quarta-feira, 12 de maio de 2010

Qual é o Banco Central que queremos?



O cenário eleitoral e a recente decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de elevar a taxa básica de juro da economia brasileira – a Selic – em 0,75 ponto percentual, para 9,5% ao ano, reacenderam o debate sobre a autonomia do Banco Central e o seu papel na condução da política monetária. Neste aspecto, os dois principais postulantes à Presidência da República – Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) – passaram a última semana fazendo suas análises e comentários a respeito da condução da política de juros do país.

Enquanto a pré-candidata do PT foi firme em defender a autonomia do Banco Central, o tucano apresentou posições contraditórias, uma vez que declarou inúmeras vezes que é favorável à autonomia da instituição, mas ao mesmo tempo estabeleceu críticas ao recente aumento do juro, dando a entender que se fosse eleito presidente isso não aconteceria. O incômodo de Serra sobre esta questão chegou a tal ponto que na segunda-feira, 10, durante uma entrevista à rádio CBN, ele se irritou com uma pergunta feita sobre este assunto pela jornalista Miriam Leitão, reagindo de uma forma bem agressiva.

Mas qual a importância dessa discussão para a agenda eleitoral? Qual é a diferença de fato entre um Banco Central mais autônono e outro menos autônomo? E o que isso tem a ver com a condução da política econômica? Ou melhor, como esse tipo de discussão pode afetar o dia-a-dia dos 190 milhões de brasileiros? Para responder a estas questões e entender melhor o posicionamento de cada pré-candidato sobre o tema, passemos a compreender, inicialmente, o papel do Banco Central na economia brasileira, avaliando quais as suas possibilidades de ação e a importância delas para o equilíbrio macroeconômico.

O Banco Central e a condução da política monetária
Criado em 1964, o Banco Central está vinculado ao Ministério da Fazenda e exerce a função de autoridade monetária no Brasil. O que isso significa? Isto quer dizer que o BC é o responsável pela administração total dos meios de pagamento existentes no país: ou seja, as atribuições da autoridade monetária vão desde a simples emissão de papel-moeda até a salvaguarda do valor dessa moeda. Neste sentido, o BC não apenas emite como ele zela do poder de compra da moeda, o que é feito mediante o controle inflacionário. Para desempenhar essa função, o BC tem à sua disposição instrumentos para tal, como as taxas de juros, os depósitos compulsórios e as taxas de redesconto.

Em 1996, foi criado o Copom – Comitê de Política Monetária – com o papel específico de definir a taxa básica de juros da economia, a chamada taxa Selic. Para quem não sabe, a Selic é a taxa média cobrada nos financiamentos diários, de curtíssimo prazo (que chamamos em economia de “overnight”), em operações interbancárias que têm como lastro os títulos do Tesouro Nacional. Colocando de uma maneira mais compreensível, esta taxa é usada para operações de curtíssimo prazo entre os bancos, que, quando querem tomar recursos emprestados de outros bancos por um dia, oferecem títulos públicos como lastro (garantia), visando reduzir o risco, e, consequentemente, a remuneração da transação (juros).

Por isso, a taxa Selic serve de referencial para todas as outras taxas de juros praticadas na economia, o que justifica a tratarmos como sendo a taxa básica de juro da economia brasileira. A sua definição pelo Copom faz parte do que chamamos de Política Monetária – que é justamente a definição da tendência assumida pelos juros na economia tendo em vista o controle inflacionário. Ora, sabe-se que a inflação é uma elevação geral no nível de preços da economia, sendo que ela possui três componentes básicos: a inflação de demanda (maior demanda, maiores preços), a inflação de oferta (menor oferta, maiores preços) e um componente inercial, além dos fatores exógenos que podem impactar no nível interno de preços da economia.

Assim, em um cenário onde existe risco de aceleração inflacionária, o Copom promove a elevação da taxa básica de juro, haja vista que maiores juros tendem a inibir o consumo e pressionar, portanto, a demanda. Podemos dizer que quando a autoridade monetária eleva a taxa de juro ela está pretendendo frear o avanço dos preços na economia. Por outro lado, em cenários onde não existe o risco de inflação, a autoridade monetária pode reduzir os juros, já que existe espaço suficiente para crescimento da demanda sem que esta elevação signifique um novo avanço inflacionário.

A autonomia do Banco Central
Nos últimos anos, o Banco Central tem tido um papel cada vez mais autônomo do ponto de vista da política monetária. É preciso sublinhar aqui que quando falarmos em autonomia daqui por diante estaremos tratando de questões relativas à condução da política monetária e não da autonomia operacional, posto que esta última envolve uma discussão mais ampla, já que entra em aspectos constitucionais. Do ponto de vista da política monetária, portanto, o BC tem tido um papel autônomo. Há que se considerar aqui a diferença entre um banco central autônomo e um independente.

Enquanto um banco central independente formula sua política monetária sem seguir a orientação de uma política econômica mais ampla, tomada por algum órgão externo ou governo, um banco central autônomo tem liberdade para formular sua política monetária, mas esta tem que estar de acordo com a política econômica vigente. Trabalhos acadêmicos feitos ao longo da década de 90 e 2000 evidenciam uma correlação direta entre o maior grau de autonomia dos bancos centrais e menores níveis de inflação em seus respectivos países. Ou seja, em países onde os bancos centrais têm um maior grau de autonomia, a inflação tende a ser menor e vice-versa.

É importante, portanto, esse tipo de autonomia do Banco Central reforçado ao longo de todo governo Lula, uma vez que essa postura reduz a exposição da política monetária a fatores de cunho meramente político. A decisão do Banco Central, dessa maneira, é tomada levando-se em conta aspectos técnicos da economia e não fatores políticos que possam satisfazer parte dos agentes econômicos, mas por outro lado colocar em risco a estabilidade monetária do país. Vejamos: logicamente, é desejo de todo o setor produtivo que os juros sejam tão baixos quanto for possível. Afinal de contas, menores juros representam ampliação dos investimentos e crescimento econômico.

Se tivermos um Banco Central que não tenha autonomia ampla para a condução da política monetária, corremos o risco de que suas decisões sejam “contaminadas” por fatores eleitoreiros, por exemplo, nos quais, para agradar segmentos da sociedade, os juros seriam fortemente reduzidos a despeito do risco de maior inflação no médio e longo prazo. E não é isso que temos visto no Brasil ao longo desses últimos anos. A autonomia do BC garante, neste aspecto, a robustez da política monetária e a conseqüente melhora dos fundamentos econômicos.

Redução gradativa dos juros e controle da inflação
Basta checar, neste sentido, a tendência da taxa básica de juro nestes últimos anos. Em 2002, a Selic estava em 25% ao ano, em um cenário de inflação na casa dos dois dígitos. No primeiro semestre de 2003, o Copom elevou ainda mais a taxa básica de juro, colocando-a no patamar de 26,5% ao ano naquele período. Contudo, a resposta da inflação foi a desejada: com essa medida, o Banco Central conseguiu trazer a inflação de volta para a casa de um dígito e desde então os preços têm crescido em velocidade cada vez menor, respeitando, naturalmente, os repiques sazonais típicos de certas épocas do ano.

Desde então, iniciou-se um processo de redução da taxa de juro – não por motivação política, mas sim porque havia espaço na avaliação técnica para que houvesse essas baixas – e a Selic atualmente é de 9,5% ao ano, ou seja, um valor bem abaixo daquele verificado quase oito anos atrás. O que se percebe aqui é que a autonomia dada pelo governo Lula ao Banco Central possibilitou que tivéssemos uma trajetória declinante tanto da taxa de juros quanto do nível de inflação na economia brasileira, de forma que a elevação de 0,75 ponto percentual nessa última reunião do Copom nada mais foi do que um ajuste feito a partir de critérios técnicos.

E, neste aspecto, a pré-candidata do PT tem total razão ao defender a continuidade desse modelo de autonomia do Banco Central, uma vez que qualquer tipo de intervenção externa na decisão do Copom pode ser altamente nociva para o equilíbrio macroeconômico. O discurso do pré-candidato tucano, por sua vez, sobre a política de juros do Banco Central, além de contraditório, é demagógico, pois se levarmos em conta toda a série histórica da Selic, constataremos que durante os oito anos de governo Lula, no qual foi reforçado esse papel autônomo do BC, a taxa básica de juro caiu gradativamente. Basta comparar: 25% ao ano em dezembro de 2002 e 9,5% ao ano em maio de 2010.

Dessa maneira, qualquer tipo de crítica à condução da política monetária e à autonomia do Banco Central nesse quesito é desprovida de fundamento prático e também teórico, uma vez que o modelo tem se mostrado bastante acertado e coerente com a política econômica geral de maior crescimento econômico. Dizer que os juros poderiam ter caído ao invés de terem sido ajustados para cima, como fez o pré-candidato tucano, é duvidar da capacidade dos diretores do BC em analisar tecnicamente o cenário econômico e também usar de demagogia para procurar agradar determinados setores da sociedade. É preciso que o BC continue seguindo esse modelo de autonomia na condução da política monetária, a fim de que tenhamos sempre garantidos os fundamentos da economia brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário