segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Reforma Política de Michel Temer

Às vésperas do início do ano legislativo e também de uma nova Legislatura no Congresso Nacional, líderes das mais diversas bancadas são praticamente unânimes em apontar a discussão de uma Reforma Política como uma das prioridades da Câmara dos Deputados neste ano. Embora haja convergência entre as bancadas quanto à urgência do debate acerca desse tema, as divergências quanto à forma e conteúdo dessa Reforma Política não são poucas, persistindo até mesmo entre deputados de um mesmo partido. Há desde os que propõem uma mini-reforma, com alteração discreta de apenas alguns pontos, aos que propõem uma reforma mais ampla. Definitivamente, trata-se de uma pauta bem espinhosa, mas necessária.

Dentre as diversas propostas de Reforma Política que estão na berlinda, trataremos aqui daquela defendida pelo vice-Presidente da República, Michel Temer (PMDB), em uma entrevista dada à TV Estadão neste final de semana. Temer fez questão de salientar que esse seu “modelo” de Reforma Política reflete uma opinião individual, não sendo objeto de defesa nem do governo nem do PMDB. Para o vice-Presidente, dada a extrema dificuldade para se articular e aprovar uma reforma de caráter amplo e que faça mudanças profundas no sistema político-eleitoral, talvez valesse a pena, nesse momento, a aprovação de uma Reforma Política mais “singela”, que contenha apenas dois ou três artigos.

Voto majoritário para deputados federais e estaduais
O grande foco dessa “mini-reforma” seria corrigir uma distorção, segundo Temer, criada no sistema democrático pelo chamado quociente eleitoral (utilizado para definição do número de vagas que cada partido ou coligação partidária terá nos Legislativos, de acordo com critério proporcional ao número de votos). Esse sistema de eleição proporcional distorce o sistema, na ótica de Temer, pelo fato de não necessariamente cumprir um princípio básico da democracia, que é a prevalência da maioria respeitando o direito da minoria. De fato, não são poucos os exemplos de deputados que, mesmo tendo sido menos votados que outros adversários, acabam assumindo a vaga em detrimento daqueles por conta do quociente eleitoral de sua coligação.

Por essa razão, Michel Temer defende o chamado voto majoritário para deputados federais e estaduais: ou seja, a eleição para estes cargos funcionaria como o sistema utilizado para os cargos do Executivo – quem tem mais votos absolutos vence a eleição. Suponha o Estado de São Paulo, por exemplo, que tem direito a 70 cadeiras na Câmara dos Deputados. Pelo sistema atual, essas 70 cadeiras são distribuídas conforme o critério proporcional ao número de votos recebidos por cada legenda ou coligação, de forma que muitas vezes um deputado com número pequeno de votos acaba vencendo por ter sido “puxado” por algum colega de sua sigla que teve número surpreendente de votos. Pela proposta de Temer, ao invés de se adotar esse sistema proporcional, seriam eleitos os 70 candidatos mais votados.

A fim de impedir a migração do candidato para outra legenda e, com isso, o prejuízo do partido com o qual se elegeu determinado candidato, o vice-Presidente sugere a adoção de um artigo que estabeleça que o parlamentar que foi eleito para um mandato por determinado partido deverá permanecer nesse mesmo partido durante 3 anos e meio. Apenas nos seis meses finais de seu mandato, ele poderia, se quiser, realizar a migração para outra legenda. De acordo com Michel Temer, uma mini-reforma como essa seria bem mais fácil de ser aprovada pela Câmara dos Deputados e traria mudanças no sistema político, como o fim das coligações e também a redução do número de partidos políticos no Brasil. Percebam que financiamento público de campanha não entra nesse cenário imaginado por Temer.

Mini-reforma de Temer aprofundaria problemas atuais
Embora, de fato, Temer tenha razão em afirmar que uma reforma política simples como essa seria mais fácil de ser aprovada, devemos destacar que, se fosse para fazê-la dessa forma, melhor seria deixar o sistema político-eleitoral do jeito que está. Isto porque o sistema imaginado por Temer – voto majoritário para cargos do Legislativo – não atende às demandas básicas que justificam a realização de uma Reforma Política ampla no Brasil. Deve-se lembrar que a discussão da Reforma Política deve ser balizada mediante três vetores: 1) o fortalecimento da relação entre eleitor e partido político; 2) o fortalecimento da relação entre candidato e partido político e 3) a relação clara e transparente entre dinheiro e política. Considerando esses três pontos, o sistema imaginado por Temer não responde nenhum.

Vamos supor a adoção do voto majoritário para deputados federais e estaduais, como conjectura Temer. Essa mudança só iria aprofundar problemas que encontramos no sistema político-eleitoral e que criticamos veementemente: primeiramente, o voto majoritário para cargos do Legislativo iria fortalecer o chamado voto personalista, em detrimento ao voto partidário. Ou seja, o eleitor estaria votando na pessoa e não no projeto político que ela representa, estreitando, dessa maneira, os seus laços não com o partido, mas sim com o candidato. Se amanhã ou depois esse candidato mudasse para outro partido, que negasse suas plataformas iniciais, o eleitor nem perceberia essa mudança e continuaria votando neste candidato, justamente pelo fato de seu voto ser direcionado à pessoa e não à idéia, ao programa que ela representa.

Além disso, como o sistema conjecturado por Temer não responde ao terceiro ponto colocado acima, sobre a questão do financiamento público ou privado de campanha, uma eleição majoritária para deputados federais e estaduais inevitavelmente privilegiaria os candidatos que tivessem mais recursos disponíveis para campanha. Ou seja, correríamos o risco de assistir a um “vale-tudo” entre os candidatos para captação de recursos na iniciativa privada a fim de fazerem campanhas mais caras que a de seus adversários e, com isso, ampliar as chances de serem eleitos. Perceba que esse arcabouço lançado pelo vice-Presidente acaba piorando o sistema falho que já temos e, por esta razão, afirmamos alguns parágrafos acima que se fosse para realizar uma mini-reforma nesses moldes, seria melhor seguir com o sistema que já temos.

Embora uma Reforma Política ampla, com debate sobre o voto em lista fechada e financiamento público de campanha, seja mais difícil de ser articulada e aprovada, este blog defende que mais vale a pena insistir nessas discussões do que seguir um caminho mais fácil, mas que não trará resultados positivos ao sistema democrático brasileiro. Não adianta o Congresso aprovar uma mini-reforma só para dizer que ela foi feita e dar uma justificativa à sociedade. Mais que isso, espera-se que essa nova Legislatura debata com seriedade e competência esse tema que, se por um lado é extremamente espinhoso, por outro é essencial para aperfeiçoarmos a democracia brasileira.

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