sábado, 4 de dezembro de 2010

Dilma ao The Washington Post: "meu desafio é acabar com a pobreza absoluta no Brasil"

Na quinta-feira, 2, a Presidente eleita Dilma Rousseff recebeu no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), onde está funcionando o governo de transição, a repórter Lally Weymouth, do The Washington Post para uma entrevista sobre os planos para o novo governo. Segue abaixo a matéria publicada no jornal norte-americano.

"Quatro semanas atrás, os brasileiros elegeram sua primeira presidente do sexo feminino - Dilma Rousseff, a candidato escolhida por Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente mais popular do Brasi, que está de saída do cargo. Dilma Rousseff chega ao poder com um percurso incomum: ela lutou nos anos 60 contra o regime militar que então governava o Brasil, foi presa e torturada entre 1970 e 1972. Ela então começou na política local e entrou para o governo Lula, em 2002, como ministra de Minas e Energia, tornando-se em seguida sua ministra-Chefe da Casa Civil. Em 02 de dezembro, em sua primeira longa entrevista desde a eleição, Dilma Rousseff falou sobre seus planos para os próximos quatro anos. Trechos da entrevista:

O fato da sra ter sido uma prisioneira política faz com que tenha maior simpatia por outros prisioneiros políticos?
Não há dúvida sobre isso. Devido ao fato de eu ter experimentado pessoalmente a situação de um preso político, eu tenho um compromisso histórico para todos aqueles que foram ou estão presos apenas porque expressam seus pontos de vista, a opinião pública, as suas próprias opiniões.

Então isso afetará sua política em relação ao Irã, por exemplo? Por que o Brasil apoiar um país que permite que as pessoas sejam apedrejadas, que os jornalistas sejam presos?
Creio que é necessário que façamos uma diferenciação [quando nos referimos ao Irã]. Eu considero [importante], uma estratégia de construção da paz no Oriente Médio. O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política - de uma política de guerra. Estamos falando do Afeganistão e do desastre que foi a invasão do Iraque. Nós não conseguimos construir a paz, nem conseguimos resolver os problemas do Iraque. Hoje o Iraque está em guerra civil. Todo dia, soldados de ambos os lados morrem. Para tentar construir a paz e não ir para a guerra é o melhor caminho [relação diplomática com o Irã].

[Mas] eu não endosso apedrejamento. Eu não concordo com as práticas que têm características medievais em relação às mulheres. Não há ressalvas, não vou fazer quaisquer concessões a esse respeito.

Brasil se absteve de votar sobre a recente resolução sobre os direitos humanos da ONU.
Eu não sou o presidente do Brasil [hoje], mas eu me sentiria desconfortável como uma mulher eleita presidente em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu tomar posse. Eu não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é minha posição.

Muitos norte-americanos tinham a simpatia pelo povo iraniano que se levantou nas ruas. É por isso que eu quis saber se a sua posição sobre o Irão seria diferente do que seu atual presidente, que tem boas relações com o regime iraniano.
O presidente Lula tem a sua própria reputação. Ele é um presidente que defendeu os direitos humanos, um presidente que sempre defendeu a construção da paz.

Como a sra vê a relação do Brasil com os Estados Unidos? Como você gostaria de vê-la evoluir?
Considero a relação com os EUA muito importante para o Brasil. Vou tentar estreitar os laços com os EUA. Eu tive grande admiração pela eleição do presidente Obama. Eu acredito que os EUA naquele momento revelaram grande capacidade para mostrar que são uma grande nação, e surpreenderam o mundo. Pode ser muito difícil eleger um presidente negro nos EUA - como era muito difícil eleger uma mulher presidente do Brasil.

Eu acredito que os EUA têm uma grande contribuição a dar ao mundo. E acima de tudo, acredito que o Brasil e os EUA têm de desempenhar um papel em conjunto no mundo. Por exemplo, temos um grande potencial para trabalhar juntos na África, porque na África podemos construir uma parceria para disponibilizar tecnologias agrícolas, produção de biocombustíveis, a ajuda humanitária em todos os campos.

Acredito também, neste momento de grande instabilidade devido à crise global, que é fundamental encontrarmos maneiras que vão garantir a recuperação das economias dos países desenvolvidos, pois isso é fundamental para a estabilidade do mundo. Nenhum de nós no Brasil estará confortável se os EUA carregarem altos índices de desemprego. A recuperação dos EUA é importante para o Brasil porque os EUA têm um mercado consumidor extraordinário. Hoje, o maior superávit comercial dos EUA é com o Brasil.

O que a sra pensa sobre o “alívio quantitativo”?
O alívio quantitativo é um fato que nos preocupa muito porque isso significa uma política de desvalorização do dólar, que tem efeitos sobre o nosso comércio exterior e também na desvalorização de nossas reservas de divisas que são em dólares. Para nós, uma política de dólar fraco não é compatível com o papel dos EUA devido ao fato de que a moeda norte-americana serve como uma reserva internacional. E uma política de desvalorização sistemática do dólar pode provocar reações de protecionismo, que nunca são uma boa política a seguir.

*Observação: a expressão “alívio quantitativo” (em tradução literal do inglês “quantitative easing”) é usada na macroeconomia para designar um conjunto de ações que visam à ampliação da liquidez de mercado, com ampliação da quantidade de moeda em circulação, para impulsionar o consumo. Aqui, a repórter do The Washington Post faz menção às medidas que vem sendo adotadas pelo Federal Reserve (Banco Central dos EUA) para acelerar a economia daquele país e que têm preocupado os mercados emergentes, como o Brasil, pois pode catalisar uma guerra cambial.

Quando a sra planeja visitar os Estados Unidos? Eu sei que a sra foi convidada para ir antes de sua posse, em 1º de janeiro, mas a sra não pôde ir.
Eu não estou aceitando todos os convites que recebo nem estou visitando todos os países estrangeiros. Eu tenho que montar o meu próprio governo. Tenho 37 ministros para nomear. Estou planejando visitar o presidente Barack Obama nos primeiros dias após minha posse, se ele puder me receber.

E a sra vai convidar o presidente Barack Obama para vir ao Brasil?
Já convidei informalmente, durante a reunião do G-20.

Existem preocupações na comunidade empresarial dos EUA sobre se o Brasil vai continuar no caminho econômico definido pelo presidente Lula.
Não há dúvida sobre isso. Por quê? Porque para nós esta foi a grande conquista do nosso país. Não é uma conquista de uma administração única - é uma conquista do Estado brasileiro, do povo de nosso país. O fato de termos conseguido controlar a inflação, ter um regime de câmbio flexível e uma solidez fiscal como a de hoje nos coloca entre os países no mundo que têm a menor relação dívida/PIB. Além disso, temos um déficit que não é muito significativo. Eu não quero me gabar, mas nós temos um déficit de 2,2%. Pretendemos, nos próximos quatro anos, reduzir ainda mais a relação dívida/PIB e garantir essa estabilidade inflacionária.

A sra já disse publicamente que gostaria de ver as taxas de juro caírem. A sra vai promover cortes no orçamento ou reduzir o aumento anual dos gastos do governo?
Não há nenhuma maneira de você poder cortar as taxas de juros sem você reduzir seu déficit fiscal. Nós somos muito cautelosos. Temos um objetivo em mente: a de que as nossas taxas de juros sejam convergentes com as taxas de juros internacionais. Para conseguir chegar lá, uma das questões mais importantes é a redução da dívida pública. A outra questão importante é melhorar a competitividade da nossa produção e da agricultura. Também é muito importante que o Brasil racionalize o seu sistema fiscal.

Se você quiser pressionar as taxas de juro, você deve cortar gastos ou aumentar a poupança doméstica.
Você não pode esquecer do crescimento econômico. Você tem que combinar muitas coisas.

Qual é seu plano?
Meu plano é continuar a trajetória que temos seguido até hoje. Conseguimos reduzir nossa dívida de 60% [do PIB] para 42%. Nosso objetivo é chegar a 30% do nosso PIB. Eu preciso racionalizar os meus gastos e, ao mesmo tempo, ter um aumento do nosso produto interno bruto, que fará o país avançar.

Então o que a sra quer dizer quando diz "racionalizar gastos"?
Não estamos em uma depressão aqui. Nós não temos que cortar os gastos do governo. Nós vamos cortar despesas, mas continuaremos crescendo. Estamos seguindo um caminho muito especial. Este é um momento onde o país está crescendo. Nós temos a estabilidade macroeconômica e, ao mesmo tempo, temos muito orgulho no fato de termos conseguido reduzir a extrema pobreza no Brasil.

Nós trouxemos 36 milhões de pessoas para a classe média. Tiramos 28 milhões da pobreza extrema. Como conseguimos isso? Com políticas de transferência de renda. O Bolsa Família é um dos seus principais exemplos.

Explique como funciona o Bolsa Família.
Nós pagamos um salário, que é um complemento de renda para os pobres. Eles ganham um cartão e retiram o seu rendimento, mas eles têm dois critérios que têm de respeitar: têm que colocar seus filhos na escola, e eles têm que provar que compareceram a 80% das aulas. Ao mesmo tempo, as crianças também devem receber todas as vacinas, e eles têm que passar por uma avaliação médica quando começam suas vacinas. Este foi um fator que foi responsável, mas não foi o único.

Nós criamos 15 milhões de novos empregos durante a administração do Presidente Lula. Este ano, já criamos 2 milhões de novos empregos.

A sra é bastante próxima ao presidente Lula. A sra realmente vai ser diferente ou vai ser apenas uma continuação do seu governo?
Eu acredito que o meu governo será diferente do presidente Lula. O governo do presidente Lula, do qual eu fazia parte, construiu uma base a partir da qual vou avançar. Não vou repetir a sua administração, porque a situação no país hoje é muito melhor do que era em 2002. Eu tenho os programas governamentais em andamento, que eu ajudei a desenvolver, como o Minha Casa, Minha Vida, que é um programa de habitação.

Meus desafios são outros. Vou ter de resolver questões como a qualidade dos serviços de saúde pública no Brasil. Vou ter que criar soluções para problemas de segurança pública. O Brasil passou por mais de 30 anos sem investir em infra-estrutura em uma quantidade suficiente. O governo do presidente Lula começou a mudar isso. Eu tenho que resolver as questões de transporte no Brasil, as ferrovias, as rodovias, os portos e aeroportos. Mas há uma boa notícia: Descobrimos petróleo em águas profundas.

A sra está dizendo que essa descoberta irá financiar a infra-estrutura?
Criamos um Fundo Social [em que] alguns dos recursos do governo oriundos do petróleo encontrado serão investidos em educação, saúde, ciência e tecnologia.

A sra tem que preparar o país para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Sim, mas eu também tenho outro compromisso, que é acabar com a pobreza absoluta no Brasil. Nós ainda temos 14 milhões na pobreza. Esse é o meu grande desafio.

Todos os empresários que eu encontrei em São Paulo disseram que eles tinham que estar muito preparados para se encontrar com a sra porque a sra está muito familiarizada com a maioria dos projetos.
Sim, é verdade. Eu acho que é uma característica feminina. Nós apreciamos os detalhes. Eles não.

O que significa para a sra ser a primeira mulher presidente do Brasil?
Ainda penso que é surpreendente.

Quando a sra decidiu que queria ser presidente?
Isso foi um processo. Não há nenhuma data. Comecei a trabalhar com o presidente Lula, e ele começou a dar algumas dicas sobre mim vir para a presidência, mas ele não foi claro sobre isso no começo. Foi uma grande honra para mim, mas eu não estava esperando por isso.

A partir do momento que ficou claro para mim que eu seria nomeada, há dois anos, eu sabia que tínhamos criado as condições adequadas para tornar possível vencer as eleições. O presidente Lula teve uma excelente administração e o povo brasileiro reconheceu isso. Somos uma administração diferente - nós ouvimos o povo.

A sra recentemente um câncer.
Sim, mas eu acredito que consegui lidar bem com isso. As pessoas têm que saber que o câncer pode ser curado. Quanto mais cedo você descobrir isso, melhores são suas possibilidades de cura. É por isso que a prevenção é importante. . . .

Acredito que o Brasil estava preparado para eleger uma mulher. Por quê? Porque as mulheres brasileiras conquistaram isso. Eu não cheguei aqui por mim, pelos meus próprios méritos. Somos a maioria neste país".

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