sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Voto distrital e a institucionalização dos currais eleitorais: vale a pena pagar para ver?

Quando o assunto é Reforma Política, é praticamente impossível não falar sobre a questão do voto distrital. Afinal de contas, não é pequeno o côro de pessoas que defende a implantação dessa forma de voto para as eleições legislativas no Brasil. Nesse sistema de voto, que é praticado em países como Alemanha e Estados Unidos, o país ou estado é dividido em “distritos”, de forma que os partidos políticos devem lançar candidaturas específicas para cada distrito. Ou seja, o eleitor de um distrito A só pode votar no candidato desse mesmo distrito, sendo que este candidato também só pode ser votado por eleitores do distrito A.

Os defensores desse sistema de voto alegam, basicamente, duas razões para se adotar o voto distrital. A primeira delas diz respeito ao fato de que essa forma de voto deve favorecer candidatos que representam áreas menos populosas do estado ou do país. Segundo este argumento, no atual sistema proporcional é muito difícil essas regiões menos populosas elegerem seus representantes, uma vez que estes candidatos são menos conhecidos em regiões mais populosas, que detêm naturalmente a maioria dos votos. Outro argumento apresentado pelos defensores do voto distrital é de que esse sistema de voto aproximaria o eleitor do seu candidato, ampliando, assim, a possibilidade de fiscalização por parte dos cidadãos.

Esse argumento, inclusive, foi apresentado em um artigo escrito pelo professor de Sociologia da USP e pesquisador do Cedec, Brasílio Sallum Jr, publicado na quinta-feira, 9, pelo Estadão. O sociólogo defende, em seu texto, que no sistema de voto distrital “tanto eleitores quanto candidatos podem, em âmbitos eleitorais menores e com menos candidatos a escolher, conhecer-se muito melhor. Ademais, os eleitores podem mais facilmente saber da conduta de seus representantes”. Para Sallum, os ganhos se estenderiam também aos partidos, já que, do seu ponto de vista, os partidos grandes poderiam apresentar candidaturas em todos os distritos, enquanto os partidos menores, com menos recursos, teriam opção de lançar candidaturas apenas nos distritos onde tivessem maiores chances de vitória.

Voto distrital institucionaliza currais eleitorais
Embora inicialmente o leitor possa concordar com os argumentos apresentados pelos defensores do voto distrital, se for feita uma reflexão mais aprofundada, verá que este sistema de voto pode trazer alguns efeitos nocivos à democracia. Trataremos aqui de três aspectos centrais que dialogam entre si e que levam este blog a ter um posicionamento contrário ao voto distrital, seja puro ou híbrido, como propõem alguns de seus defensores. Primeiramente, devemos destacar que, na concepção deste blog, o voto distrital nada mais é do que a institucionalização dos currais eleitorais: ou seja, os candidatos não terão que se preocupar com questões gerais, já que não dependerão mais do eleitorado como um todo para serem eleitos e sim apenas dos eleitores do seu distrito.

Isso amplia fortemente a possibilidade de termos uma nova onda de “coronelismo” no país, que seria diferente daquele coronelismo verificado durante muito tempo na História do Brasil apenas pelas novas formas que ele assumiria. Não é exagero pensar, neste sentido, que seria comum cada distrito produzir candidatos que se perpetuassem no poder, assim como os velhos coronéis se eternizavam. E essa preocupação é mais real ainda se consideramos que já encontramos currais eleitorais constituídos em várias regiões e nos mais diferentes partidos, tanto nos de direita quanto nos de esquerda. Ou seja, caso se oficialize o sistema de voto distrital, esses currais serão apenas formalizados.

Um segundo aspecto que cabe ser refletido está relacionado ao primeiro e diz respeito aos riscos de que o sistema de voto distrital amplie práticas clientelistas que devem ser totalmente banidas da nossa cena política. Não é difícil supor, por exemplo, que nesse sistema de voto fossem ampliadas práticas de favorecimento ou até mesmo de compra de votos, tratando os eleitores como “garrafas” necessárias para garantir a eleição. Naturalmente, não estamos subestimando aqui o grau de amadurecimento que tem o eleitor brasileiro com relação a estas práticas – mas também não podemos desconsiderar que uma parcela do eleitorado ainda se sujeita a este tipo de coisa, de modo que este risco é de fato real no sistema de voto distrital.

Fortalecimento da relação eleitor-candidato
O terceiro aspecto, por sua vez, que nos leva a criticar o voto distrital é que esse sistema de voto fortalece a relação eleitor-candidato e não eleitor-partido político, como deve ser para que a Reforma Política de fato cumpra o seu papel de fortalecimento da democracia. Cabe lembrar que o fortalecimento da relação eleitor-candidato é ruim para a democracia em si, pois favorece projetos de caráter personalista e não de caráter partidário. No sistema de voto distrital, o eleitor estaria votando na pessoa, no candidato e não no projeto político que ele representa. Os critérios de voto estariam, assim, ainda mais difusos e distantes do ideal da política, que é o de posicionamento democrático por este ou aquele projeto político.

Por esta razão, este blog reitera a defesa do voto em lista, pois nesse sistema, ao contrário do voto distrital, o eleitor votaria não em um candidato, mas sim no programa político que melhor lhe agrada. O voto em lista fortaleceria não somente os partidos políticos, mas também toda a democracia, uma vez que o debate político seria trazido para o seu verdadeiro foco, que é a disputa de projetos. Quanto à questão da fiscalização “de perto” por parte do eleitor para com seus candidatos, isso pode também ser contemplado no voto em lista, já que atualmente o cidadão tem acesso às informações que lhe interessam sobre seu candidato através das redes de comunicação dos partidos ou mesmo das instituições democráticas.

É preciso tomar muito cuidado para não ser atraído, no âmbito do debate em torno da Reforma Política, por propostas que aparentemente irão “moralizar” mais o sistema político. Cabe lembrar que o grande centro da política sempre deve ser a disputa de projetos políticos. Ou seja, na arena dessa disputa os atores principais são os partidos políticos e os campos aos quais eles pertencem, sendo que os candidatos são representantes desses projetos. Dessa maneira, uma Reforma Política que busca fortalecer a democracia brasileira deve privilegiar necessariamente a relação eleitor-partido político e não eleitor-candidato. Este, sem dúvida, é o melhor caminho para que tenhamos uma democracia cada vez mais madura e forte em nosso país.

Um comentário:

  1. Voto distrital é transformar o Congresso em Câmara de vereadores. O antídoto é o unicameralismo e o voto em dois deputados: um em lista aberta e outro em lista fechada dos partidos. Aí cai a máscara: a direita e a esquerda são obrigadas a se assumirem enquanto tal e debate político se qualifica ideologicamente. Tudo que os demagogos não querem. A bola está com a Dilma.

    ResponderExcluir