Escritos há mais de cinqüenta anos pelo extraordinário poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, os versos de um de seus mais conhecidos poemas – “José” – nunca pareceram tão bem contextualizados diante do cenário eleitoral que se deflagra no Brasil neste ano. “Sozinho no escuro/qual bicho-do-mato,/sem teogonia,/sem parede nua/para se encostar,/sem cavalo preto/que fuja a galope,/você marcha, José!/José, pra onde?”. Após a divulgação de três importantes pesquisas na última semana – Vox Populi, CNT/Sensus e Datafolha – mostrando forte crescimento da pré-candidatura governista de Dilma Rousseff e queda do tucano José Serra, a pergunta que todos se fazem no meio político é a mesma do poeta de Itabira: “José, pra onde?”.
Mais do que mostrar um forte avanço da petista, até então desconhecida para a grande maioria dos brasileiros, e uma estagnação, para se dizer o mínimo, da pré-candidatura de José Serra, as recentes pesquisas revelam um cenário bastante favorável para um crescimento ainda maior de Dilma Rousseff. Isto porque a petista tem duas coisas que contam muito a seu favor: a primeira delas é o apoio do presidente mais popular da História recente do Brasil, que deve lhe garantir um bom percentual de votos até outubro. Todas as pesquisas divulgadas revelam que uma expressiva parcela do eleitorado declara que votará com certeza no candidato – ou candidata, no caso – apoiado por Lula.
No Nordeste, por exemplo, mais de 50% dos eleitores, na média, declaram que votarão certamente naquele candidato que Lula recomendar. Sem contar o percentual expressivo de eleitores que declara que pode votar no candidato apoiado por Lula, dependendo naturalmente do nome. Isso por si só já estabelece um cenário de amplo potencial de crescimento para a candidatura de Dilma Rousseff, que deve galgar níveis ainda maiores de aceitação pelo eleitorado a partir de agosto, quando tem início a propaganda eleitoral de rádio e TV. Qual seria, então, o segundo fator que colabora para o desenho de um cenário amplamente favorável à candidatura governista?
Serra e a artificialidade do “pós-Lula”
Ora, o segundo fator que tem contribuído decisivamente para as excelentes perspectivas de crescimento da candidatura de Dilma é a dificuldade que a campanha do seu principal adversário, José Serra, está tendo para acertar “a mão” de sua estratégia no jogo eleitoral. Vejamos: diante dos elevados índices de aprovação do presidente Lula e de seu governo, uma estratégia que apresentasse o tucano como uma oposição a Lula seria uma forma de “kamikaze” político, pois a grande maioria dos brasileiros deseja uma continuidade do governo Lula, como mostram todas as pesquisas divulgadas recentemente.
Qual foi a opção adotada, então, pela coordenação da campanha de Serra desde o lançamento de sua pré-candidatura, no dia 10 de abril? Os demo-tucanos optaram pelo óbvio: Serra travestiu-se de um personagem amigável, meigo, simpático – que em nada lembrava o sisudo José Serra dos últimos sete anos – e que se apresentava ao eleitor como um “pós-Lula”. Elogios ao presidente não faltaram: em todos os locais por onde passava – seja nos estados onde Lula é mais popular ou em entrevistas a programas, como o do jornalista José Luiz Datena, da Band – o pré-candidato tucano destacava o carisma do presidente Lula e reconhecia os avanços de seu governo.
Serra tentou se tornar, assim, um “governista de última hora”, com o claro objetivo de arrebanhar parte do eleitor cativo de Lula. Por outro lado, o tucano não poupou críticas indiretas à pré-candidata petista, à qual ele tentou insistentemente colar o rótulo da “falta de experiência” pelo fato de Dilma não ter ainda ocupado cargo eletivo, ignorando assim a longa trajetória da petista na vida pública. O que o tucano pretendia com isso era provar o improvável: que ele é uma continuidade do governo Lula mais natural do que a própria Dilma, que é a candidata apoiada pelo presidente. Ao evitar correr o risco de se apresentar como um candidato de oposição a Lula, Serra preferiu usar um discurso que o aproximasse do presidente. Não colou.
Tanto não colou que as pesquisas – todas elas – mostraram um forte crescimento de Dilma. Na Vox Populi e na CNT/Sensus, a petista já aparece à frente do ex-governador de São Paulo, embora, considerando-se a margem de erro, estejam tecnicamente empatados. E até mesmo a Datafolha, que nos dois levantamentos anteriores nadou contra a maré e mostrou Serra bem à frente de Dilma (enquanto os outros institutos mostravam empate), na pesquisa divulgada neste sábado, 22, registrou forte crescimento da ex-ministra e recuo do tucano, colocando os dois empatados com 37% das intenções de voto.
Que caminho seguir?
A pré-campanha caminha, assim, para sua fase final mostrando um cenário que está longe de ser aquele esperado pela oposição. A estratégia do Serra “pós-Lula”, utilizada até aqui, mostrou-se artificial e insuficiente para conter o avanço de Dilma. Entra aqui a pergunta de Drummond: “E agora, José?”. Serra tem basicamente dois caminhos: ou continua investindo nessa estratégia artificial de se apresentar como pós-Lula ou então segue os desejos de boa parte de seus aliados – que é a radicalização do discurso e o crescimento do tom das críticas ao presidente Lula e, em especial, à ex-ministra Dilma Rousseff.
Em um cenário de estratosférica aprovação popular do governo Lula, o ônus da segunda possibilidade de caminho a ser trilhado por Serra é certo. Por outro lado, seguir com a mesma estratégia de se apresentar como “governista de última hora” tira de Serra a posição de agente de sua própria campanha, já que o êxito de sua candidatura passa a depender menos dele e mais de erros na campanha de Dilma. Não é preciso ser analista político para dizer o quanto isso é arriscado, especialmente pelo fato da ex-ministra estar muito bem assessorada e estar se saindo cada dia melhor em suas entrevistas e discursos.
Dilma tem uma vantagem que o tucano não tem nessa eleição: ela tem o conforto de poder assumir o projeto que representa, de dizer abertamente que é a candidata da continuidade. O ex-governador de São Paulo, por outro lado, carrega o desconforto de não poder assumir o seu projeto político e de ter que esconder o seu próprio DNA político para evitar associações com o governo FHC, do qual ele foi parte integrante. Aliás, parece que FHC mais uma vez é a pedra no sapato de Serra: em 2002, quando concorreu com Lula à Presidência, Serra tinha que dizer que não era continuidade, já que todos queriam a mudança. Agora, oito anos depois, Serra tem que dizer que é a continuidade, já que ninguém quer a mudança.
O que se vê aqui é que o horizonte eleitoral não está nem um pouco favorável para o tucano. Se subir o tom das críticas ao presidente Lula e à ex-ministra Dilma pode matar por antecipação a possibilidade de êxito da candidatura de Serra, seguir se apresentando como “pós-Lula” e confiando apenas em erros no campo da candidatura governista pode levar ao tucano a mais um desempenho vexatório nas urnas. Como se pode perceber, a situação de Serra não está nada fácil. Assim como o eu-lírico de Drummond, Serra segue marchando. “José, pra onde?”.
Mais do que mostrar um forte avanço da petista, até então desconhecida para a grande maioria dos brasileiros, e uma estagnação, para se dizer o mínimo, da pré-candidatura de José Serra, as recentes pesquisas revelam um cenário bastante favorável para um crescimento ainda maior de Dilma Rousseff. Isto porque a petista tem duas coisas que contam muito a seu favor: a primeira delas é o apoio do presidente mais popular da História recente do Brasil, que deve lhe garantir um bom percentual de votos até outubro. Todas as pesquisas divulgadas revelam que uma expressiva parcela do eleitorado declara que votará com certeza no candidato – ou candidata, no caso – apoiado por Lula.
No Nordeste, por exemplo, mais de 50% dos eleitores, na média, declaram que votarão certamente naquele candidato que Lula recomendar. Sem contar o percentual expressivo de eleitores que declara que pode votar no candidato apoiado por Lula, dependendo naturalmente do nome. Isso por si só já estabelece um cenário de amplo potencial de crescimento para a candidatura de Dilma Rousseff, que deve galgar níveis ainda maiores de aceitação pelo eleitorado a partir de agosto, quando tem início a propaganda eleitoral de rádio e TV. Qual seria, então, o segundo fator que colabora para o desenho de um cenário amplamente favorável à candidatura governista?
Serra e a artificialidade do “pós-Lula”
Ora, o segundo fator que tem contribuído decisivamente para as excelentes perspectivas de crescimento da candidatura de Dilma é a dificuldade que a campanha do seu principal adversário, José Serra, está tendo para acertar “a mão” de sua estratégia no jogo eleitoral. Vejamos: diante dos elevados índices de aprovação do presidente Lula e de seu governo, uma estratégia que apresentasse o tucano como uma oposição a Lula seria uma forma de “kamikaze” político, pois a grande maioria dos brasileiros deseja uma continuidade do governo Lula, como mostram todas as pesquisas divulgadas recentemente.
Qual foi a opção adotada, então, pela coordenação da campanha de Serra desde o lançamento de sua pré-candidatura, no dia 10 de abril? Os demo-tucanos optaram pelo óbvio: Serra travestiu-se de um personagem amigável, meigo, simpático – que em nada lembrava o sisudo José Serra dos últimos sete anos – e que se apresentava ao eleitor como um “pós-Lula”. Elogios ao presidente não faltaram: em todos os locais por onde passava – seja nos estados onde Lula é mais popular ou em entrevistas a programas, como o do jornalista José Luiz Datena, da Band – o pré-candidato tucano destacava o carisma do presidente Lula e reconhecia os avanços de seu governo.
Serra tentou se tornar, assim, um “governista de última hora”, com o claro objetivo de arrebanhar parte do eleitor cativo de Lula. Por outro lado, o tucano não poupou críticas indiretas à pré-candidata petista, à qual ele tentou insistentemente colar o rótulo da “falta de experiência” pelo fato de Dilma não ter ainda ocupado cargo eletivo, ignorando assim a longa trajetória da petista na vida pública. O que o tucano pretendia com isso era provar o improvável: que ele é uma continuidade do governo Lula mais natural do que a própria Dilma, que é a candidata apoiada pelo presidente. Ao evitar correr o risco de se apresentar como um candidato de oposição a Lula, Serra preferiu usar um discurso que o aproximasse do presidente. Não colou.
Tanto não colou que as pesquisas – todas elas – mostraram um forte crescimento de Dilma. Na Vox Populi e na CNT/Sensus, a petista já aparece à frente do ex-governador de São Paulo, embora, considerando-se a margem de erro, estejam tecnicamente empatados. E até mesmo a Datafolha, que nos dois levantamentos anteriores nadou contra a maré e mostrou Serra bem à frente de Dilma (enquanto os outros institutos mostravam empate), na pesquisa divulgada neste sábado, 22, registrou forte crescimento da ex-ministra e recuo do tucano, colocando os dois empatados com 37% das intenções de voto.
Que caminho seguir?
A pré-campanha caminha, assim, para sua fase final mostrando um cenário que está longe de ser aquele esperado pela oposição. A estratégia do Serra “pós-Lula”, utilizada até aqui, mostrou-se artificial e insuficiente para conter o avanço de Dilma. Entra aqui a pergunta de Drummond: “E agora, José?”. Serra tem basicamente dois caminhos: ou continua investindo nessa estratégia artificial de se apresentar como pós-Lula ou então segue os desejos de boa parte de seus aliados – que é a radicalização do discurso e o crescimento do tom das críticas ao presidente Lula e, em especial, à ex-ministra Dilma Rousseff.
Em um cenário de estratosférica aprovação popular do governo Lula, o ônus da segunda possibilidade de caminho a ser trilhado por Serra é certo. Por outro lado, seguir com a mesma estratégia de se apresentar como “governista de última hora” tira de Serra a posição de agente de sua própria campanha, já que o êxito de sua candidatura passa a depender menos dele e mais de erros na campanha de Dilma. Não é preciso ser analista político para dizer o quanto isso é arriscado, especialmente pelo fato da ex-ministra estar muito bem assessorada e estar se saindo cada dia melhor em suas entrevistas e discursos.
Dilma tem uma vantagem que o tucano não tem nessa eleição: ela tem o conforto de poder assumir o projeto que representa, de dizer abertamente que é a candidata da continuidade. O ex-governador de São Paulo, por outro lado, carrega o desconforto de não poder assumir o seu projeto político e de ter que esconder o seu próprio DNA político para evitar associações com o governo FHC, do qual ele foi parte integrante. Aliás, parece que FHC mais uma vez é a pedra no sapato de Serra: em 2002, quando concorreu com Lula à Presidência, Serra tinha que dizer que não era continuidade, já que todos queriam a mudança. Agora, oito anos depois, Serra tem que dizer que é a continuidade, já que ninguém quer a mudança.
O que se vê aqui é que o horizonte eleitoral não está nem um pouco favorável para o tucano. Se subir o tom das críticas ao presidente Lula e à ex-ministra Dilma pode matar por antecipação a possibilidade de êxito da candidatura de Serra, seguir se apresentando como “pós-Lula” e confiando apenas em erros no campo da candidatura governista pode levar ao tucano a mais um desempenho vexatório nas urnas. Como se pode perceber, a situação de Serra não está nada fácil. Assim como o eu-lírico de Drummond, Serra segue marchando. “José, pra onde?”.
Ótima e lúcida análise.
ResponderExcluir