sábado, 15 de janeiro de 2011

Inundações em regiões próximas a represas em SP: há como o governo do Estado evitar isto?

Moradores de pelo menos três áreas do Estado de São Paulo estão sofrendo, nos últimos dias, com inundações provocadas pela abertura de comportas de represas da Sabesp, após as fortes chuvas que têm atingido toda a região Sudeste. O caso mais emblemático, sem dúvida, é o de Franco da Rocha, município da Grande São Paulo que ficou submerso praticamente toda esta semana, após a abertura das comportas da represa Paiva Castro na última terça-feira (11). Mas esse drama se estende também aos moradores da região do Jardim Pantanal (que, no verão passado, ficou um mês debaixo d’água), na Zona Leste da capital, e de Jaguariúna, no interior do estado.

Em todos os casos, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo alega que a abertura das comportas é necessária para preservar a estrutura das represas frente às fortes chuvas e evitar um mal maior. De fato, o forte volume de chuvas faz com que em pouco tempo as represas, a depender do seu tamanho, encham atingindo níveis próximos ao seu limite de armazenagem de água. Para evitar um transbordamento ou, pior, um rompimento da barragem, a Sabesp aumenta a vazão das comportas, o que, por sua vez, eleva o volume de água nas calhas dos rios. Em pouco tempo, as regiões no entorno ficam submersas. Mas será que isso por si só justifica o caos provocado por essas ações à população que vive na proximidade destas represas?

Afinal de contas, o que temos visto é que a abertura das comportas é elevada de uma só vez, em um intervalo de tempo muito curto, como aconteceu nestas áreas ao longo desta semana. Por outro lado, temos instrumentos cada vez mais sofisticados de previsão meteorológica, que conseguem antecipar fortes volumes de chuvas com antecedência de algumas horas ou até mesmo dias. Tendo isto em vista, este blog levanta algumas questões para reflexão e que poderiam ser respondidas por algum engenheiro: 1) não seria possível, diante de uma previsão de forte chuva, ir ampliando aos poucos a vazão das comportas dessas represas, de forma a minimizar impactos que são causados por uma abertura abrupta?; 2) investimentos em readequação da infra-estrutura dessas represas feitos durante a época da seca não ajudariam evitar esse tipo de situação na época as chuvas?

Aumento abrupto da vazão da represa alaga Franco da Rocha
Pensemos. Em Franco da Rocha, por exemplo, as fortes chuvas que atingiram a cidade na segunda-feira (10) ampliaram a vazão do rio Juqueri, que corta a cidade, e elevaram o nível da água na represa de Paiva Castro para 97% de sua capacidade de armazenagem. Segundo a Sabesp, a Defesa Civil foi então comunicada que a vazão das comportas, que é de 1 m3/s, seria elevada já na terça-feira para pelo menos 15 m3/s, de forma a evitar o transbordamento da represa. Segundo os moradores de Franco da Rocha, a Defesa Civil passou nas casas avisando sobre essa medida da Sabesp, mas não revelou com precisão o quanto a cidade seria afetada. Na terça-feira, as comportas foram abertas e, na madrugada de quarta-feira, a represa despejava no rio Juqueri um impressionante volume de águas de 80 m3/s.

Isso, evidentemente, fez com que o volume de águas do rio Juqueri mais que dobrasse, colocando Franco da Rocha debaixo d’água. Na tarde de quarta-feira, a vazão das comportas foi reduzida para 50 m3/s e, de acordo com nota da Sabesp emitida na sexta-feira (14), já estava despejando apenas 5 m3/s nesta ocasião, volume menor, segundo a companhia, que os 18 m3/s de água que adentravam o reservatório, mas ainda maior que a vazão normal de 1 m3/s. O que percebemos aqui é que entre a vazão normal das comportas (1 m3/s na segunda-feira à noite) e o pico de abertura (80 m3/s de vazão na meia-noite de quarta-feira), o intervalo de tempo foi muito curto, elevando de uma hora para outra a vazão na calha do rio Juqueri, o que inundou a cidade de Franco da Rocha.

Voltando à questão enunciada em parágrafos anteriores, será que se esse aumento da vazão das comportas tivesse ocorrido de forma regular e feito tão logo a Sabesp tivesse recebido comunicações de fortes chuvas para o período (a meteorologia já indicava esse aumento do índice pluviométrico na quinta-feira anterior, 6 de janeiro), essa inundação não poderia ter sido evitada? A lógica é a seguinte: se a Sabesp abre progressivamente a comporta antes da ocorrência da forte chuva prevista, a vazão do rio aumentaria, mas não na mesma proporção da elevação que ocorreu já com as chuvas. O que se quer dizer é que um aumento gradual da vazão das comportas feito dias antes (desde o final de semana passado, por exemplo) faria o volume do rio subir, mas não de uma vez, como ocorreu. Como não estava chovendo forte, a água escoaria com maior rapidez pela calha do rio e essa inundação dantesca poderia ser evitada ou ao menos minimizada.

Jardim Pantanal e Jaguariúna também sofrem com inundações
Situação semelhante ocorreu com os moradores do Jardim Pantanal, na Zona Leste de São Paulo. Essa região foi duramente castigada pelas enchentes no verão passado, especialmente após a abertura das comportas da barragem da Penha, em dezembro de 2009, que provocou um alagamento descomunal na região. De acordo com relatos de moradores, as comportas do sistema do Alto Tietê (administrado pelo DAEE) foram novamente abertas nesta semana, provocando novas inundações, a despeito das obras que foram feitas pela Prefeitura na região, como a construção de um dique e de um piscinão. Vale lembrar que, por estar situada em uma região de várzea do rio Tietê, essa região está naturalmente propensa a sofrer com alagamentos. Contudo, a abertura das comportas do sistema do Alto Tietê amplia ainda mais um problema que já atinge em cheio a região.

Neste sábado, 15, três moradores da região publicaram um texto no site CMI Brasil relatando o que está ocorrendo no Jardim Pantanal: “alguns dias antes desta enchente, o subprefeito veio avisar a população que seria solta a água das represas (!!!). Mas foi tudo muito rápido: na segunda-feira a água corria por ruas da Vila Itaim, Pesqueiro, Cotovelo, Vila das Flores, que estavam secas no domingo. Da quinta pra sexta feira água subiu mais ainda, segundo moradores, dobrou de volume, e invadiu até mesmo casas mais altas. Na sexta a água estava como nos piores dias da última grande enchente da região”. De acordo com este mesmo texto, “parecendo aproveitar a tragédia no Rio, quando todas as atenções estão voltadas para o resultado de anos de descaso nesse Estado, o Governo do Estado de São Paulo abriu violentamente as barragens do Alto Tietê e alagou repentinamente a região do Pantanal da Z/L”.

As inundações decorrentes de abertura de comportas de represas atingem também a região de Jaguariúna, Amparo e Bragança Paulista, cidades situadas no Sistema Cantareira, administrado pelo Sabesp. Em comunicado feito na noite de sexta-feira, a companhia informou que na manhã deste sábado aumentaria a vazão da água despejada pelas comportas da represa de Jaguari dos atuais 40 m3/s para 60 m3/s. De acordo com essa mesma nota, “esse aumento de volume só terá efeito em Jaguariúna 20 horas após o início da nova descarga, ou seja, por volta das 3 horas da manhã do domingo, 16 de janeiro”. Segundo a Sabesp, com as fortes chuvas que caem sobre a região, a represa de Jaguari está recebendo um volume de água de 960 m3/s, mas ainda assim “continua desempenhando importante papel na retenção das águas das chuvas, e assim, funcionando como um piscinão capaz de evitar trombas d'água”.

Vale destacar que muitos bairros de Jaguariúna foram inundados ao longo desta semana pela cheia do rio Jaguari, após o primeiro aumento de vazão das comportas da represa, de 1 m3/s para 40 m3/s. Isso fez com que o nível do rio subisse 2,4 metros acima do seu normal. Com a nova elevação da vazão das comportas da represa de Jaguari, a perspectiva é de novas inundações entre a noite deste sábado e a manhã de domingo, quando segundo a Sabesp os efeitos começarão a ser sentidos na cidade. O que se vê, portanto, é que sai verão entra verão as chuvas transformam-se em sinônimo de caos para essa população que mora à beira das represas no estado de São Paulo. Por certo que a abertura das comportas, em caso de forte chuva, é um procedimento normal e evidentemente indicado até para a própria segurança desses moradores, já que ajuda a preservar a estrutura da barragem.

Por outro lado, como dito anteriormente, o nível de sofisticação dos instrumentos e métodos da meteorologia permite prever com certa antecedência a ocorrência de fortes chuvas. Exatamente por esta razão este blog especula se não seria mais sensato que a Sabesp e o DAEE, tendo em mãos previsões de chuvas fortes que inevitavelmente aumentarão o nível dos reservatórios, fossem aumentando aos poucos a vazão das comportas dessas represas, diluindo o seu impacto sobre a vazão da calha do rio. Assim, o nível da represa iria progressivamente sendo equilibrado, de forma a impedir elevações abruptas da vazão das comportas que, combinadas com as fortes chuvas nas regiões dos rios, ampliam a vazão da calha destes e provocam estas inundações terríveis que temos visto. Também nesse caso, planejamento parece ser a solução mais adequada para o problema.

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