segunda-feira, 17 de maio de 2010

O acordo com o Irã e a aula de diplomacia dada pelo Brasil

Poucas vezes na História recente pudemos assistir a uma aula de diplomacia como a dada pelo presidente Lula e pelo primeiro ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, na condução das negociações com o Irã e que levaram à assinatura de um acordo tripartite sobre a questão nuclear daquele país. Este acordo é um passo importantíssimo dado no sentido de se evitar uma crise global motivada pelo programa nuclear iraniano, haja vista que as grandes potências (Estados Unidos, Reino Unido, França e Rússia) já estavam se alinhando desde fevereiro para impor sanções ao Irã.

Em outubro do ano passado, temendo o avanço do programa nuclear iraniano, as potências globais enviaram uma proposta ao Irã para que o país embarcasse 70% do seu estoque de urânio baixamente enriquecido (a 3,5%) à comunidade internacional. Este material, segundo a proposta feita naquela época, seria convertido na França ou na Rússia em cápsulas de combustíveis compatíveis à produção de isótopos de uso médico e reenviadas, posteriormente, ao Irã. Entretanto, o governo iraniano não aceitou essa proposta, argumentando que as potências não davam garantias de que o material seria devolvido ao país.

Desde então, o presidente Lula começou a ter um papel de destaque nas conversações em torno do Irã, uma vez que, enquanto as grandes potências defendiam uma retaliação ao país, o Brasil batia o pé em sua posição de que o caminho diplomático deveria ser utilizado até onde fosse necessário. A aproximação de Lula ao Irã, especialmente após a visita do presidente daquele país, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil em janeiro deste ano, gerou inúmeras críticas por parte dos Estados Unidos e aliados europeus, que não acreditavam no êxito diplomático da missão brasileira.

A diplomacia como arma mais eficaz que as sanções
A crise acerca do programa nuclear iraniano se intensificou a partir de fevereiro deste ano, quando o governo do Irã deu início ao processo de enriquecimento do urânio a 20%, ampliando o temor das grandes potências, especialmente Estados Unidos, de que o Irã tinha pretensões de construir armas atômicas. É importante destacar, contudo, que o percentual de enriquecimento do urânio a 20% é muito inferior ao nível de 90% necessário para a construção de uma bomba atômica, mas é suficiente para a produção de isótopos médicos em seus reatores.

Mesmo sabendo disso, a Casa Branca iniciou uma verdadeira campanha em prol de uma quarta rodada de sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), contando, naturalmente, com o apoio da França, Reino Unido e Rússia. Por outro lado, a China, que tem um forte peso no Conselho de Segurança, ficou reticente em abrir uma nova rodada de sanções ao Irã e o Brasil, por sua vez, manteve sua postura de defender o caminho diplomático como melhor saída para evitar uma crise em torno do programa nuclear iraniano.

Com o objetivo de chegar a um acordo com Ahmadinejad, o presidente Lula embarcou para o Oriente Médio no final da semana passada, fazendo escala antes da Rússia, onde se encontrou com o presidente Dmitri Medvedev. Na ocasião, Medvedev declarou que a visita de Lula ao Irã seria a última chance dada ao país para que ele aceitasse um acordo em termos do seu programa nuclear. O presidente russo, contudo, via com olhos bastante céticos a possibilidade de Brasil, Turquia e Irã chegarem a um acordo, dizendo que isso tinha 30% de chances de ocorrer. Lula, em resposta, disse que acreditava em 90% de chance.

Na mesma linha do presidente russo, a Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, declarou que a empreitada do Brasil e da Turquia seria um fracasso, dizendo que “cada vez mais o Irã mostra que não está apto a atuar na arena internacional tal como lhe é pedido”. Contudo, enquanto Hillary Clinton desacreditava do êxito da reunião de Lula com Ahmadinejad, o ministro das relações exteriores do Irã declarava que o seu país estava aberto às negociações e que havia grandes chances de um acordo.

Enfim, o acordo com o Irã
Foi neste clima de expectativa em todo o mundo, que o presidente Lula desembarcou em Teerã, capital do Irã, no sábado à noite (horário de Brasília) para uma reunião com o governo iraniano. É interessante destacar que a própria Turquia se mostrou reticente em um dado momento, dizendo que não participaria da reunião se o Irã não estivesse de fato disposto a entrar em acordo sobre seu programa nuclear. Contudo, de última hora, o primeiro ministro turco, Erdogan, partiu rumo a Teerã para se encontrar com Lula e Ahmadinejad.

Foram aproximadamente 18 horas de conversas, mas o tão esperado acordo finalmente saiu. Já no final da tarde de domingo (horário de Brasília) a rede de notícias Al Jazeera noticiou uma declaração do primeiro ministro turco de que Brasil, Turquia e Irã tinham chegado a um acordo. Rapidamente a notícia se espalhou pela imprensa mundial e por volta das 3 horas da madrugada desta segunda-feira (horário de Brasília) os três países confirmaram o acordo, numa clara demonstração de que a diplomacia é um caminho muito mais interessante do que qualquer outro.

De forma resumida, o acordo tripartite firmado entre Brasil, Turquia e Irã estipula que o Irã enviará 1.200 quilos (o que representa mais de 50% do seu estoque) de urânio enriquecido a 3,5% à comunidade internacional em troca de 120 quilos de urânio enriquecido na França ou Rússia. A troca ocorrerá na Turquia, que é um país que mantém diálogo tanto com o Ocidente quanto com o Irã, sob a supervisão da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e sob vigilância iraniana e turca. Em outras palavras, o que o Brasil e Turquia conseguiram foi praticamente aquilo que as grandes potências não tiveram êxito há oito meses.

O significado do acordo com o Irã
O sucesso da missão turco-brasileira no Irã demonstra que o presidente Lula estava coberto de razão ao defender que o diálogo é o melhor caminho no trato com o Irã. Segundo o analista iraniano Mohammad Marandi, da Universidade de Teerã, o acordo foi uma vitória da diplomacia brasileira e uma resposta direta aos Estados Unidos. “Apesar das dificuldades em conseguir o acordo, o presidente Lula arriscou sua fama internacional para conseguir intermediar uma proposta que trouxesse o governo iraniano de volta à mesa de negociações”, declarou Marandi.

O analista também afirmou que “Lula calou a boca dos EUA e da secretária de Estado (dos EUA), Hillary Clinton, que mais de uma vez menosprezou os esforços turcos e brasileiros” e avaliou que “o mérito foi do Brasil, pois o país arriscou sua reputação e sofreu as maiores críticas ao se aproximar do Irã. E ainda conseguiu dar mais ânimo aos turcos em acreditar na possibilidade de se chegar a um acordo”. A ONU também reagiu de uma maneira muito positiva ao feito de Lula, dizendo que o acordo conseguido por Brasil e Turquia é bastante “encorajador”.

Os Estados Unidos, por sua vez, permanecem céticos quanto ao cumprimento do acordo pelo Irã, segundo reportagem publicada nesta tarde pelo “The New York Times”. Contudo, pode-se dizer que Lula colocou o presidente norte-americano, Barack Obama, contra a parede, já que o acordo obtido neste final de semana foi praticamente aquele que a Casa Branca tentou sem sucesso em outubro do ano passado. Caso os Estados Unidos não aceitem o acordo, pegará muito mal à Casa Branca e dará margem para que a comunidade internacional entenda que Obama procura muito mais um motivo para impor sanções ao Irã do que para desarmar o país.

Embora França e Reino Unido tenham declarado que os esforços para as sanções devem continuar, a Rússia já sinaliza para um declínio dessa idéia, assim como a China, que desde o início apresentava resistência à possibilidade das sanções. O feito de Lula, dessa maneira, é tanto trazer o Irã de volta às negociações internacionais quanto colocar em teste quais as reais intenções das grandes potências: se de fato exigir do Irã um cumprimento do Pacto de Não-Proliferação de Armas Nucleares ou simplesmente se fazer “picuinha” à procura de motivações para impor um isolamento ao país. De qualquer forma, o Brasil se torna um importante player da diplomacia mundial e Lula mais uma vez confirma a sua capacidade de liderança na comunidade internacional.

Para ler a íntegra do acordo firmado entre Brasil, Turquia e Irã, clique aqui.

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