
Já no seu discurso no dia 31 de outubro de 2010, ao reconhecer sua derrota para a atual Presidenta Dilma Rousseff (PT), José Serra mandava um recado não só para seus eleitores, mas principalmente para seus correligionários. Na ocasião, o tucano encerrou sua fala afirmando que “não se tratava de um adeus, mas de um até logo”. Como o jargão popular nos ensina que “para bom entendedor, um pingo é letra”, Serra deixava muito clara ali sua intenção em seguir em evidência, tentando talvez mostrar ali para seus pares que ele seria o melhor nome para liderar a oposição ao terceiro governo petista. De fato, Serra perdeu a eleição com 43% dos votos válidos, o que passa longe de ser uma derrota humilhante.
Não fossem as próprias intrigas fomentadas pelo próprio ex-governador de São Paulo com outras lideranças do PSDB, Serra tinha tudo realmente para assumir essa liderança da oposição e seguir em evidência, ainda que distante temporariamente de cargos eletivos. Mas sua forma de fazer política e de construir seu arco de apoio acabou desagradando a muitos dentro do seu próprio partido, de forma que a sua segunda derrota na disputa pela Presidência da República serviu como motivo mais que suficiente para que grupos ligados ao ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e ao atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pudessem dar o troco e tirá-lo do “petit commitee” que controla a legenda.
Serra tenta desesperadamente se manter em evidência
José Serra bem que tentou se manter em evidência a todo custo: embora tenha ficado longe dos holofotes entre o final da campanha e as festas de final de ano, o tucano voltou à cena logo após a posse de Dilma Rousseff, já ensaiando uma oposição à Presidenta recém-empossada. Disparou críticas ao governo Lula (chamado por ele de governo Lula-Dilma) em seu Twitter, fez uma viagem a Curitiba e, ao lado do governador do Paraná Beto Richa (PSDB), elevou ainda mais o tom contra o ex-Presidente Lula e sua sucessora. Tudo isso motivado certamente por uma última tentativa desesperada de se manter em cena e mostrar aos seus de que ele ainda podia capitanear o PSDB.
Aliás, essa era a real intenção de Serra, já que a sigla escolhe sua nova direção em maio deste ano. Assumir a Presidência do PSDB seria o melhor caminho para o ex-governador paulista se manter sob os holofotes. Contudo, setores ligados a Aécio e Alckmin trataram de dar uma cartada nessa semana para afastar essa possibilidade de José Serra assumir o controle do PSDB: de acordo com reportagem da Folha, correu no ninho tucano um abaixo-assinado para a continuidade do atual Presidente, Sérgio Guerra, à frente do partido. Como Guerra tem interesse em seguir à frente do PSDB e, por sua vez, Aécio e Alckmin têm mais interesse ainda em tirar Serra do jogo, a chance do tucano derrotado presidir o PSDB a partir de maio é muito remota.
Naturalmente, quando esse abaixo-assinado veio à tona e chegou ao conhecimento público, setores serristas dentro do PSDB, que não sabiam da movimentação, ficaram extremamente irritados e questionaram inclusive os métodos de Sérgio Guerra. O próprio Alckmin declarou na tarde desta quinta-feira, 27, que se Serra quisesse ser Presidente do PSDB, ele o apoiaria. Nada mais natural no jogo de cena tucano. Na política, contudo, mais importante que o movimento no palco é o movimento de bastidor. E nos bastidores, Alckmin e Aécio certamente estão movendo suas peças para garantir que Serra fique bem longe do comando da sigla. As razões para isso são óbvias, já que o ex-governador de São Paulo poderia representar um obstáculo para uma provável candidatura de Aécio à Presidência da República em 2014.
As razões de Aécio para tirar Serra do jogo
É importante lembrar que Serra já tirou Aécio do jogo em dezembro de 2009. Até aquele momento, os dois tucanos pleiteavam a indicação do partido para a disputa presidencial de 2010: Serra defendia que o nome fosse escolhido pela direção do partido através do consenso e Aécio defendia a realização de prévias. Como a idéia de realizar prévias aos poucos foi sendo afastada, devido a manobras muito meticulosas de Serra, Aécio fez um movimento inesperado, mas muito sagaz: retirou sua pré-candidatura à Presidência da República, deixando o caminho livre para Serra. Esse caminho livre, contudo, teve um custo alto para Serra (e que fora muito bem calculado por Aécio): setores aecistas, sobretudo em Minas, atribuíram a Serra a causa da desistência de Aécio (embora o mineiro o negue publicamente), o que fez reacender uma disputa ferrenha entre os dois grupos.
Basta lembrar que durante o próprio processo eleitoral, não houve um empenho claro de Aécio em prol da candidatura de Serra, já que o ex-governador de Minas concentrou suas forças basicamente em sua campanha ao Senado e na campanha de seu vice Antônio Anastasia para o Palácio Tiradentes. Na ocasião, a imprensa chegou a publicar fotos do material de campanha de Anastasia e Aécio, no qual não havia qualquer pedido de voto para Serra. No segundo turno, o então senador eleito teve que se prestar a um jogo de cena e “empenhar-se” para que Serra virasse o jogo em Minas. O cálculo dos tucanos era de que Serra ganhasse em São Paulo e em Minas Gerais poderia vencer as eleições. Mas o empenho de Aécio Neves foi semelhante ao empenho de Jânio Quadros na candidatura de seu correligionário Juarez Távora, nas eleições de 1956.
Conta-se que, durante aquela campanha, Jânio Quadros, então governador de São Paulo pela UDN, recebeu um telefonema do seu correligionário Carlos Lacerda, que governava a Guanabara, cobrando maior empenho de Jânio para a eleição de Juarez Távora, representante da sigla na disputa presidencial. Para não ficar mal na foto, Jânio convocou imediatamente uma reunião com todos seus assessores e secretários de governo, dando ordens expressas para que todos fizessem o possível e o impossível para que Juarez Távora vencesse em São Paulo. Segundo o folclore político, a reunião foi interrompida por um assessor de Jânio, que entrou apressadamente na sala e mostrou uma pesquisa nacional recente, que apontava Távora na frente de Juscelino.
A história conta que Jânio, ao ver a pesquisa, disse pausadamente a todos: “Parem tudo senão ele [Juarez Távora] ganha”. Ou seja, Jânio queria que Juarez Távora tivesse maioria dos votos no estado de São Paulo, mas que não ganhasse a Presidência da República, já que naquele ano o ex-governador de São Paulo já tinha planos de disputar a Presidência em 1960 e preferia fazer a disputa estando na oposição. Este “causo político” foi lembrado apenas para ilustrar o movimento de Aécio no segundo turno: oficialmente, estava “empenhado” pela candidatura de Serra em Minas, mas nos bastidores estava, assim como Jânio, mais preocupado com sua eventual candidatura em 2014. É fato que se Serra houvesse ganhado aquela eleição, tentaria se reeleger em 2014 e afastaria o plano de Aécio.
O troco de Alckmin
As rusgas com Alckmin também refletem disputas internas. Em 2006, Serra, então Prefeito de São Paulo, disputou o governo do Estado a contragosto: segundo relatos, sua intenção era disputar novamente a Presidência, aproveitando o momento de crise do governo Lula. Contudo, o PSDB preferiu lançar o nome de Geraldo Alckmin, então governador do Estado, à Presidência, preterindo Serra. Alckmin perdeu a Presidência e Serra ganhou o governo de São Paulo. Assim que assumiu o Palácio dos Bandeirantes, José Serra determinou a revisão de todos os contratos feitos na gestão anterior, de Alckmin, o que provocou um extremo mal estar entre serristas e alckministas nos bastidores do PSDB.
A tensão entre aliados de Alckmin e aliados de Serra foi intensificada em 2008, quando o PSDB indicou o ex-governador para a disputa da Prefeitura de São Paulo. As primeiras pesquisas eleitorais apontavam Alckmin como favorito e sinalizavam um segundo turno entre ele e a ex-prefeita Marta Suplicy (PT), com chances reais de vitória do tucano. Serra, no governo do Estado, deu um apoio de “fachada” a Alckmin, mas nos bastidores articulou apoio a Gilberto Kassab (DEM), que foi conduzido à Prefeitura após a renúncia de Serra em 2006 para a disputa do governo do Estado. O apoio de Serra a Kassab, costurado nos bastidores, passou a ser dado de forma descarada no meio da campanha, o que acirrou muito os ânimos entre o grupo ligado a Alckmin e o grupo ligado a Serra.
Percebe-se, dessa maneira, que as práticas políticas “autofágicas” de Serra acabaram isolando-o dentro do seu próprio partido, justificando esse movimento de grupos adversários ao seu neste começo de ano. Como dito anteriormente, a cada dia que passa Serra está mais “marginalizado” dentro do PSDB e dificilmente será conduzido, como quer, à presidência da sigla. Um prêmio de consolação para o ex-governador talvez seja a presidência do Instituto Teotônio Vilela, mas a priori parece que a idéia não é do agrado de José Serra. Contudo, ao que tudo indica, Serra não tem muita escolha: ou é isso ou nada. E do jeito que andam as coisas, talvez Serra fique com nada mesmo! A conferir.
Quem planta vento colhe tempestade. Serra e FHC, que abandonaram os valores e princípios de sua juventude para aliar-se - ao contrário de Aécio - à extrema direita mais abjeta da sociedade brasileira, estão condenados a arrastar as correntes do ostracismo nos cantos mais obscuros e irrelevantes da política nacional.
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