domingo, 14 de novembro de 2010

Sobre tucanos e lobos: a visão elitista e retrógrada do presidente do PSDB

Elitismo, preconceito e contradição são elementos recorrentes na entrevista dada pelo presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, ao jornal O Globo, publicada neste domingo, 14. Além de fazer um balanço do processo eleitoral, que culminou na terceira derrota consecutiva do PSDB na disputa pela Presidência da República, o tucano fala do futuro da oposição e deixa escapar, de maneira bastante evidente, a visão bipartite (e bastante equivocada, por sinal) que tem da sociedade brasileira.

Defendendo uma reestruturação do PSDB, Guerra diz ao Globo que o partido “deve ser reconstruído e ganhar um caráter nacional, reestruturando não apenas seu pensamento, mas também a sua linguagem, ganhando organização e conteúdo para que o partido seja mais forte do que as pessoas”. Mais à frente, o senador emenda: “a impressão é que o partido é comandado por um pequeno grupo, ainda que de excelente qualidade. Quanto mais abrir para a participação, colaboração, melhor. Há clara falta de sintonia entre o partido e setores sociais emergentes e organizados, que não têm canal com o PSDB”.

Até aí, nada de mais. A auto-crítica feita pelo presidente do PSDB mereceria até elogios, não fosse o trecho seguinte da entrevista, no qual Guerra contradiz totalmente essa “reestruturação” de pensamento e linguagem defendida anteriormente. Vejamos o que diz o tucano quando o repórter do Globo o questiona sobre quais setores sociais o líder do PSDB falara na questão anterior. “O PSDB ganhou as eleições nos centros brasileiros. Foi a regra. Perdeu as eleições nos grotões, nas áreas menos críticas do país. Não falo do Nordeste contra Sul, nem do Sudeste contra o Centro-Oeste. Em todas as regiões, este fato se deu. O eleitorado mais dependente, menos crítico, votou no PT. O mais crítico e menos dependente tende a votar no PSDB”, afirmou Guerra.

Prepotência, elitismo e preconceito
A resposta dada pelo presidente do PSDB é de uma prepotência sem limites, já que rotula o perfil do seu eleitorado e do eleitorado petista de acordo com critérios bastante discutíveis, como “dependência econômica” (possivelmente se referindo aos programas sociais do governo federal) e “capacidade crítica”. O senador chega ao cúmulo de desqualificar os eleitores do PT ao afirmar que “o eleitorado mais dependente, menos crítico, votou no PT”, salientando ainda que, ao contrário destes, os eleitores mais críticos e menos dependentes votaram no PSDB. Além de se tratar de uma visão totalmente elitista e preconceituosa, a afirmação de Sérgio Guerra é totalmente equivocada e desprovida de fundamentos.

Cabe aqui a pergunta: como o presidente do PSDB fala em reestruturação do pensamento e da linguagem do partido se logo em seguida ele próprio se contradiz e recorre a uma visão totalmente retrógrada para explicar a derrota tucana nas urnas?. Além disso, é de uma pretensão muito grande do líder tucano dizer que “quem é menos crítico votou no PT e quem é mais crítico votou no PSDB”. Em primeiro lugar, basta nos lembrarmos da extensa lista de apoiadores da candidatura de Dilma no meio artístico e intelectual. Ou será que Sérgio Guerra acha que figuras como Chico Buarque, Leonardo Boff, Oscar Niemeyer, Marilena Chauí, dentre tantos outros, são de fato “menos críticas” só porque votaram em Dilma?

Em segundo lugar, vamos convir: é de um profundo elitismo associar baixo nível de renda (Sérgio Guerra usa a expressão “mais dependentes”) a menor nível crítico. O eleitorado brasileiro, incluindo a parcela de menor renda da população, está a cada eleição que passa mais crítico e menos propenso a ser “massa de manobra” deste ou daquele grupo político. Prova disso é a cultura do segundo turno que vem se consolidando na disputa presidencial ao longo das três últimas eleições. Por mais que a população brasileira aprove (ou não) determinado governo, ela quer ter uma segunda oportunidade para refletir e comparar os projetos, para somente então referendar sua decisão.

Outra coisa: o presidente do PSDB se equivoca ao dizer que 56% dos eleitores votaram em Dilma porque são “mais dependentes e menos críticos”. Pelo contrário, a eleição de Dilma – que até o início deste ano era pouco conhecida dos brasileiros – mostra uma reflexão bastante sofisticada do eleitor brasileiro, que ao longo do processo eleitoral, comparou os projetos apresentados e optou pela continuidade do governo Lula. Aqui cabe explicitar: o fato de Lula transferir voto para Dilma não quer dizer que o eleitor votou na petista só porque gosta ou simpatiza com Lula. Existe uma razão anterior para isso. Ou será que Guerra pensa que se o governo Lula não tivesse trazido benefícios concretos para a população, o presidente teria feito sua sucessora?

É por isso que é uma vitória do projeto político: porque os 55 milhões de brasileiros que votaram em Dilma tomaram sua decisão de voto levando em conta os benefícios diretos que constataram em suas vidas ao longo desses anos e não porque foram manobrados pelo presidente. Logo, é um tanto pretensioso da parte do senador Sérgio Guerra desqualificar esses votos através da alcunha de “mais dependentes” e “menos críticos”. Percebe-se, dessa maneira, que embora o PSDB venha falando de reestruturação e até mesmo de refundação, seus quadros parecem continuar ligados ao que há de mais conservador e retrógrado em termos de pensamento, corroborando o velho jargão popular, de que “o lobo perde o pelo, mas não perde o vício”.

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