sábado, 12 de junho de 2010

O profético poeta Drummond e as eleições presidenciais

Interessante notarmos como a literatura pode dialogar com a política em diferentes espaços de tempo. É essa percepção que temos quando nos deparamos com os versos do grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade. Nascido em Itabira, cidadezinha do interior de Minas Gerais, Drummond escreveu, em 1942, um famoso poema – “José” – que, analisado à luz do atual cenário eleitoral brasileiro, ganha um tom “profético”. Profético por duas razões: a primeira delas, e mais óbvia, porque o “José” aludido nos versos de Drummond está perdido, sem rumo, sem discurso, sem luz no fim do túnel, tal como o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra.

Aparentemente, após um período de “festa”, de “sucesso”, eis que o eu-lírico drummondiano se depara com as mais diversas situações adversas, o que nos permite identificar uma íntima correlação com o momento político que vive o José das eleições presidenciais de 2010. Com um leque reduzido de aliados, o que lhe confere uma desvantagem no processo eleitoral, “a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu” também para José Serra. Isso é nítido. A segunda razão, por sua vez, que faz emergir um tom profético dos versos de Drummond diz respeito à própria naturalidade do poeta: assim como em 1942 um poeta mineiro sentencia um futuro obscuro para o seu “José”, em 2010 é Minas Gerais que também sentencia um cenário ruim para o José da disputa eleitoral.

Afinal de contas, a última esperança da oposição, que lança a candidatura do seu José, era de que o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, aceitasse ser vice da chapa demo-tucana. Impelido talvez pelo mesmo sentimento que tomou conta de Drummond mais de 50 atrás, o mineiro Aécio determina um futuro nebuloso para José. “Sozinho no escuro, qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope”, o José da disputa presidencial de 2010 segue marchando, mas, da mesma forma que o eu-lírico de Drummond, sem saber para onde. Abaixo, os versos proféticos de Drummond, que mostram que literatura e política podem ter muito mais coisas em comum do que se pressupõe.

José

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?"

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