sábado, 18 de dezembro de 2010

A bomba-relógio da África: qual a perspectiva para o referendo do Sudão em janeiro?

A proximidade do referendo marcado para o próximo dia 9 de janeiro no Sudão, no qual a população da província autônoma do Sul irá às urnas para decidir pela separação ou não em relação ao norte do país, tem despertando grandes preocupações nos observadores internacionais. A tensão entre norte e sul no Sudão não é recente: há pelo menos 60 anos o país vive uma situação de instabilidade constante em função das diferenças entre as duas regiões. No sul, a população formada majoritariamente por negros, cristãos e animistas se contrapõe à dominação do norte, cuja população é em sua esmagadora maioria árabe e muçulmana.

Como o governo central está sediado em Cartum, cidade localizada no norte do país, existe um movimento muito forte no sul do Sudão para a emancipação política da região em relação ao norte, formando um novo Estado – o “Sudão do Sul” ou “Novo Sudão”. Embora todos os indícios sejam de que a maioria da população do sul vote pela separação em relação ao norte, a preocupação da comunidade internacional está voltada justamente para como o governo do norte receberá esse provável resultado do referendo. Vale destacar que desde 1989 o Sudão é governado por Omar al-Bashir, que chegou ao poder através de um golpe militar apoiado por setores ligados ao fundamentalismo islâmico.

Dessa maneira, o temor é de que o governo do norte não acate a separação que provavelmente será decidida nas urnas no dia 9 de janeiro e dê início a uma nova guerra civil, que pode ter resultados piores do que a primeira, ocorrida entre 1955 e 1972. Naquela ocasião, a guerra civil foi motivada justamente pelo fato do sul não aceitar a dominação política, econômica e social do norte. Em 1972, foi assinado um acordo de paz entre as duas regiões, mas que teve vida curta – de apenas uma década – já que no ano de 1983 o governo do Sudão, em Cartum, pôs fim ao armistício, revendo o acordo de paz e implantando a Sharia (lei islâmica) em todo território.

Naturalmente, isso provocou uma reação imediata do sul, mas que foi duramente combatida por Cartum. Para se ter uma idéia, estima-se que o número de mortos no conflito passou dos 2 milhões, ao passo que o número de refugiados chega a 4 milhões. Em 2005, tanto sul quanto norte assinaram o Acordo de Paz Abrangente, que deu autonomia ao sul durante cinco anos e estabeleceu a realização desse referendo, que ocorre no próximo mês, para definir se as duas regiões se reintegram por completo e mantêm a unidade do Estado ou se haverá uma separação entre sul e norte, criando dois Estados distintos. Recentemente, tanto o governo do norte quanto o governo autônomo do sul deram declarações que, não obstante ao resultado das urnas, a paz deve ser garantida no país.

O petróleo no centro da disputa entre norte e sul
Seria fácil acreditar nisso, não fosse, além do histórico de guerras do Sudão, o fato de que bem no meio dos dois territórios encontra-se a maior riqueza do país: o petróleo. As maiores jazidas de petróleo do Sudão estão situadas próximas à província de Abyei. O acordo de paz assinado em 2005 prevê que, caso se opte pela separação do sul em relação ao norte, a região de Abyei realizará um novo referendo, com data ainda a ser definida, a fim de decidir se fará parte do sul ou do norte. Como essa província está muito próxima aos campos petrolíferos é possível de se imaginar o porquê desse referendo estar atraindo a atenção de toda comunidade internacional, haja vista que o petróleo é tradicionalmente um motivo de grandes impasses e guerras na cena geopolítica.

De acordo com informações da rede britânica BBC, “os dois lados não chegaram a um acordo de como repartirão as receitas do petróleo no caso de uma separação. Este aspecto da disputa é tão sério que o sul está avaliando construir sua própria rede de oleodutos para exportar o petróleo pela costa do país. A idéia é que o novo oleoduto passe pelo Quênia, um aliado dos sudaneses do sul, contornando, assim, o atual oleoduto do norte do país”. Ainda segundo a BBC, outro aspecto que pode ser foco de tensões numa eventual separação entre o sul e o norte no referendo de 9 de janeiro diz respeito à divisão da dívida externa do Sudão, já que “sudaneses do sul resistem em tomar para si uma parte da dívida, pois quase nada desse dinheiro foi gasto em melhorias para a região”.

É interessante destacar, contudo, que existem análises que vão exatamente no caminho contrário desse ponto de vista, apostando que o petróleo deve ser o grande trunfo para a paz na região, no caso de uma efetiva separação entre norte e sul. Segundo recente análise da Reuters, considerando o fato que 75% dos 500 mil barris de petróleo por dia produzidos no Sudão vêm do sul do país e que toda a rede de refino e transporte desse petróleo está no norte, nenhum dos dois lados teria o interesse de promover um conflito que pudesse afetar a produção de petróleo. Afinal de contas, como aponta a Reuters, “tanto o governo do norte quanto do sul são altamente dependentes das receitas do petróleo”.

Para se ter uma idéia, nada menos que 98% das receitas do governo autônomo do sul vêm do petróleo. De forma semelhante, a commodity responde por significativos 45% do orçamento de Cartum, representando também 90% das exportações do norte do Sudão. Segundo a Reuters, “isso não deixa alternativa para as duas partes senão continuar – ainda que de uma forma em aberto – a partilha das receitas do petróleo, mesmo em um cenário pós-secessão provável”. Vale destacar que, desde 2005, quando foi assinado o acordo de paz entre norte e sul, as receitas do petróleo são divididas entre as duas partes meio a meio.

Sobre a questão levantada pela BBC, de que o sul teria planos de construir sua própria rede de oleodutos para escoar o petróleo, os analistas consultados pela Reuters afirmam que “isso seria uma solução política, mas não seria economicamente viável”. Para estes analistas, a saída mais viável no caso de uma separação entre o sul e o norte seria que o sul continuasse escoando o petróleo através da rede de oleodutos do norte, pagando, para isso, taxas de uso. Afinal de contas, o custo para construir uma rede de oleodutos passando pelo Quênia, além de refinarias especializadas, seria demasiadamente alto, o que não justificaria essa solução. Contudo, como as decisões políticas nem sempre seguem a lógica economicista, é difícil dizermos se essa racionalidade dos analistas será seguida pelo governo do sul.

De qualquer forma, os observadores internacionais devem seguir bastante atentos na região ao longo dos próximos dias, uma vez que, com a proximidade do referendo, as tensões entre sul e norte tendem a crescer. O partido governista do sul tem acusado o norte de promover pequenos ataques em seu território, mas estas acusações são negadas por Cartum. Além disso, a organização do referendo tem acusado o norte de promover uma campanha com vistas a dinamitar o processo e impedir que ele ocorra na data prevista. Tudo isso contribui para acirrar ainda mais os ânimos na região e fazer com que a comunidade internacional redobre suas atenções para o país.

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