sexta-feira, 9 de julho de 2010

A oposição, o Bolsa Família e o caso do falso verniz

Não é preciso ser um gênio da carpintaria para saber que ao reformar um móvel antigo é preciso primeiro lixá-lo, removendo o verniz anterior para que somente então seja aplicada uma nova mão de verniz. Caso contrário, se aplicado diretamente sobre o velho verniz, o novo não terá fixação ou ainda, caso consiga se obter mesmo assim fixação em algumas áreas, esta não resistirá muito tempo. Um móvel velho que tentou ser vernizado sem antes, contudo, lixar o verniz antigo. Esta parece ser uma associação apropriada à atual situação da oposição brasileira que, devido à popularidade do governo Lula, não pode ser tão oposicionista assim.

Os partidos que se uniram em torno da candidatura do tucano José Serra à Presidência da República parecem ter se esforçado para cobrir seus pensamentos velhos (e críticos a Lula) com uma camada de verniz novo. Mas para seu insucesso, se esqueceram de lixar o verniz antigo e, à medida que a campanha vai transcorrendo, o falso verniz, que a priori teria a função de restaurar o móvel, vai pouco a pouco se desgastando e revelando o que há por baixo dele. O tempo age, aqui, como o crítico que busca encontrar imperfeições na aparente restauração de um móvel que todos sabem ser bem antigo e, por isso, conhecem muito bem. No caso da oposição, as contradições do discurso aos poucos vão sendo reveladas.

Passemos aos fatos: o falso verniz de que falamos aqui se refere ao novo discurso da oposição sobre o Bolsa Família. Desde que foi criado pelo governo Lula, em 2003, o programa de transferência de renda que beneficia atualmente 12 milhões de famílias brasileiras, ganhou da oposição a pecha de “assistencialista”. Ao longo de sete anos, setores do PSDB, DEM e PPS repetiram como mantra argumentos invariavelmente baseados em puro preconceito, afirmando que o programa deixava “mal acostumados” os seus beneficiários. Repentinamente, ao se aproximarem as eleições, esta mesma oposição, que criticava ferozmente o Bolsa Família, passou a defendê-lo, ao ponto de Serra declarar nesta semana que pretende duplicar, se eleito, a cobertura do Bolsa Família.

Aliado de Serra critica duramente Bolsa Família
A mudança no discurso de Serra se deve muito mais a fatores eleitoreiros do que a convicções ideológicas acerca da eficácia do programa. E isto fica muito claro quando constatamos que não é uniforme o pensamento do grupo político de Serra sobre o Bolsa Família. Lembram-se do verniz? Pois bem, aqui o falso verniz passado diretamente sobre o antigo já começa a descascar, revelando o que há por baixo dele. Quase que ao mesmo tempo em que o candidato tucano defendia a ampliação do Bolsa Família, um de seus principais aliados, o ex-comunista e atual presidente do PPS, Roberto Freire, disparava, por meio de sua página no serviço de microblog Twitter, críticas profundas contra o programa social do governo Lula.

Declarando que o “Bolsa Família tem funcionalidade conservadora. Nada muda e ajuda manter status-quo, gerando euforia e eleitoralismo”, Roberto Freire não deixa dúvidas de que a oposição não tem unidade firme de pensamento sobre o programa. Mais à frente, o presidente do PPS dispara que o Bolsa Família tem “caráter mais assistencialista e eleitoreiro”, comparando-o com o Bolsa Escola, programa de transferência de renda desenvolvido pelo governo FHC: “anteriormente com a contra prestação social,o caráter era mais compensatório”. Percebam que ao mesmo tempo em que revela a verdadeira opinião da oposição sobre o Bolsa Família, Roberto Freire mostra que também não tem conhecimento sobre o Programa. Afinal, ignora as contrapartidas na Educação e Saúde que o governo federal exige dos beneficiários.

Perguntado por um de seus seguidores porque então Serra estava defendendo o Bolsa Família, Roberto Freire tentou se esquivar, dizendo que “creio que Serra está seguindo mais sua visão, na critica oposicionista a Lula, que a minha”, emendando logo em seguida: “Serra vai manter e ampliar a Bolsa Família mas agregará bônus [de] educação técnica. Quem sabe,oferecer saída pela dignidade do trabalho”. Novamente, Roberto Freire mostra total desconhecimento (ou então desonestidade intelectual) acerca da estrutura do Bolsa Família, que ao contrário do que ele afirma oferece sim porta de saída. Se Freire procurasse se informar melhor, poderia facilmente constatar que são oferecidos cursos de capacitação profissional aos beneficiários do programa, criando as condições para que eles arrumem empregos melhores.

Mas o propósito aqui não é exatamente o de mostrar o desconhecimento da oposição sobre o Bolsa Família (até porque isto é bastante óbvio), mas sim revelar as contradições de pensamento e discurso sobre o programa presentes no grupo político de Serra. Ora, Roberto
Freire não é o único que tem esse pensamento sobre o Bolsa Família: outros aliados de Serra, inclusive o próprio candidato, deram muitas declarações negativas a respeito do programa. Naturalmente que este ano, por se tratar de ano eleitoral, alguns se calaram ao passo que outros mudaram o discurso e começaram a defender o Bolsa Família. Cabe aqui a questão: levando em conta essa dissonância de pensamento sobre a importância do Bolsa Família, dá para acreditar que Serra irá manter o programa se eleito?

Que fique claro uma coisa: o que este blog questiona não é a manutenção institucional do programa, mas sim a manutenção do formato e da essência do Bolsa Família. Afinal de contas, o êxito do programa não está no nome, mas sim na forma como ele está estruturado e que levou o mesmo a ser destacado inclusive pela ONU (Organização das Nações Unidas). Serra, se eleito, poderia até manter o nome (sob pretexto de dizer que estaria mantendo o programa), mas quem garante que ele não desvirtuaria os mecanismos de funcionamento? É preciso lembrar que por mais centralizador que seja o tucano, é impossível que ele governe sozinho. Nem mesmo os reis do auge do absolutismo conseguiam governar totalmente sozinhos: eles tinham seus conselheiros, seus ministros de Estados, que “palpitavam” sobre os destinos dos reinos.

E é nesse fato que se encontra a questão levantada neste artigo: os “conselheiros” de Serra não têm unanimidade de pensamento sobre o Bolsa Família. A julgar pelas declarações de muitos deles, como as expostas anteriormente, o programa poderia ser bastante alterado, fugindo muito do seu atual desenho, embora mantivesse o nome apenas para passar batido na opinião pública. Este tipo de risco não existirá em um possível governo Dilma, pois a candidata do PT foi uma das que ajudaram o presidente Lula a formular e gerir o programa. Do lado de Dilma, ao contrário do que acontece no grupo de Serra, existe uma unanimidade quanto à importância do Bolsa Família e a petista é genuinamente a candidata que oferece risco zero no que se refere a mudanças negativas no programa.

Quanto à oposição, dia a dia torna-se mais nítida a fragilidade de seu discurso. Voltando ao exemplo do verniz, é como se ao longo dessa campanha (e percebam que estamos apenas começando) o seu falso verniz fosse pouco a pouco cedendo, mostrando as idéias antigas e retrógradas que aparentemente estavam cobertas pelo novo verniz. E é muito bom que isto aconteça, para que o eleitor brasileiro não seja enganado por promessas eleitoreiras de um grupo político que até outro dia só fazia criticar o Bolsa Família. No caso desse falso verniz da oposição, é bom que se diga: nem óleo de peroba pode esconder o que há por baixo dele.

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