domingo, 14 de novembro de 2010

"Sinais de esperança": jornal argentino destaca importância de Dilma para América Latina

Passadas duas semanas da vitória de Dilma Rousseff (PT), as eleições brasileiras, dada sua importância, ainda têm ocupado a pauta de boa parte da imprensa internacional, sobretudo na América Latina. O Boteko Vermelho reproduz abaixo artigo de Boaventura de Sousa Santos (Doutor em Filosofia do Direito e professor das Universidades de Coimbra e Wisconsin), publicado nesta última semana no jornal argentino Página 12. Sob o título ”Sinais de Esperança”, o autor fala da importância da eleição de Dilma para os partidos de esquerda na Europa e também para as forças progressistas da América Latina, a despeito das ambições imperialistas de Washington.

Sinais de Esperança
As eleições no Brasil tiveram uma importância internacional inusitada. As razões diferem de acordo com a perspectiva geopolítica que se adota. Vistas da Europa, as eleições tiveram um significado especial para os partidos de esquerda. A Europa vive uma grande crise que ameaça liquidar com o núcleo duro de sua identidade: o modelo social europeu e a social-democracia. Desde o início de 2010 criou-se, quase de maneira instantânea, um novo senso comum, para o qual o modelo social europeu não é viável: a Europa deve abandoná-lo para recuperar o crescimento e aceitar os custos sociais que isto implicará. Aos latino-americanos, não lhes escapará o significado deste novo senso comum: o FMI já está sentado à mesa para discutir as políticas públicas européias.

Por outro lado, a dura derrota do partido social-democrata sueco nas eleições de setembro último – quando alcançaram 30,9% dos votos, seu pior resultado desde 1914 – teve um valor simbólico e político. Apesar de estarmos diante de realidades sociológicas distintas, o Brasil levantou nos últimos oito anos a bandeira da democracia social e reduziu significativamente a pobreza. Fez isso reivindicando a especificidade de seu modelo, mas o fundamentando na mesma idéia básica da democracia social: combinar aumento da produtividade econômica com o aumento da proteção social. Para os partidos na Europa que lutam por uma reforma do modelo social – mas não por sua extinção -, as eleições do Brasil trouxeram um pouco mais de ar para respirar.

No continente americano, as eleições brasileiras tiveram uma relevância sem precedentes. Duas perspectivas opostas se enfrentaram. Para o governo dos Estados Unidos, o Brasil de Lula tem sido um parceiro relutante, desconcertante e, em última instância, pouco confiável. Combinou uma política econômica “aceitável” (ainda que criticada por não continuar com o processo de privatizações) com uma política externa “hostil”. Para os Estados Unidos, é hostil toda política externa que não esteja totalmente alinhada às decisões de Washington. Tudo começou ainda no início do primeiro mandato de Lula, quando o presidente brasileiro decidiu fornecer meio milhão de barris de petróleo à Venezuela de Hugo Chávez, que nesse momento enfrentava uma greve do setor petroleiro depois de ter sobrevivido a um golpe de Estado no qual estiveram envolvidos os norte-americanos.

Este ato significou um obstáculo enorme para a política dos Estados Unidos de isolar o governo de Chávez. Os anos seguintes confirmaram a posição autônoma do governo de Lula. O Brasil se pronunciou de maneira veemente contra o bloqueio econômico a Cuba e estabeleceu relações de confiança com os governos eleitos – porém considerados “hostis” pelos Estados Unidos – de Bolívia e Equador, defendendo-os das tentativas de golpe da direita em 2008 e 2010, respectivamente. O Brasil promoveu formas de integração regional, tanto no plano econômico quanto no político e militar, à revelia dos Estados Unidos. Mas a ousadia das ousadias foi buscar uma relação independente com o governo “terrorista” do Irã.

Na última década, a guerra no Oriente Médio fez com que os Estados Unidos “abandonassem” a América Latina. Agora os Estados Unidos estão voltando e as formas de intervenção são mais sofisticadas que antes. A obsessão do candidato derrotado José Serra em relação ao narcotráfico na Bolívia (um ator secundário) era o sinal do desejo de alinhamento [com Washington]. A visita de Hillary Clinton e a confirmação, pouco antes das eleições, de um embaixador duro (um “falcão”), Thomas Shannon, são sinais claros da estratégia norte-americana: um Brasil alinhado com Washington provocaria, como efeito dominó, a queda de outros governos não alinhados no subcontinente.

A morte de Néstor Kirchner foi vista pelo imperialismo norte-americano como um importante impulso para gerar esse efeito dominó. Basta ver como a morte do grande político argentino foi recebida cinicamente pelos mercados financeiros, com a imediata valorização dos títulos da Argentina diante da expectativa de uma virada política para um modelo “mais amigável aos mercados”. Com a vitória de Dilma Rousseff, o projeto imperialista irá manter-se, pelo menos por hora, adiado.

A segunda perspectiva sobre as eleições é oposta à norte-americana, sendo assumida pelos governos “desalinhados” [a Washington] e progressistas do continente, assim como pelas classes e movimentos sociais que os levaram ao poder. Para todos eles, as eleições brasileiras foram um sinal de esperança, um espaço para uma política regional com algum grau de autonomia e para um novo tipo de nacionalismo que aposte em uma maior redistribuição da riqueza coletiva.

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