quarta-feira, 28 de abril de 2010

Como (não) se fazer um "choque de gestão" na Saúde Pública


A máxima “casa de ferreiro, espeto de pau”, que foi sendo perpetuada ao longo das várias gerações para apontar contradições entre o discurso e a prática, parece cair como uma luva para o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. Isto porque o tucano gaba-se de ter feito uma excelente gestão quando foi Ministro da Saúde no governo FHC e também exalta suas realizações na área ao longo do seu mandato como governador do Estado de São Paulo. Contudo, quando prestamos atenção em alguns dados, podemos constatar que a realidade não é tão bela quanto Serra pinta.

Vejamos: em recente entrevista ao jornalista José Luiz Datena, no “Brasil Urgente”, da Band, o ex-governador de São Paulo destacou que a saúde é sua “obsessão”, mencionando a construção de novos hospitais em São Paulo e outros programas que teriam sido implantados por ele em todo o Estado. O que Serra não diz, todavia, é o quanto deixou de ser investido na área de Saúde ao longo do seu governo em São Paulo, omitindo, inclusive, a epidemia de dengue que assola todo o estado e a controversa terceirização dos serviços de Saúde.

Mais propagandas e menos recursos na Saúde
Enquanto Serra se preocupou eu aumentar em 650% os gastos com propaganda dos seus “feitos” à frente do Estado de São Paulo, a saúde foi uma das áreas mais prejudicadas por não ter recebido todas as verbas que podia. Para se ter uma idéia, de acordo com os dados dos investimentos previstos e não realizados ao longo do governo Serra, nada menos do que R$ 4,2 bilhões deixaram de ser executados em obras e equipamentos, entre 2007 e 2009.

Segundo cálculos do líder da Bancada do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo, Antonio Mentor, seria verba suficiente para a construção de 84 novos hospitais com 250 leitos cada um. Isto quer dizer que a não execução dos recursos previstos no orçamento fez com que o estado de São Paulo, somente na gestão Serra, deixasse de ter 21 mil novos leitos hospitalares! Sem contar o fato de que um dos últimos decretos de Serra enquanto governador foi o de reduzir os recursos do programa Saúde da Família.

De acordo com o decreto 55.666, assinado em 31 de março deste ano, R$ 3,8 milhões foram retirados do programa Saúde da Família e redirecionados para a área administrativa, com o objetivo de compra de imóveis! Vale lembrar que em 2009, o orçamento previsto para o programa era de R$ 34 milhões, mas o governo Serra não investiu nada do previsto, de forma que todos os recursos utilizados pelo Saúde da Família foram provenientes do governo federal.

Levantamentos feitos pela Bancada do PT na Assembléia Legislativa mostram que entre 2007 e 2009, dos R$ 104 milhões previstos para aplicação no Saúde da Família, apenas R$ 79 milhões (76%) foram utilizados, de forma que o restante foi remanejado por meio de decretos do governador. Nesse mesmo período, não havia previsão de recursos federais para o programa, mas a União alocou R$ 43,8 milhões para garantir as ações previstas, como saúde da criança, saúde da mulher, saúde mental, controle da tuberculose, hipertensão e diabetes.

Terceirização dos serviços da saúde
Não bastasse a não execução dos recursos previstos no orçamento da Saúde, o governo Serra ainda desenvolveu no estado de São Paulo uma política de terceirização dos serviços da saúde, escondendo, por trás das OSS (Organizações Sociais de Saúde), uma verdadeira onda de privatização do sistema de saúde estadual. Sim, pois o que Serra fez foi passar para essas OSS a prestação dos serviços que deveriam ser feitos pelo Estado. De acordo com levantamento do SindSaúde (Sindicato dos Trabalhadores da Saúde), na região do ABC Paulista, 90% do quadro dos prestadores de serviço de saúde são terceirizados!

De acordo com uma matéria do Jornal Agora, publicada em dezembro de 2009, a terceirização da saúde no Estado de São Paulo rende às OSSs um pagamento extra que teria chegado a R$ 178 milhões naquele ano. Esse valor seria a somatória dos repasses previstos nos contratos de gestão firmados pelo governo com entidades que administram hospitais e que, supostamente, oferecem "qualidade no serviço". Vale destacar que esse montante, referente a 10% do valor total dos contratos e pago parceladamente, não está ligado ao cumprimento de metas de atendimento em emergência ou consultas.

Ou seja, é um valor pago porque o Estado considera que as entidades são competentes no que fazem. Ainda segundo essa reportagem, a Secretaria de Estado da Saúde teria informado ao jornal que o pagamento é um "instrumento de incentivo" para garantir a qualidade dos serviços prestados pelos hospitais estaduais gerenciados pelas OSSs. Em nota, a pasta afirmou que o valor é descontado caso o hospital não atinja as metas estabelecidas, mas isso raramente acontece.

Recursos do SUS no mercado financeiro
Uma das marcas do governo Serra, além da terceirização dos serviços da Saúde no Estado de São Paulo, foi também o sucateamento do SUS (Sistema Único de Saúde) e utilização de recursos oriundos do governo federal via SUS em aplicações do mercado financeiro. Segundo uma reportagem da revista Carta Capital, publicada em fevereiro deste ano e intitulada “Remédios por juros”, o governo Serra, em São Paulo, teria aplicado nada menos que R$ 77,8 milhões do SUS no mercado financeiro.

Desse valor, R$ 39,1 milhões deveriam ter sido destinados a programas de assistência farmacêutica, R$ 12,2 milhões a programas de gestão, R$ 15,7 milhões à vigilância epidemiológica e R$ 7,7 milhões ao combate a DST/Aids, entre outros programas. Segundo cálculos do Ministério da Saúde, apenas em dois anos (2006 e 2007), o governo de São Paulo deixou de aplicar R$ 2,1 bilhões de verbas do SUS nos programas de saúde no estado: R$ 1 bilhão deixou de ser aplicado em 2006 (governo Alckmin) e R$ 1,1 bilhão em 2007 (governo Serra).

Tendo em vista o uso inapropriado, para se dizer o mínimo, desses recursos do SUS em aplicações do mercado financeiro, o Ministério Público Federal e o Ministério Público Paulista apresentaram, em março deste ano, uma recomendação para que o governo Serra devolvesse todo dinheiro irregularmente aplicado no mercado financeiro para o Fundo Estadual da Saúde.

Contratos com empresa ligada ao mensalão do DEM
Um outro aspecto controverso do governo Serra diz respeito a contratos no valor total de R$ 63 milhões que a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo teria com a empresa Hospfar Indústria e Comércio de Produtos Hospitalares desde 2008. Essa empresa é acusada pela Corregedoria Geral da União (CGU) de superfaturar os preços de medicamentos e também de uma suposta fraude em licitações nas gestões de Joaquim Roriz (PSC) e José Roberto Arruda (ex-DEM) no Distrito Federal.

De acordo com informações do Jornal da Tarde, somente no primeiro trimestre de 2010, o governo de São Paulo já empenhou R$ 5,5 milhões em favor dessa empresa. A reportagem ainda apurou que um dos sócios da Hospfar é Marcelo Reis Perillo, “primo do 1º vice-presidente do Senado, Marconi Perillo (PSDB-GO). Outro sócio, Moisés de Oliveira Neto, também integra o quadro societário da Linknet, apontada pela Polícia Federal” entre as financiadoras do mensalão do DEM.

É importante destacar que no Distrito Federal, o governo Arruda (DEM) pagou mais de R$ 190 milhões à Hospfar. A empresa era a fornecedora preferida de medicamentos comprados em regime de urgência e por preços superiores ao preço máximo de todas as tabelas oficiais do governo federal, de acordo com auditoria da Controladoria-Geral da União.

Epidemia de dengue assombra o Estado de SP
Como efeito das menores verbas aplicadas em vigilância epidemiológica associadas às maiores chuvas em todo o Estado e também à falta de políticas públicas eficazes, o estado de São Paulo vive, atualmente, uma grande epidemia de dengue, concentrada, sobretudo, no interior (Campinas, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto) e também na Baixada Santista. De acordo com boletins da Secretaria Estadual de Saúde, foram registrados 9.337 casos em janeiro, 16.869 em fevereiro e 9.337 em março.

Deve-se destacar, contudo, que os números apresentados pelo governo do Estado não batem com os fornecidos pelas Secretarias Municipais da Saúde. Por exemplo, Ribeirão Preto tem 8.801 ocorrências, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, mas no balanço da secretaria Estadual aparecem apenas 6.952 casos. A mesma situação se repete em Araçatuba que registra 7834 casos, contra os 1.667 divulgados pelo Governo Estadual, e São José do Rio Preto, com 7.552 casos, contra os 3.414 no balanço oficial.

O que se percebe, dessa maneira, é uma atuação tímida do governo Serra na área de Saúde, deixando evidente que a sua prática no setor anda totalmente em descompasso com o seu discurso. Afinal de contas, para quem diz ter tanta obsessão pela Saúde, o pré-candidato tucano mostra-se não muito preocupado com a área, haja vista os dados referentes ao seu governo à frente do Estado de São Paulo.

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