o Portal IG, “a presidenta Dilma Rousseff pediu para o prefeito Gilberto Kassab (DEM) se filiar ao PSB e não ao PMDB, como estava previsto em princípio”, pois, segundo a reportagem, “o Palácio do Planalto não quer aumentar ainda mais a musculatura do PMDB”. É preciso dizer de antemão que o boato reproduzido pelo IG nesta segunda-feira, 14, não é novo: no dia 4 deste mês, uma reportagem da Folha de São Paulo sugeria a mesma coisa. Segundo aquela matéria, “com o aval da presidente Dilma Rousseff, o PSB voltou a conversar com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), sobre sua filiação ao partido”, pelo que já se pode notar que existe um interesse muito grande da imprensa em dar credibilidade a esse rumor descabido.

Descabido porque, em primeiro lugar, tanto a matéria da Folha quanto do IG partem do pressuposto de que a movimentação de Kassab se daria no contexto de uma aproximação com o PT paulista com vista às eleições de 2012 e 2014. Essa tese carece de fundamentos e já foi amplamente negada pelo próprio Diretório Municipal do PT em São Paulo. De acordo com uma Resolução Política aprovada pela Executiva Municipal do PT paulistano na semana passada, “não existe nenhuma ‘negociação’ com o atual prefeito, pois temos claro que existem concepções e projetos totalmente distintos para a cidade”. Além disso, como já expusemos nesse blog, até mesmo do ponto de vista pragmático não existem justificativas para uma aproximação entre o PT paulistano e Kassab. Para entender melhor esta questão, clique aqui.

Ora, se não existe uma movimentação do PT paulista nem do PT paulistano para se aproximar de Kassab, alguns poderiam cogitar, ainda, que esse movimento poderia estar sendo feito pelo PT nacional, como forma de atrair para a base governista o prefeito de São Paulo e, com isso, enfraquecer ainda mais a oposição em um dos seus principais redutos. É uma hipótese até que plausível. O que não é pertinente, contudo, seria uma intromissão direta do PT no destino de Kassab, especialmente por parte da Presidenta Dilma. O que queremos dizer aqui é que se Dilma atuasse da forma com que esses jornalões dizem, ela estaria dando um tremendo tiro no pé, pois estaria colocando em risco a relação com seu principal aliado.

Se nem o PT correria o risco de fazer uma manobra dessas, sabendo das conseqüências que isso poderia ter no plano nacional, muito menos a Presidenta Dilma. O partido para o qual Kassab irá migrar, se é que migrará de fato, é uma decisão do prefeito, cuja negociação deve ser feita somente entre ele e os partidos envolvidos na disputa, a saber o PMDB e o PSB. Não é uma decisão que passa nem pelo PT muito menos pelo Palácio do Planalto. Quem acredita que a Presidenta tem atuado nos bastidores nessa questão só pode ser ingênuo ou acha que Dilma é a ingênua da história. Esse boato nada mais é do que uma nova tentativa de colocar o PMDB contra Dilma e atrapalhar o andamento do governo. Isso é tudo que a velha imprensa quer!

Afinal de contas, basta uma parte do PMDB rachar com Dilma para afetar toda relação de forças no Congresso Nacional, atrapalhando, assim, todo governo. É muito óbvio que, sabendo da grande capacidade e força política que Dilma reúne, a imprensa adote a tática de tentar isolá-la. Primeiro tentam distanciar Dilma de Lula, vendendo a idéia de que a Presidenta tem feito um governo totalmente distinto do seu antecessor. Para isso, os jornalões chegam ao ponto de tecer os mais variados elogios a Dilma (não que ela não mereça), mas sempre num contexto depreciativo a Lula. E, agora, a investida se dá também contra a relação do PMDB com o PT e Dilma. Percebam que é um ardil muito bem pensado da grande imprensa, pois afeta exatamente os dois grandes pilares da força política de Dilma: sua relação com Lula e com o PMDB.

Caso consiga afetar esses dois pilares da governabilidade, o terceiro pilar será automaticamente afetado, que é justamente a relação construída entre Dilma e os movimentos sociais. O movimento da grande imprensa é, neste sentido, muito claro: isolar Dilma, afastando-a de Lula e provocando um racha interno na sua base, significa criar barreiras reais para que o seu governo seja bom. O lema da grande imprensa aqui é o “quanto pior, melhor”, pois se Dilma não consegue fazer um bom governo, a oposição vem com força total em 2014, que é exatamente o desejo da velha mídia, como todos sabem. Por incrível que pareça, um movimento tão óbvio da velha imprensa não é enxergado por muitos, que preferem de fato acreditar num boato totalmente desprovido de fundamentos.

Confira os destaques da agenda da Câmara dos Deputados na semana de 14 a 18/02

A Câmara dos Deputados terá uma agenda bastante movimentada essa semana, com grande destaque para a votação do Projeto de Lei do Executivo que estipula o valor de R$ 545 para o salário mínimo. Essa pauta tem despertado debates apaixonados nos últimos dias entre integrantes do governo, partidos aliados e centrais sindicais. Enquanto o governo concentra esforços para aprovação dos R$ 545, as centrais sindicais pleiteam o valor de R$ 580, que corresponde à correção monetária pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor - Amplo) mais um ganho real representado pelo variação do PIB (Produto Interno Bruto), ambos referentes a 2010.

Pela regra atual, e que o governo utiliza para o cálculo dos R$ 545, o fator de ganho real considerado é a variação do PIB de 2009. Como naquele ano o PIB apresentou decréscimo de 0,6%, o valor de R$ 545 corresponde, basicamente, à reposição de perdas inflacionárias, não representando, contudo, aumento do poder de compra do salário mínimo. Aproveitando essa queda de braço entre governo e centrais, a oposição, capitaneada pelo PSDB, defende o reajuste do mínimo para R$ 600, em linha com proposta de campanha de José Serra no ano passado. Especula-se que dissidentes da base aliada na Câmara podem articular uma emenda que eleve o salário mínimo para R$ 560, tentando achar um meio-termo entre o valor negociado pelas centrais e o apresentado pelo governo.

Entretanto, esse valor de R$ 560 tende a comprometer as contas públicas, não somente pelo impacto sobre o déficit da Previdência Social (que tem grande parte dos benefícios atrelados ao valor do mínimo), mas também pelo rombo que esse valor poderia causar nos cofres das Prefeituras. Para entender o porquê o salário mínimo não pode assumir um valor acima de R$ 545, clique aqui. As centrais estão convocando protestos ao longo de toda essa semana como forma de pressionar os deputados a elevarem o valor do mínimo, enquanto o governo também pressiona a base aliada para a manutenção dos R$ 545, em conformidade com a regra acordada em 2007 entre o Planalto e as próprias centrais sindicais. Assim, a semana promete ser bem intensa no Legislativo. Confira abaixo a agenda da Câmara dos Deputados para essa semana:

TERÇA-FEIRA (15):

15 horas
Comissão geral

Discussão sobre o projeto de lei, do Executivo, que estipula o valor do salário mínimo e estabelece diretrizes para a sua política de valorização entre 2012 e 2015.
Foram convidados, entre outros, o ministro da Fazenda, Guido Mantega; o presidente da CUT, Artur Henrique; e o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva.
Plenário Ulysses Guimarães

19 horas
Votações em Plenário

Os deputados vão analisar, em sessão extraordinária, emendas do Senado ao texto da Câmara para a MP 501/10. A MP permite a criação de um fundo para garantir o pagamento de empréstimos no caso de inadimplência dos alunos beneficiados pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).
Plenário Ulysses Guimarães

QUARTA-FEIRA (16):

8h30
Frente Parlamentar Ambientalista
Relançamento da frente.
Foram convidados a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, parlamentares e representantes da sociedade civil comprometidos com a proteção do ambiente e com o desenvolvimento sustentável.
Restaurante no 10º andar do Anexo 4

11 horas
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e Câmara dos Deputados
Abertura da exposição "Não tens epitáfio, pois és bandeira", sobre o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971 durante o regime militar; e lançamento do livro "Segredo de Estado - o desaparecimento de Rubens Paiva", do jornalista e escritor Jason Tércio.
Hall da Taquigrafia, no Anexo 2

16 horas
Votações em Plenário

O Projeto de Lei 382/11, do Executivo, que fixa o salário mínimo em R$ 545, será o destaque da pauta. O texto também estabelece diretrizes para a política de valorização do mínimo entre 2012 e 2015. (Veja a pauta)
Plenário Ulysses Guimarães

QUINTA-FEIRA (17):

16 horas
Votações em Plenário
Propostas remanescentes da sessão anterior.
Plenário Ulysses Guimarães

Fonte: Agência Câmara de Notícias

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Reflexões sobre o processo de construção da democracia no Egito pós-Mubarak

Nas últimas semanas, as atenções de toda comunidade internacional estão voltadas para o norte da África e para o Oriente Médio, em função das revoluções populares ocorridas primeiramente na Tunísia e, posteriormente, no Egito. Nesses dois países, a pressão popular pôs fim a regimes ditatoriais (Ben Ali, na Tunísia, e Mubarak, no Egito) e ampliou consideravelmente as possibilidades de um avanço democrático nessas regiões marcadas por sucessos governos de caráter autocrático. Isso porque a própria essência desses levantes populares e os seus desdobramentos até o momento têm como principal mola propulsora o ingrediente essencial da democracia, que é a soberania popular.

Naturalmente, a queda dos ditadores da Tunísia e do Egito constitui apenas o ponta-pé inicial para uma verdadeira transformação democrática nesses países. Longe de querer diminuir os êxitos alcançados pelo povo desses dois países, mas é importante que se reconheça que o processo de construção democrática é muito mais complexo e lento do que a própria ruptura com um regime ditatorial. Rupturas são, em grande parte, produto de uma conjuntura endógena (como no caso tunisiano e egípcio) ou exógena que praticamente forçam uma inflexão. Nesse sentido, a simples ruptura com um regime autocrático não significa necessariamente que a democracia será construída de forma automática nessas regiões.

Desislamização política
Há que se levar em conta a dinâmica de forças políticas existentes nesses países e, sobretudo, o grau de participação que o governo militar provisório, no caso do Egito, dará aos civis nesse processo de construção da democracia. Embora todos concordem que ainda seja cedo para fazer previsões sobre o tempo ou a forma em que transcorrerá esse processo, parece que a grande maioria das análises também converge para um risco quase inexistente de constituição de um regime teocrático, como ocorreu na região em períodos anteriores. Lluís Bassets, colunista do El País, escreveu um artigo muito interessante apontando para essa “desislamização” política do Egito e regiões vizinhas.

De acordo com Bassets, “parece evidente que em nenhum dos países o islamismo organizado tem tido um papel relevante na origem nem sequer na organização das revoltas”, completando que “a percepção mais comum é que esta revolução árabe, não somente no Egito, está nas mãos de uma geração nova, muito numerosa e diferenciada das anteriores”. A visão de Bassets sobre a pouca influência do Islã político nos rumos da recente revolução árabe e mesmo no destino político dessas regiões é compartilhada por outros observadores da política internacional. Embora a Irmandade Muçulmana, ligada ao sunismo, seja uma força política de expressão no Egito, muitos analistas de política internacional concordam que ela não tem força suficiente para construir uma hegemonia no país.

Uma pesquisa feita pelo The Washington Institut no Cairo entre os dias 5 e 8 de fevereiro revelou que apenas 15% dos entrevistados aprovam a Irmandade Muçulmana, o que mostra que, embora o grupo tenha uma expressão política razoável, está bem longe de conseguir uma hegemonia para liderar o novo governo. Além disso, essa mesma pesquisa mostrou que apenas 12% dos egípcios são favoráveis à aplicação da sharia (lei muçulmana) no país. Esse distanciamento popular da opção teocrática, expresso nessa pesquisa e comungado nas mais diversas análises, nos dá indícios de que o processo de construção de um novo regime no Egito ocorrerá de uma forma distinta do que ocorreu em outras regiões do Oriente Médio em ocasiões anteriores.

Partidos egípcios devem se fortalecer
Para o cientista político egípcio Nubar Hovsepian, professor da Universidade de Chapman, na Califórnia, “acabaram-se os dias em que os egípcios dançavam ao som dos interesses de um ditador; eles tiveram êxito em pôr um fim nessa realidade. Mas agora vem o mais difícil: como transformar essa vitória em realidade política”. Segundo Hovsepian, “o desafio é construir o marco institucional da transição democrática, mas o processo é lento”. Numa entrevista dada ao jornal argentino Página 12, o cientista político egípcio destacou ainda que o Exército, que assumiu provisoriamente o comando do Egito após a renúncia de Mubarak, não é o ator mais indicado para conduzir esse processo de construção de um regime democrático.

“O Exército tem o máximo poder agora para lidar com o caos do início de uma nova realidade, mas o marco institucional tem que ser a criação de um Estado independente, levada a cabo pelo povo através da comunhão das forças políticas”, analisa Hovsepian. O momento agora, segundo o cientista político, deve ser de fortalecimento dos partidos políticos e das lideranças populares, justamente para garantir uma transição tranqüila para um regime democrático. E o grande desafio, neste sentido, deve ser justamente equacionar o quão curto ou longo será esse período de transição: se muito curto, pode incorrer numa construção democrática pouco sólida; se muito longo, pode aumentar o risco do Exército (e não o povo) assumir o protagonismo do processo.

O professor Hovsepian faz uma análise interessante: “três décadas de Mubarak destruíram o espaço público. Definhada e frágil, a oposição se dedicou a construir redes de atuação territorial, que não crescem verticalmente, mas que preenchem lacunas do espaço público. Sua estrutura necessita evoluir e incluir a estrutura vertical necessária para lutar com força no nível político. Esses grupos necessitam institucionalizar-se para poder fortalecer a representação do povo. Eles são o povo. É preciso que os egípcios se convertam em sujeito político”. Essa avaliação de Nubar Hovsepian é importante porque mostra a necessidade de institucionalizar esse movimento popular para que a construção democrática ocorra de maneira firme e sólida no Egito.

A oposição enfraquecida não será capaz de travar uma disputa por espaço no tabuleiro político, o que por si só já seria prejudicial ao processo de construção democrática, pois daria mais espaço para que o Exército, já organizado, assumisse o protagonismo. Por esta razão os analistas internacionais convergem para a percepção de que ainda é cedo para se afirmar com exatidão o que acontecerá no Egito: é preciso, antes, checar qual será a capacidade da oposição egípcia de se organizar enquanto movimento de construção de um novo regime democrático. Afinal de contas, é importante que a oposição esteja organizada e mobilizada para que tenha ampla participação na elaboração de uma nova Constituição para o país e também para o próprio processo eleitoral, que deve ocorrer em agosto desse ano.

O fortalecimento dos partidos políticos egípcios também é recomendável para evitar influências externas na construção de sua democracia. Quanto mais fortes e articulados estiverem os partidos políticos no Egito, menor será o risco de influência estrangeira no processo que se deflagra naquele país, possibilitando a construção de uma democracia legitimada pela ampla participação popular e pelo respeito às experiências políticas e históricas próprias do povo egípcio.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Tarifas de metrô e de ônibus em SP sobem o dobro da inflação nos últimos 15 anos

Após o aumento pornográfico da tarifa do ônibus na capital paulista, ocorrido no início de janeiro desse ano, agora é a vez do paulistano pagar mais caro na passagem de metrô e do trem. A partir deste domingo, 13, a tarifa do Metrô e da CPTM sofrerá reajuste de 9,4%, passando dos atuais R$ 2,65 para R$ 2,90. Esse aumento é três pontos percentuais superior à inflação registrada na Região Metropolitana de São Paulo em 2010, quando o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe (que serve como base de cálculo para o reajuste das tarifas dos transportes metropolitanos) apresentou elevação de 6,4%.

A elevação dos preços acima da inflação no transporte público em São Paulo não é uma novidade. Se formos analisar a trajetória das tarifas do metrô e ônibus nos últimos 15 anos, tomaremos um susto ao perceber que elas variaram bem acima da inflação acumulada no mesmo período, incorrendo, dessa forma, num maior impacto sobre o orçamento do paulistano. Para se ter uma idéia, somente a tarifa do metrô registrou uma forte elevação de 263% entre 1996 e 2011, o que representa o dobro da variação do IPC da Fipe no mesmo período, que foi de 128,35%. No caso da tarifa do ônibus, essa proporção é ainda mais escandalosa: nesse mesmo período, o ônibus subiu quase o triplo da inflação, como pode ser visualizado na figura abaixo.

Elevação absurda das tarifas dos transportes em SP
Para avaliarmos o impacto desse aumento surreal dos transportes em São Paulo nos últimos 15 anos, vamos fazer a seguinte simulação: consideraremos um trabalhador padrão que durante 22 dias úteis do mês utiliza 1 bilhete de ônibus e 1 de metrô para ir de casa ao trabalho, gastando a mesma quantidade no retorno. Assim, para esse cálculo hipotético, trataremos de uma pessoa que por dia utiliza dois bilhetes de ônibus e dois de metrô. Para efeitos de comparação, vamos admitir ainda que esse cidadão recebe mensalmente 1 salário mínimo, sendo que consideraremos aqui o valor do salário mínimo nacional, já que o salário mínimo paulista começou a vigorar apenas em 2007. Colocadas essas hipóteses, vamos, então, aos cálculos.

Em 1996, um trabalhador que tomava dois ônibus e dois metrôs (considerando aqui ida + volta) gastava, por dia, R$ 2,90 (2x0,65 + 2x0,80). Dessa maneira, em 22 dias úteis, o seu gasto com transportes era de R$ 63,8. Como o salário mínimo naquele ano era de R$ 112, esse cidadão gastava nada menos que 57% do seu orçamento mensal em transporte público. Em 2004, esse trabalhador gastaria por dia R$ 7,20 em condução, o que representaria um gasto mensal de R$ 158,40 com transporte público em São Paulo. Naquele ano, o salário mínimo era de R$ 260, de forma que o gasto com ônibus e metrô correspondia a 61% do rendimento mínimo do trabalhador na capital paulista.

Em 2010, esse mesmo trabalhador, que desde 2005 passou a utilizar o Bilhete Único integrado com o metrô, gastava por dia R$ 8,98 (2x o valor do bilhete de integração = R$ 4,49), o que representa uma despesa mensal de R$ 197,56 com condução. Esse valor corresponde a 38% do valor do salário mínimo no ano passado, que era de R$ 510. Se prestarmos atenção nesse exemplo, perceberemos que após o gasto com condução apresentar um crescimento em sua fatia do salário mínimo, nos últimos anos esse percentual foi sendo reduzido. Como dissemos anteriormente, um primeiro fator (de menor peso) que contribuiu para isso foi a integração do Bilhete Único com o metrô, que possibilitou uma economia no valor gasto no transporte.

No ano passado, por exemplo, a integração ônibus + metrô custava R$ 4,49, sendo que se fossem adquiridos separadamente um bilhete de ônibus e um de metrô, o gasto seria de R$ 5,35 por viagem. Assim, o cidadão economizava 16% optando pelo bilhete integrado. Entretanto, o fator de maior peso para a redução da relação gasto com transporte em São Paulo e orçamento mensal foi, sem dúvida, a política de valorização do salário mínimo implantada no governo Lula. Matematicamente falando, para que uma fração registre valor menor temos dois caminhos possíveis: ou se reduz o numerador (no caso, os gastos com condução) ou então se aumenta o denominador (nesse exemplo, o salário mínimo). Há ainda a terceira opção de combinarmos as duas coisas ao mesmo tempo.

Maiores tarifas não significaram melhoria no transporte
A adoção do sistema integrado ônibus + metrô provocou uma redução, por certo, no numerador. Porém, como o salário mínimo registrou uma valorização nominal de 70% entre 2005 e 2010, logicamente o seu efeito contou bem mais para a redução dessa relação gasto com condução/orçamento doméstico no período. E é importante chamar atenção aqui para isso: não fosse essa política de valorização do mínimo adotada pelo governo federal nos últimos anos, o transporte público já corresponderia a uma fatia superior a 60% do rendimento mínimo mensal do trabalhador em São Paulo, uma vez que o reajuste das tarifas ocorreu em magnitude bem superior ao acúmulo inflacionário no período. E o que é pior: esses reajustes reais das tarifas não significaram melhoria no transporte público paulistano.

No caso do ônibus, por exemplo, a última grande reforma que tivemos na cidade foi feita em 2003 pela então Prefeita Marta Suplicy, quando houve 1) renovação total da frota de ônibus da capital; 2) implantação do transporte perimetral em acréscimo ao radial; 3) implantação de corredores de ônibus; 4) construção de terminais de ônibus e 5) implantação do Bilhete Único. As gestões posteriores à Marta na Prefeitura de São Paulo pouco fizeram para melhorar o transporte público sobre rodas na cidade. No caso do metrô, embora o governo do Estado tenha feito um verdadeiro alarde com o Programa Expansão SP, a verdade é que o ritmo de expansão da rede metroviária deixa muito a desejar. Além disso, no caso das estações recém-inauguradas existe uma enorme falta de planejamento para solucionar gargalos.

Exemplo disso é a Linha 2 – Verde, que passa pela Avenida Paulista. Até pouco tempo atrás, essa era a linha mais confortável do metrô paulistano. Entretanto, como sua expansão foi feita sem o planejamento adequado, a abertura de novas estações, sobretudo a Ipiranga e a Tamanduateí, têm provocado um gargalo enorme na estação Paraíso e na Ana Rosa, que são estações de integração com a Linha 1 – Azul. Quem vem pela Linha Azul, por exemplo, e desce na estação Paraíso para fazer baldeação e pegar o metrô para descer na estação Consolação, tem que ficar esperando às vezes mais de três composições passarem para conseguir entrar.

Isso porque embora o governo do Estado tenha construído novas estações nos últimos anos, não foram adquiridas novas composições em número suficiente para reduzir o intervalo entre uma e outra no horário de pico. Com a inauguração da estação Tamanduateí, o caos ficou ainda maior, pois quem vem do ABC, por exemplo, pela CPTM, ao invés de descer na Luz (linha Azul) desce diretamente na Tamanduateí, que é estação da Linha Verde. Ou seja, quem está vindo pela Linha Azul, ao chegar no Paraíso já encontra os vagões da Linha Verde totalmente lotados (pois eles já vem cheios desde a Tamanduateí, na integração com a CPTM). A solução para isso é mostrada pela matemática: é preciso comprar mais composições para que no horário de pico mais trens circulem no metrô, evitando, assim, formar grandes aglomerações nas estações.

Pelo que se pode notar, embora as tarifas tanto do ônibus quanto do metrô em São Paulo tenham aumentado acima da inflação nos últimos 15 anos, isso não correspondeu a uma melhora no sistema de transportes metropolitanos. Pelo contrário, o paulistano ainda sofre muito com a questão da mobilidade na capital, tendo que optar entre um trânsito caótico ou um transporte público mais caótico ainda. E que além de tudo é o transporte mais caro do Brasil!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A queda de Mubarak no Egito e "a Berlim de 1989 dos árabes"

Como o “11 de fevereiro” passará para a História ainda é cedo para saber: tudo depende da dimensão que as repercussões da queda do ditador do Egito Mubarak tomarão daqui para frente. Há quem diga que estamos assistindo apenas ao começo de uma revolução democrática árabe, que poderá colocar fim a uma série de ditaduras que persistem no Oriente Médio, instalando, nos seus lugares, regimes democráticos. Entretanto, uma coisa já sabemos: para o Egito, essa data já faz parte de sua História. Após trinta anos de opressão, o povo egípcio finalmente está livre do ditador Mubarak. Chama à atenção, sobretudo, a mobilização popular que culminou com a renúncia de Mubarak: nos últimos 18 dias, pessoas das mais diversas partes do mundo acompanharam pela internet e pela TV cada lance da luta do povo egípcio, que desde o dia 25 de janeiro tomou as ruas e iniciou um movimento que buscava muito mais que uma transformação econômica, mas sim uma ruptura política.

Embora a Praça Tahrir tivesse sido tomada por egípcios das mais diversas idades e classes sociais, é impossível não reconhecer o protagonismo da juventude egípcia nesse processo. E, neste sentido, é muito especial vermos a juventude tomando as ruas e, movidas pela esperança e pelo desejo de uma sociedade de direitos e democrática, derrubar um regime ditatorial. Torcemos para que agora o Egito possa experimentar uma transição tranqüila para um governo democrático, fazendo valer a luta desses milhões de egípcios que lutam por dias melhores. O Boteko reproduz aqui um texto do jornalista do El País Javier Valenzuela, intitulado “A Berlim de 1989 dos árabes”. Boa leitura!

A Berlim de 1989 dos árabes
“Foi duro, muito duro, e absolutamente deslumbrante. O povo egípcio, liderado por sua ciber-juventude democrática, em dado ao mundo uma imensa lição de claridade de idéias, valentia e tenacidade. A imensa multidão da Praça de Tahrir, jovens e adultos, de classe média e pobres, homens e mulheres, cristãos e muçulmanos, insistia na saída do ditador Mubarak antes mesmo de contemplar a possibilidade de uma transição para a democracia mais ou menos negociada entre o regime e a oposição, e tinha toda razão do mundo. Nada do que o regime prometesse teria a menor credibilidade se seguisse no trono um faraó convertido em múmia, um cadáver político teimosamente agarrado ao poder.

Mubarak acaba de ir-se. O povo venceu na persistência. Na noite passada, Mubarak ainda insistia em permanecer no cargo até setembro, liderando a transição. Era um disparate monumental, ainda que tivesse o apoio dos falcões de Israel, de outros déspotas árabes, dos elementos mais conservadores do establishment norte-americano e da pusilanimidade de dirigentes europeus. Era um despropósito porque o povo de Tahrir não aceitaria, não abandonaria o combate. Ao contrário, iria redobrá-lo, mesmo que decepcionado e frustrado, contando também com o reforço de outras centenas de milhares de egípcios em suas orações de sexta-feira nas mesquitas. Nos últimos dias o lema do povo era esse: “se o rei é teimoso em seus esforços de agarrar-se ao poder, muito mais somos nós”.

Como o governo podia conter a multidão que tem ocupado as ruas das principais cidades egípcias? Somente uma matança de proporções descomunais, uma matança nunca vista ao vivo na História da Humanidade, poderia tentar conter hoje o movimento egípcio e mesmo assim era improvável que conseguisse seu objetivo. O blefe de Mubarak na noite anterior não teria o menor futuro. A partir do momento que o Exército egípcio, a instituição com maior prestígio no país e da qual saíram os presidentes Nasser, Sadat e Mubarak, se negou a disparar contra as massas, afirmando inclusive que compreendia e apoiava seus motivos, a revolução democrática egípcia já estava em vias de ganhar. Agora, acaba de conseguir seu primeiro objetivo concreto: a renúncia do ditador. E é um momento para regozijo. Dos egípcios, dos povos árabes e de todos os democratas do planeta.

Tahrir significa em árabe 'libertação'. E para as pessoas que têm feito dessa praça o coração palpitante da luta pela liberdade, o primeiro passo era serem libertas desse general de rosto pétreo que governou o vale do Nilo com mãos de ferro durante mais de trinta anos. (...) Acaba de triunfar a primeira e decisiva fase de uma revolução democrática. A humanidade não havia vivido nada semelhante desde a queda do Muro de Berlim e a dissolução do império soviético. E esta primavera dos povos árabes tem muito pouco ou nada a ver com a revolução de Teerã, em 1979. Somente cabe compará-la com Berlim em 1989. É a história em movimento, é, em plena crise econômica, o retorno ao primeiro plano da política internacional de luta contra a ditadura e em favor dos direitos humanos.

Já são dois ditadores árabes derrubados, o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak, nesta revolução democrática árabe que faz cair por terra estúpidos preconceitos ocidentais, como aquele que afirma que o árabe e o muçulmano são totalmente incompatíveis com a democracia. E que demonstra também que as cautelas governamentais do Ocidente não são somente traições aos princípios e valores democráticos, mas também fruto da preguiça intelectual, de não ter feito a lição de casa, de não haver percebido que o grande protagonista do mundo árabe neste século 21 não são os islâmicos, mas sim os jovens, esses mais de 100 milhões de jovens árabes, que desejam liberdade, dignidade e justiça.

E agora, querem saber qual será o próximo ditador árabe que poderá ser derrubado como resultado de uma revolução popular? A resposta é fácil: olhe para onde os ministros do governo Sarkozy passaram as festas de Natal. Esta é a piada que circula por esses dias na França, aproveitando o fato constrangedor da ministra Alliot-Marie ter passado, gratuitamente, suas férias na Tunísia de Ben Ali e o primeiro ministro Fillon, com a mesma agência de viagens, no Egito de Mubarak. E isso não é tudo. Está sendo convocada para o próximo dia 12 uma jornada de protestos na Argélia, no dia 17 na Líbia e no dia 20 em Marrocos”.

(Javier Valenzuela é economista, escritor e jornalista. Escreve no El País desde a década de 80, tendo sido correspondente do jornal espanhol em diversos países, inclusive no Oriente Médio)

Para um panorama das perspectivas sobre o governo de transição no Egito, o Boteko recomenda esse excelente texto de Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Colúmbia (EUA) e correspondente do Estadão. Vale a pena ler o artigo com atenção!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PT 31 anos: em entrevista histórica de 1991, Lula falava dos rumos e desafios do PT


Charge dos anos 90: dilema do PT sobre "estou ou não" no governo Itamar

Há exatos 31 anos nascia, no Colégio Sion, em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores, fruto da união de grupos ligados ao sindicalismo, à esquerda clandestina, à intelectualidade e às CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), todos com objetivo de construir um socialismo democrático no Brasil. Desde que nasceu, o PT mostrou a que veio e, pouco a pouco, foi crescendo, levando "paulada", amadurecendo, até que chegou à Presidência da República, em 2002. O Boteko reproduz aqui uma entrevista dada por Lula à Revista Teoria e Debate, em sua edição de número 13 (janeiro a março de 1991), há exatos 20 anos. Lula, que após sua primeira derrota na disputa pela Presidência da República havia retornado ao comando do PT, fala nessa entrevista sobre o governo Collor, o papel do PT na construção de um projeto alternativo, as administrações municipais petistas e a inserção internacional do partido. Reproduzimos aqui os principais trechos da entrevista. Boa leitura!

Lula: mãos à obra
"Nesta entrevista realizada em dezembro de 1990, Luís Inácio Lula da Silva fala de algumas questões que o têm preocupado. Contrariando os 'analistas políticos' que disseram que sua decisão de não se candidatar à reeleição era um sinal de desencanto e desânimo com a política, ele mostra que está mais ativo do que nunca. Nos doze meses que se passaram desde as eleições de 1989, Lula esteve empenhado em novas funções, como a de coordenador do Governo Paralelo. A viabilização desta idéia ajudaria a manter unida a oposição popular brasileira e permitiria clarificar e explicitar propostas alternativas à política do governo federal

Também é novidade o papel internacional que Lula tem desempenhado: hoje, ele é um dos líderes mais importantes da esquerda em todo o mundo. Mas novas tarefas não excluem as antigas. Em junho, Lula reassumiu a Presidência do PT, voltando a antigas prioridades: a organização do partido e a participação política dos trabalhadores. Este novo período de Lula à frente do PT coincide com a preparação do 1º Congresso e a grande discussão sobre a crise do socialismo; coincide, além disso, com o surgimento de problemas decorrentes, em parte, do próprio crescimento do partido, como a relação entre os organismos do PT e as prefeituras, a distância entre as expectativas criadas pelas nossas administrações e as suas realizações efetivas, e as divergências entre os sindicalistas petistas.

Com tantos atividades e dificuldades à enfrentar, Lula não dispõe de muito tempo – esta foi provavelmente a entrevista mais difícil de ser marcada. Mas em dezembro de 1990 conseguimos e valeu o esforço: ele falou de tudo a Teoria & Debate.

Charge de 1980: nasce o PT!
Depois de um ano de Governo Collor, como você vê a situação do País?
Eu acredito que, passados doze meses das eleições de 1989, a sociedade brasileira já descobriu que a política neoliberal do presidente Collor é um fracasso, na medida em que não resolveu nenhum dos problemas que ele prometeu resolver. Não resolveu, por exemplo, o problema da inflação. Embora tenha reduzido a inflação de 84 para 20% ao mês, nós sabemos que essa redução teve um custo alto, que a sociedade tem pago com o desemprego, a política agrícola, o salário, a saúde, a educação. Porque até agora não existe nenhuma iniciativa do governo para resolver esses problemas cruciais. Problemas que já eram cruciais, é bom que se diga, antes das eleições. Acredito que os setores da sociedade que sustentam hoje o Plano Collor o fazem porque estão ganhando com ele ou porque têm medo que a oposição ao plano fortaleça os partidos como o PT, que ao longo desses doze meses vêm questionando a política do governo. A situação atual exige que o PT apresente com urgência uma proposta que incremente o desenvolvimento do país, a distribuição de renda, que ressarça os trabalhadores dos prejuízos que tiveram com a política do Collor de Mello. Que coloque a sociedade brasileira em um patamar de cidadania mínimo. O PT vai se fortalecer se tiver competência e capacidade de apresentar essa alternativa e se diferenciar dos outros partidos que, com a falência do plano, começam a espernear. O PT precisa mostrar para a sociedade que é possível reduzir a inflação criando empregos, com um outro modelo de desenvolvimento.

Eu acho que 1991 será ainda pior que 1990. Não vejo nenhuma perspectiva de melhoria sob o governo Collor, porque ele perdeu o respeito da opinião pública e do Congresso Nacional. Uma coisa importante é que toda e qualquer proposta do Partido dos Trabalhadores tem que ser acompanhada por um trabalho muito sério de organização do movimento popular. É importante deixar claro que apenas a luta institucional deixa o PT muito vulnerável. A chance da nossa proposta alternativa está ligada à capacidade de o partido organizar o movimento social, o movimento sindical, e também à capacidade de elaborarmos alianças políticas com os chamados partidos progressistas para enfrentar o governo central. Eu não estou muito otimista em relação aos governos estaduais - eles não entrarão nesta briga porque todos estarão, no fundo, subordinados ao governo federal. Mas a sociedade ainda tem mecanismos de defesa; ela não tem somente uma bala, tem a cartucheira toda para ser utilizada. O negócio é ir para a porta da fábrica para chamar os trabalhadores para a luta, ir para a rua mostrar que é possível nós termos outro tipo de política econômica, outro tipo de desenvolvimento, outro tipo de sociedade.

Você acha que foi correta a sua decisão de não concorrer à Câmara Federal? Essa atitude não contribui para piorar o resultado eleitoral do PT? Não permitiu que o Collor e o Quércia se fortalecessem?
Eu tenho recebido de alguns setores da sociedade palavras de elogio ao meu comportamento, à minha decisão. Eu continuo convencido de que a minha posição está correta. No meu caso, para enfrentar um governo como o do Collor, é melhor estar fora do Congresso Nacional, que tornaria boa parte do meu tempo, e atuar na rua, tentando organizar este povo. O Congresso Nacional é um lugar onde trabalham quinhentas pessoas e ninguém parece ver que há diferenças entre elas - não se critica este ou aquele político, mas a instituição como um todo. Acho que, depois de ter acompanhado os trabalhos parlamentares de perto, posso contribuir para que isto mude e a instituição ganhe o respeito da opinião pública, como instrumento da democracia. Priorizo o compromisso com a reestruturação do PT, porque apesar de ter crescido muito eleitoralmente, ele não cresceu do ponto de vista da sua organização. Eu acho que é preciso a gente voltar a acreditar naquele partido do núcleo de base, naquele partido que propunha uma participação política mais efetiva da classe trabalhadora. Eu aposto muito no Governo Paralelo, porque ele poderá mostrar para a sociedade o outro lado da moeda. Poderá mostrar os seus projetos e as contradições que existem na política oficial. Isso só será possível se houver dedicação quase que exclusiva de minha parte. Acredito que o fato de eu não ter me candidatado vai ser bom para o PT, a médio prazo. Primeiro porque não atrapalhou nosso desempenho nas eleições aqui em São Paulo. Se eu tivesse concorrido, poderíamos ter eleito um deputado federal a mais, no máximo. Acho que isso é pouco diante da grandeza do PT. Não podemos deixar que o eleitoralismo tome conta do partido. Nós percebemos, nessas eleições, que em alguns lugares o comportamento de certos companheiros na disputa maluca por um cargo não se diferenciou da atitude de membros de outros partidos, tanto nos conflitos internos quanto no tipo de campanha. Eu quero ver se ajudo a criar dentro do PT a idéia de que quem quiser ajudar a construí-lo não precisa estar nessa briga maluca pelo poder. Eu posso contribuir sem ser deputado, eu posso contribuir sem ser dirigente. Basta que eu acredite numa coisa chamada organização dos trabalhadores. Não nasci deputado, vivi até os 41 anos de idade sem ser deputado. Ocupar uma vaga na Câmara foi, para mim, uma coisa passageira. Eu queria era ser constituinte, e teria acertado mais se tivesse desistido em 88, quando foi promulgada a Constituição.

Erundina "dá banho" em Maluf (1988)
Você acha que os prefeitos do PT têm contribuído para o fortalecimento do Partido? Têm correspondido à expectativa?
Eu poderia enumerar alguns dos problemas que as prefeituras tiveram. Nós tomamos posse em 12 de janeiro de 1989, com uma grande maioria de pessoas inexperientes assumindo cargos administrativos. Pela primeira vez, um partido que nasceu e se fortaleceu fazendo oposição assumiu a máquina do Poder Executivo. Só isso representa uma dificuldade enorme. Depois a gente teve duas eleições seguidas, que consumiram quase que 50% do tempo das nossas administrações, porque, por menos que se queira a gente se envolve no processo eleitoral. Os nossos adversários aproveitaram para abrir uma pesada guerra ideológica contra nós. Nós começamos a ser cobrados por problemas que há séculos existem em São Paulo, impossíveis de serem resolvidos de uma hora para outra: começamos a ser culpados pelo transporte, pela saúde etc.

Eu acho que as nossas administrações estão no caminho certo. Hoje ninguém pode acusar nenhuma prefeitura nossa de corrupção. De certa forma, os nossos prefeitos conseguiram moralizar a máquina administrativa. Agora, temos muito o que aprender. Nós ainda não criamos os Conselhos Populares e nem aprendemos a estabelecer uma relação democrática entre administração e partido. Nós ainda não criamos um grupo de trabalho para manter canais de comunicação com o movimento social, para evitar inclusive desacertos entre a administração do PT e o movimento sindical. 1991 deve ser o ano das administrações do PT. Olívio Dutra, por exemplo, vai ter um desempenho extraordinário em Porto Alegre, porque acabou o problema de dívida da prefeitura e ele vai poder começar a investir. Aqui em São Paulo a gente começa a ver centenas de obras importantes para a sociedade. Nós temos que ter preocupações é no campo político. É preciso estabelecer urgentemente uma relação melhor entre a nossa administração e o partido. Senão tanto um quanto o outro ficarão isolados e isso não leva a lugar nenhum. Alguns prefeitos começaram a fazer o seguinte discurso: "Eu não sou prefeito do PT, sou prefeito da minha cidade e, portanto, tenho que governar para todos." Lógico que isso é verdade. Mas governar com base no quê? Com base no programa feito pelo PT. Porque foi o PT que elegeu a pessoa com o seu programa. Isso não significa que o partido vá interferir na máquina administrativa, nem implica que o partido vá discutir a demissão desse ou daquele funcionário. Esse não é o papel do partido. Seu papel é definir as prioridades, e o da Prefeitura é tentar levar essas propostas para a sociedade. Queremos que a cidade seja governada a partir de um projeto do PT.

As prefeituras são máquinas podres, cheias de vícios. Aos poucos nossos prefeitos começam a perceber que nem tudo aquilo que eles propuseram pode ser executado de modo completo. E aí o partido passa a ser inconveniente. Porque o PT continua com seu próprio discurso. Porque a militância que ajudou a elegê-los continua a exigir aquelas melhoras imediatas que a gente prometeu durante a campanha eleitoral. Então, de um lado o partido cobra e, de outro, as prefeituras têm que justificar o não cumprimento de certos objetivos, o que resulta em um distanciamento. Nós aí começamos a ouvir: "O PT atrapalha", "A direção atrapalha". Mas na verdade não é a direção que atrapalha. Se os eleitos se lembrassem do discurso que faziam para se eleger, perceberiam que o partido não está fazendo nada mais do que cobrar coerência deles. O que eles precisam é, ao invés de tentar romper com o PT, procurar estabelecer uma política de convivência para resolver esse impasse. Até para termos coragem de declarar para a opinião pública que tais e tais coisas não podem ser feitas agora.

O partido deve ser uma espécie de consciência crítica das nossas administrações. Isso não significa fazer crítica pela crítica, mas discutir semanalmente, quinzenalmente com o prefeito as linhas gerais do programa de governo, organizar a montagem dos Conselhos Populares, dinamizar a participação da sociedade na Prefeitura. Afinal de contas, nós viemos ou não viemos para renovar? Nós viemos ou não para mudar radicalmente a forma de administração e o funcionamento da máquina? Não basta dizer "eu estou fazendo esta ou aquela obra". Um governo não é avaliado apenas pela quantidade de poços artesianos, asfalto e pontes que ele faz. Um governo também é avaliado pela sua relação com o povo. Nós não podemos terminar o nosso mandato sem criar os Conselhos Populares. É importante ir a Janduís para ver como eles estão se organizando, porque lá existem conselhos por rua, enquanto aqui nós sequer conseguimos montar um da cidade. Algo está errado no PT, na administração, ou nos dois. A única coisa que não podemos dizer é que o povo está errado.

A indecisão de FHC (1989)
Há uma certa distância entre o pessoal que milita no movimento sindical e o que milita no PT. Recentemente, a CUT adotou uma posição contrária a do partido e resolveu participar do chamado entendimento nacional. Como você vê isso?
Eu acho que em certos momentos surgirão diferenças, mesmo porque a CUT não é do PT. A CUT é mais ampla que o partido. Agora a CUT vai abrigar companheiros do PC do B e do PCB. Nós queremos que a Central seja a representante da classe trabalhadora brasileira como um todo. Cada vez mais, é importante criar espaço para que companheiros do PT ligados à direção executiva da CUT possam participar das reuniões do diretório do partido com direito a voz ativa, para que levem para a CUT propostas discutidas conosco. Não está havendo este relacionamento, existem dificuldades em estabelecê-lo. No congresso do PT temos que definir isto com clareza. No que diz respeito ao entendimento nacional, isso não aconteceu; quando o PT tentou discutir, a participação da Central já estava encaminhada. Mas acredito que houve uma mudança importante no comportamento da CUT: começam a ficar claras para a sociedade quais as propostas que a Central tem. A CUT foi a um encontro com os empresários, e pela proposta feita por eles e pelo Antônio Medeiros ficou claro que o pacto é uma farsa, o que eles querem é uma capitulação da classe trabalhadora diante do governo e da crise que vivemos. A CUT fez críticas, apresentou outro documento, e eu acho que esse foi um papel importante que ela cumpriu.

Você falou sobre a importância do Governo Paralelo. Na verdade, ele tem enfrentado muitas dificuldades para se implantar, para demonstrar a que veio.
Eu estou feliz porque essa iniciativa começa a despertar uma curiosidade muito grande nos membros do PT. O pessoal espera muito do Governo Paralelo. Mas o PT atravessa, como todo o Brasil, uma crise financeira sem precedentes. Não há semana em que eu não tenha que correr atrás de empréstimos para o partido. Isso repercute no Governo Paralelo: a estrutura dele é mínima, nós temos só quatro funcionários e não temos condições de dar um melhor atendimento aos coordenadores dos grupos de trabalho. Além disso, ele foi implantado no dia 15 de julho do ano passado, exatamente no auge da campanha eleitoral, e o Lula, que era o coordenador geral e que tinha obrigação de estar permanentemente fazendo as coisas andarem, estava fazendo campanha para os candidatos a governador. Mas a partir de agora não há mais desculpas.

Nós precisamos elaborar os projetos setoriais e fazer um acompanhamento mais sistemático da política governamental. Temos que ser o contraponto ao governo Collor. Acredito piamente que até a metade de 1991 o Governo Paralelo vai ser consolidado. Ele vai se tornar uma alternativa concreta para a sociedade brasileira, uma fonte de referências. A minha intenção é viajar para as capitais, fazer debates nas universidades, no movimento sindical, lançar projetos populares de política agrícola, abastecimento e reforma agrária no país inteiro. Ou seja, a sociedade vai perceber que tem alguém no Brasil que além do discurso apresenta coisas concretas. Vamos precisar utilizar todo o potencial do movimento social e do PT para implantar o Governo Paralelo de verdade. É necessário, também, conversar com outras forças políticas para saber qual a disposição delas de participar do Governo Paralelo.

Qual o papel internacional do PT? Nos últimos anos, principalmente, as iniciativas de política exterior do PT têm aumentado.
Eu sou suspeito para falar dessa questão, porque sou muito presunçoso: acho que o Partido dos Trabalhadores é a grande novidade política da década de 80 no mundo inteiro. O sindicato polonês Solidariedade, antes dos desvios, no começo dos anos 80, também foi uma novidade política que despertou curiosidade, mas não se compara ao PT. Às vezes eu brincava com um companheiro da Alemanha Oriental: "Se vocês quiserem, a gente pode mandar dois ou três quadros do PT para ensinar aos alemães orientais como criar um partido democrático." Porque é verdade; poucas vezes na história política de um país houve um partido com as características do PT. Um partido capaz de juntar tantos pensamentos diferentes, capaz de juntar comunistas com cristãos, companheiros que defendem o modelo cubano com companheiros que defendem o modelo não sei de onde. Como o PT é, na verdade, um grande espaço público, ele acabou nos educando para a convivência democrática. Na Europa Ocidental, no Leste Europeu, há uma curiosidade enorme em conhecer o PT. Mas nós não sabemos trabalhar corretamente a nossa imagem no exterior. O PT deveria mandar regularmente informações sobre o partido para todo o mundo, a fim de que as pessoas acompanhassem mais de perto a nossa dinâmica. Por exemplo, o PT derrubou o Muro de Berlim em 1980, quando nasceu. Já naquela época a gente dizia claramente o seguinte: não é possível criar um partido que não permita o direito de organização sindical, o direito de greve, o pluralismo político, que não envolva, a sociedade nas discussões. Esta posição credencia o PT para discutir os problemas da esquerda internacional. Apesar disso, temos uma atitude humilde demais diante de partidos de outros países. Talvez isso seja resquício do colonialismo... O fato de não sermos ligados a nenhuma Internacional é outra coisa importante. Manter relações com as forças democráticas de todos os continentes dá uma credibilidade muito grande. O partido ainda não tem dimensão da importância da secretaria de Relações Internacionais, da necessidade de equipá-la, de fortalecê-la. Na medida em que saia mais para o mundo, o PT vai ter condição de ocupar um espaço sem precedentes na história política brasileira.

Como você avalia hoje as várias correntes de esquerda na América Latina? Quem seriam nossos parceiros principais?
É difícil dizer, porque a América Latina tem hoje correntes muito heterogêneas. Existem cerca de treze partidos de esquerda na Argentina. Fica difícil estabelecer qual o aliado preferencial. Nós temos, por exemplo, uma relação privilegiada, fraterna até, com a Frente Ampla no Uruguai, com a Frente Sandinista, com a Frente Farabundo Martí. No Peru nós temos relações com a Esquerda Unida e com outros partidos. Na Argentina, no México, na Venezuela, nossa política é manter relações com o maior número possível de forças de esquerda. Isso dá uma credibilidade muito grande para nós, porque não trancamos a nossa porta e possibilitamos a unificação da esquerda, do movimento sindical latino-americano.

Hoje, quais são os desafios da esquerda no panorama internacional?
A esquerda está perplexa. Depois da queda do Muro de Berlim e da perestroika, ela está refletindo sobre seus erros. Muitos demoraram a compreender que o povo queria mudanças efetivas. O socialismo se transformou em uma coisa burocrática, rançosa, que não dava respostas à modernidade, à produtividade, às questões democráticas. Como a esquerda não soube propor as mudanças, a direita soube capitalizar e tirar proveito de mudanças que poderiam ter sido realizadas por parte da própria esquerda. No Brasil e na América Latina, o momento é grave. Porque muitos partidos políticos eram, na verdade, satélites das agremiações do Leste Europeu, do PC soviético. A esquerda deve aprender a lição de que é a massa que deve elaborar o seu projeto de socialismo; vai ter que aprender que não é possível criar um partido de vanguarda se a própria massa não se transformar em vanguarda.

Em 1991, Vamos realizar o 1º Congresso do PT e um dos temas centrais do debate é a questão do Socialismo e a estratégia para alcançá-lo. Fale um pouco sobre isso.
A minha opinião é que nesse congresso nós devemos ser muito mais pragmáticos do que fomos até agora, pois o PT tem a perspectiva de chegar ao governo em 1994. Ou seja, acho que precisamos formular essa "utopia" a partir de bases concretas, a partir do acúmulo de experiência de dez anos. Precisamos pensar em um projeto de socialismo para a nossa conjuntura. Por isso, é necessário discutirmos esta questão de forma madura, com a maior profundidade possível. É chegado o momento de as correntes pararem de tentar impor esta ou aquela visão de socialismo e pensarem como deve ser o socialismo do PT, um partido que governa cidades importantes, que tem chance de governar estados importantes, que pode ganhar a Presidência da República. O PT vai ter que deixar de só formular propostas para um futuro muito distante e apresentar soluções para o presente. É necessário envolver setores da sociedade que não estão no partido na discussão sobre o socialismo: o movimento sindical, o movimento popular. Porque senão vira uma coisa um pouco vanguardista e essa coisa vanguardista normalmente não é entendida pela massa. É preciso, repito, envolver a massa na elaboração desse projeto. O congresso pode realizar essa tarefa e acho que vai ser um acontecimento extraordinário porque vai possibilitar ao partido a discussão mais ampla de temas importantes

Como você vê a situação atual do PT?
Para um partido com dez anos de existência, o PT está até maduro demais. No entanto, temos ainda uma espécie de cultura antialianças, antiacordos políticos, que não consegue diferenciar determinados níveis de discussão. Na política de alianças, por exemplo, o PT precisa estar sempre aberto e encará-la como uma questão tática que você adota de acordo com a conjuntura, sem precisar abrir mão dos princípios do partido e do objetivo de ganhar o poder. Embora a gente tenha um discurso basista, é preciso aprimorar a participação da base, seja nos núcleos, seja nos movimentos sociais - muita gente utiliza o discurso basista apenas para dar sustentação ao seu próprio discurso. A base tem participado pouco das nossas decisões porque os núcleos não funcionam corretamente e muitos setores organizados da sociedade têm uma dinâmica que não permite a participação mais efetiva na vida partidária. Nós ainda não conseguimos, como já disse, criar os Conselhos Populares, embora estejamos governando há dois anos cidades muito importantes. Fizemos uma campanha falando no poder popular, na participação popular, e até agora muito pouco foi feito neste sentido. Como a massa pode participar? Justamente através desses conselhos e da colaboração do movimento sindical com as instâncias do partido. Precisamos superar essas distorções e dificuldades, pois a grandeza do PT não pode ser medida apenas pelo seu desempenho eleitoral, mas pela sua inserção no movimento social, pela sua capacidade de organização e formação política".

Entrevista dada a João Machado e Paulo Vanucchi, em dezembro de 1990.