sábado, 19 de junho de 2010

Ao El País, Dilma reforça que continuará governo Lula, "não para repetir e sim progredir"

Aproveitando uma rápida passagem da candidata do PT na disputa presidencial brasileira, Dilma Rousseff, por Madrid, o jornal espanhol El País realizou uma entrevista com a ex-ministra, na qual se discutiu basicamente o projeto de governo de Dilma. Em sua reportagem, o El País destacou, além das propostas gerais da candidata, o passado de Dilma: sua militância política contra a ditadura militar, sua atuação no governo Lula e o conseqüente apoio recebido do presidente que, segundo o jornal espanhol, “é o político mais popular e carismático da história brasileira”.

Segundo o jornal, a petista “tem fama de dura, mas isso é impossível de se confirmar em uma entrevista apenas. Pode-se dizer que ela é energética, que parece muito segura de si mesma e que não gosta que a interrompam”. A matéria salientou ainda, sobre Dilma, que “em Madrid esteve apenas poucas horas. E por ser quem é não é demais destacar que chegou com uma comitiva modesta e se hospedou em um hotel também modesto”. Abaixo a íntegra da entrevista de Dilma ao El País:

El País: Se ganhar seguirá o modelo político de Lula?
Dilma: Vou continuar o modelo de Lula, mas com coração e alma de mulher. Não para repetir e sim para progredir. Para mim, a mulher tem uma grande capacidade de cuidar e, ao mesmo tempo, de estimular. É claro que o homem também pode ser cuidadoso, mas o olhar feminino é distinto. No Programa Bolsa Família, por exemplo, quem recebe o dinheiro é a mãe. Em primeiro lugar, porque ela tem um papel chave na coesão da família. E em segundo lugar porque... acaso você conhece uma mãe que se lhe dão dinheiro ela não o destine ao bem estar de seus filhos? Difícil, não? No Brasil, uma das maiores tarefas pendentes é a recomposição dos laços. Melhorar a situação econômica não basta, também há que se reconstruir a família porque é a chave para melhorar a educação, para combater a violência... Enfim, para se crescer como sociedade. Essa recomposição dos laços familiares deve ser colocada no centro da agenda política. E não é tarefa para um mandado, mas sim para anos de trabalho... No Brasil, privilegiar a mulher não é uma política de gênero, é uma política social. As mulheres encabeçam 30% das famílias brasileiras. Nós mulheres somos 52% da população e os 48% restantes são nossos filhos. Não se trata de criar um matriarcado, mas sim de dar à mulher a importância que ela tem para a estrutura familiar. Lula tem uma enorme sensibilidade com este tema, ele foi criado por uma mulher forte.

El País: Não teme que a sombra de Lula prejudique sua carreira?
Dilma: Sou a ministra da Casa Civil. Sou quem coordena os ministros e os principais projetos do governo. Tenho trabalhado intimamente com o presidente Lula nos últimos cinco anos e meio. Seu êxito é o meu. Tenho sido seu braço direito e esquerdo. Ele não será meu ministro se eu chegar ao governo, mas sempre estarei aberta às suas propostas. Temos uma relação muito forte.

El País: É a primeira vez que disputa um cargo eletivo. Como se sente? Como está sua saúde?
Dilma: A pressão é a mesma de quando se está no governo, talvez até um pouco menor, porque quando se governa tem que dar respostas todos os dias. O processo eleitoral é distinto: há discussões, debates, viagens... Mas me permite estar mais perto das pessoas. E o povo brasileiro é muito alegre, muito carinhoso. Gosto muito, na verdade. E minha saúde vai muito bem.

El País: Em um eventual governo, como combinará as políticas de crescimento econômico com a proteção do meio ambiente?
Dilma: No Brasil, 87% da energia elétrica procedem das usinas hidrelétricas, quer dizer, são renováveis. Aliado a isso, a energia eólica está aumentando significativamente. Nosso parque automobilístico, por outro lado, utiliza o etanol, um combustível que não é fóssil. Se você me pergunta se teremos que derrubar árvores para plantar mais cana de açúcar, lhe digo que não. O Brasil tem uma das tecnologias agrícolas mais importantes do mundo e as pesquisas para produzir mais em menos território avançam. Não é correto dizer que se precisa de mais terra para produzir mais. O que se necessita é uma melhor tecnologia para se aproveitar melhor os terrenos de cultivo. É isso que fazemos no Brasil. E permita-me dizer que a Amazônia não só é protegida por lei, mas que também não possui um terreno fértil para o cultivo.

El País: Quais seriam as principais diferenças do seu modelo com o que propõe José Serra?
Dilma:
A diferença mais importante é que nós sabemos como construir as condições para o crescimento sustentável. Crescemos ao mesmo tempo que distribuímos riqueza. No Brasil atualmente existe mobilidade social e a gente sabe que amanhã estará melhor: 24 milhões de brasileiros deixaram a pobreza e outros 31 milhões ascenderam socialmente. Mas ainda há muito o que fazer, já que ainda existem 50 milhões de brasileiros que ganham menos de um salário mínimo. Temos que investir muito em educação de qualidade, porque isso nos permitirá estimular o emprego formal. Este ano serão criados 2 milhões de empregos deste tipo.

El País: Quais serão as linhas mestras de sua política externa?
Dilma: O Brasil sempre teve uma política externa focada em poucos países. Os grandes êxitos dos últimos anos têm sido o avanço do multilateralismo e a consciência que o país tomou de sua importância dentro da América Latina. Atuamos com respeito e sem intromissões nas políticas internas. Não somos imperialistas. Queremos a cooperação entre os países, não políticas de imposição. Não podemos ser ricos e rodeados de pobres, por isso o impulso à infra-estrutura regional é vital para nós. É muito importante também a relação com a África e com os BRICs (Rússia, Índica, China e África do Sul). O Irã tem o direito de desenvolver um programa nuclear para uso civil e submeter seu programa com a maior transparência possível ao controle por parte de organismos internacionais é a melhor política. Mas não creio que essa questão deva se resolver com sanções e sim com o diálogo. É preciso construir portas, não levantar muros.

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