Tentar analisar os rumos de uma campanha eleitoral valendo-se do instrumental proposto pelo método científico cartesiano pode muitas vezes revelar-se ingrato, já que a política carrega em si diversas variáveis difíceis de serem mensuradas. Um exemplo real que pode ser utilizado para ilustrar esta afirmação diz respeito aos rumos tomados pela pré-campanha presidencial brasileira ao longo deste mês de maio, quando a pré-candidatura governista de Dilma Rousseff (PT) ganhou maior musculatura e se mostrou bem mais competitiva que a do seu principal adversário, José Serra (PSDB).
Neste sentido, cabe relembrar as análises feitas logo no final de março, quando os dois principais postulantes à Presidência da República desincompatibilizaram-se dos seus respectivos cargos e entraram numa fase de menor exposição, que deve (ou deveria) durar até o início de julho, quando começa oficialmente a fase de campanha, segundo cronograma do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Naquela época, o quadro desenhado era o seguinte: o tucano Serra liderava todos os cenários de intenção de voto (em todos os institutos), mas já dava sinais de estagnação, enquanto a petista crescia gradativamente, mas ainda ocupava o segundo lugar.
Assim, as “fotografias” tiradas pelos principais institutos de pesquisa no final de março mostraram a pré-candidatura oposicionista com um patamar de intenções de voto em torno dos 37% contra 30% na média de intenções de voto na pré-candidata do governo. Naquela ocasião, esperava-se que esse cenário deveria permanecer dessa maneira até o início da campanha eleitoral, com os pré-candidatos sofrendo pequenas oscilações dentro da margem de erro dos institutos. Contudo, a rodada de pesquisas eleitorais divulgadas em maio coloca Dilma e Serra empatados dentro da margem de erro, sendo que alguns importantes institutos – como Vox Populi e Sensus – já mostraram a petista à frente do tucano.
Propaganda partidária do PT explica todo esse avanço?
Diante desse novo quadro que não era esperado pela maioria dos analistas – nem pelos partidos, diga-se de passagem – a que podemos atribuir esse forte crescimento da pré-candidatura de Dilma numa fase em que a campanha eleitoral não está ainda “na boca do povo”? É interessante destacarmos que a própria coordenação de campanha de Dilma se surpreendeu com este resultado, uma vez que o empate era esperado apenas para a primeira quinzena de julho, quando a campanha eleitoral já estivesse nas ruas. Neste aspecto, os petistas acreditavam que a associação com o presidente Lula, logo no início da campanha, iria impulsionar o desempenho da ex-ministra nas pesquisas.
Mas o avanço de Dilma veio dois meses antes do esperado, ampliando o otimismo no campo governista e, por outro lado, levando desconforto e um certo desespero para a oposição, que encerra o mês de maio já com fortes atritos na sua base. Muitos líderes oposicionistas atribuem o forte crescimento de Dilma às inserções do PT ao longo do mês de maio e também ao programa do Partido no rádio e na TV, que foi ao ar na noite do último dia 13 de maio. Nestas inserções e no programa partidário colou-se a imagem de Dilma a Lula, deixando claro aos telespectadores e ouvintes que a petista representa a continuidade do governo Lula. Embora faça muito sentido o efeito da propaganda partidária sobre a intenção de votos, será que isso por si só explica o forte crescimento de Dilma?
A resposta é não. Em primeiro lugar, devemos levar em conta que nas duas pesquisas onde a ex-ministra aparece à frente do ex-governador de São Paulo , as entrevistas de campo foram feitas entre os dias 8 e 13 de maio (no caso da Vox Populi) e 13 e 14 de maio (no caso da CNT/Sensus). Ou seja, ainda que todo o eleitorado tivesse assistido às inserções do PT e ao programa partidário, os seus efeitos sobre a intenção de voto desses eleitores ainda não teriam sido plenamente captados pelas referidas pesquisas. Em segundo lugar, devemos atentar para o fato de que apenas uma pequena parcela dos eleitores assistiu ao programa partidário e às inserções do PT.
Para se ter uma idéia, de acordo com uma pesquisa do Datafolha divulgada no dia 22 de maio, apenas 33% dos entrevistados declararam – espontaneamente – que assistiram algum tipo de propaganda partidária na TV nos últimos 30 dias, ao passo que 67% declararam não terem assistido nenhum tipo de propaganda partidária na televisão. Dos que declararam terem visto algum tipo de propaganda na TV, 21% afirmaram que viram propaganda de Dilma, 14% de Serra, 8% de Marina Silva (PV), 5% do PT, 2% do PSDB e 2% do PV. Quando a pergunta é feita em relação a todo o ano de 2010, 55% dos entrevistados responderam, de forma espontânea, que não assistiram a nenhum tipo de propaganda partidária na TV.
O que se vê aqui é que a consistente trajetória de crescimento de Dilma nas pesquisas eleitorais tem muito pouco a ver com inserções ou com o programa partidário do PT, posto que a grande maioria dos eleitores não assistiu aos programas. A razão mais intuitiva não dá conta, pelo que se pode perceber, de explicar a totalidade do crescimento de Dilma. Voltamos, então, à questão feita em parágrafos anteriores: o que ocasionou esse bom desempenho da petista nessa segunda fase da pré-campanha, que a priori deveria ser uma fase mais “morna”? Devemos levar em conta aqui dois aspectos importantes que contribuíram bastante para o crescimento de Dilma: a firmeza no discurso da pré-candidata (e o fato dela assumir o projeto que representa) e a costura de alianças nos estados.
A montagem dos palanques estaduais
Um dos fatores muito positivos à pré-candidatura de Dilma Rousseff diz respeito ao êxito na montagem dos palanques estaduais. Isto porque, no atual desenho da democracia brasileira, o eleitor tende a ter uma proximidade maior das lideranças proporcionais do que de lideranças majoritárias. Ou seja, é razoável supor que o êxito de uma candidatura é diretamente proporcional ao número de parlamentares que ela agrega ao seu redor, pois isso lhe confere uma maior penetração junto ao eleitorado. Neste ponto, a aliança com o PMDB, o maior partido brasileiro, é um fator muito importante para a candidatura governista, especialmente em regiões onde o partido tem forte penetração, como no Nordeste brasileiro, por exemplo.
Mas a grande novidade entre abril e maio não ficou por conta do PMDB, já que esta aliança estava praticamente sinalizada desde novembro do ano passado. O fato novo foi a adesão do PSB à base de aliados da pré-candidatura da ex-ministra da Casa Civil, após o partido optar pelo não lançamento da candidatura do deputado federal Ciro Gomes (PSB-SP). Com a entrada do PSB na coligação que apóia Dilma, o que deve ser oficializado em junho com as convenções nacionais dos partidos, a ex-ministra ganha palanques fortes e importantes já no primeiro turno, como é o caso do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. O próprio envolvimento das lideranças regionais desses partidos aliados dá uma ampla margem de crescimento para a pré-candidatura de Dilma nos estados.
Caso contrário acontece com a pré-candidatura de José Serra, que não tem conseguido êxito na ampliação das costuras regionais. Assim, os palanques estaduais para o tucano ficam cada vez mais apoiados na aliança nacional entre PSDB, DEM e PPS. Há somente raras exceções onde o tucano consegue apoio de dissidentes nos estados do PMDB e do PP, como é o caso de São Paulo, Pará e, ao que tudo indica, Rio Grande do Sul. De qualquer forma, na contabilidade eleitoral, quem leva a melhor no que depender dos palanques estaduais é a pré-candidata Dilma Rousseff.
O discurso da continuidade
Outro fator que explica o crescimento consistente da pré-candidatura de Dilma, e que passa pela costura das alianças nos estados, é a forte assimilação pelos eleitores de que a petista representa a genuína continuidade do governo Lula. Vejamos: embora grande parte do eleitorado não tenha assistido aos programas partidários, o grau de conhecimento de Dilma é cada vez maior. Como isso se explica? Ora, nesta segunda-fase da pré-campanha, todos os pré-candidatos realizaram agendas nos estados, onde foram recebidos pelas lideranças locais, deram entrevistas às emissoras de rádio e TV da região e, com isso, passaram a ser mais conhecidos pelo eleitorado. Isso ocorreu tanto com Dilma quanto com Serra.
Naturalmente, Serra ainda é bem mais conhecido que a petista, até pelo fato de que ele já disputou uma eleição presidencial em 2002. Assim, existe uma margem de crescimento muito maior para Dilma do que para o tucano. E em suas andanças pelo país, a ex-ministra teve grande facilidade em encontrar o tom do seu discurso: tendo sido parte central do governo Lula, que caminha para o seu término com níveis de aprovação estratosféricos, Dilma logo se apresentou como continuidade desse governo, defendendo o mesmo projeto que Lula, o que naturalmente foi muito bem recebido pelos eleitores. Já o tucano José Serra ainda patina para encontrar o tom do seu discurso.
Ora, Serra não pode utilizar um discurso muito crítico a Lula, pois o presidente tem uma enorme aprovação popular e qualquer traço de “anti-Lula” que o eleitor identifique no tucano já pode ser fatal para sua pré-candidatura. De início, o ex-governador de São Paulo tentou apresentar-se como o “pós-Lula”, se esforçando para convencer o eleitor de que ele era uma continuidade mais real do que Dilma. Não colou. E as pesquisas eleitorais estão aí para corroborar isto. Agora, Serra amplia o tom das críticas ao governo Lula. A estratégia ainda está em teste, mas a possibilidade de sucesso é remota, já que ela deve agradar apenas a 20% dos eleitores que avaliam o governo Lula como regular ou ruim.
Percebe-se, portanto, que o crescimento da pré-candidatura de Dilma nesta segunda fase da pré-campanha está muito mais relacionado à associação da petista como continuidade do governo Lula e também às costuras das alianças regionais do que propriamente aos programas e inserções de rádio e TV do PT. A pré-campanha caminha agora para sua terceira fase: o período das convenções partidárias e do selo das alianças. Essa fase coincide com o período de Copa do Mundo e é bastante possível que a eleição fique em segundo plano, pelo menos para a grande maioria dos brasileiros.
É um período que os pré-candidatos devem intensificar os trabalhos de bastidores e prepararem-se para colocar, de fato, o bloco na rua a partir do dia 5 de julho, quando oficialmente começa a campanha eleitoral. Saímos da segunda fase da pré-campanha com duas conclusões: primeiro, que o cenário é muito mais favorável a Dilma e segundo, que o tucano José Serra tem como principal adversário ele mesmo, já que está sem discurso e com atritos em sua base de apoio.
Leandro, parabéns pelo brilhante artigo aqui publicado. Tomei a liberdade de reproduzí-lo em meu blog, com as devidas referências.
ResponderExcluirSiga sempre assim.
Abraços! João Silva.
http://joaosilvaonline.blogspot.com/
Obrigado, companheiro!
ResponderExcluirFique sempre à vontade! Aqui no boteko você está em casa!
Grande abraço!