domingo, 19 de dezembro de 2010

O governo Dilma e os desafios para a maior afirmação e avanço da democracia brasileira

O processo de amadurecimento e afirmação da democracia é de natureza contínua e de longo prazo, sendo desdobramento do caráter dinâmico da cultura política de um determinado país. Assim, à medida que a democracia vai se fortalecendo outros novos desafios vão sendo colocados e, quando estes são finalmente superados, eis que outros aparecem. Isso porque a democracia é reflexo direto da cultura política, que, por sua vez, é produto das lutas travadas em determinado momento histórico. Ou seja, como a história não é estanque, à medida que ela evolui, impondo novas lutas, a democracia também vai sendo transformada, para melhor ou não.

Considerando os feitos do governo Lula nos aspectos de avanço dos direitos sociais, maior participação popular e combate à corrupção, podemos dizer que nos últimos oito anos a democracia brasileira registrou um grande salto de qualidade, que deverá ser reforçado nos próximos anos. Além do aprofundamento dessas políticas de afirmação da democracia, outros desafios neste campo são apresentados ao governo da Presidenta Dilma Rousseff. Entre as grandes questões que devem ser tratadas com maior atenção, elencaremos aqui três que são cruciais para avançarmos ainda mais no processo de amadurecimento democrático.

Reforma Política é a “mãe” de todas as reformas
Em primeiro lugar, o grande desafio do novo governo no campo da afirmação democrática é, sem dúvida, resgatar a credibilidade do sistema político junto à população. Sucessivos escândalos, casos de corrupção entre integrantes do Executivo e Legislativo, dentre outros fatores, promoveram um desgaste profundo da percepção sobre a política por parte da maior parte dos cidadãos. Considerando que esse desgaste leva, não poucas vezes, a um sentimento de repulsa por parte da população em relação ao meio político, é condição crucial para o fortalecimento da democracia que a imagem do sistema político seja recuperada dentre os cidadãos.

Afinal de contas, se os próprios cidadãos não acreditam no sistema político que os representa, cria-se espaço para recuos da democracia, que são extremamente perigosos. A melhor forma de se resolver essa questão é através da Reforma Política, discutindo-se e adotando-se medidas para corrigir as inadequações e promover uma melhora do sistema político. Como já foi discutido neste blog em ocasiões anteriores, é preciso que se discuta a relação candidato-partido, eleitor-partido-candidato e também a relação dinheiro-política. Neste sentido, a reforma política deve contemplar o debate sobre o sistema de voto, sobre o financiamento de campanha e também sobre o papel da Câmara e do Senado Federal.

Embora esse debate não seja fácil, uma vez que muitas vezes esbarra nos interesses do próprio meio político, é urgente que se faça esse enfrentamento, a fim de que a democracia brasileira continue se afirmando nos próximos anos. A reforma política é o caminho para que a população não apenas recupere sua confiança no sistema político como também se sinta motivada a ampliar sua participação nas discussões e formulações de políticas públicas. Afinal de contas, o cidadão só participa efetivamente daquilo que ele acredita: se queremos tanto que cada vez mais brasileiros participem da vida política, é condição indispensável que esses brasileiros confiem na eficácia e no funcionamento do sistema político.

Afirmação do Estado laico para promoção de direitos sociais
Outro grande desafio para os próximos anos diz respeito à afirmação do Estado laico. Embora a Constituição Federal de 1988 declare o Brasil como um país laico, na prática assistimos a um verdadeiro “lobby religioso” que emperra o debate acerca de temas considerados como “tabus” pelas religiões, mas estão diretamente ligados à promoção da cidadania para todos os segmentos sociais. Entre esses temas podemos citar a questão das políticas públicas para o segmento LGBT. Embora outras democracias do mundo, inclusive da América Latina, já estejam bem adiantadas no que diz respeito a políticas de criminalização da homofobia e garantia dos direitos civis aos homossexuais, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer nessa área.

O primeiro grande passo nesse sentido consiste na aprovação do PL 122/06, que há quatro anos está travado no Congresso Nacional por conta da pressão da bancada religiosa. Esse projeto de lei versa sobre a criminalização da homofobia. Considerando que no nosso país a cada dois dias morre um homossexual por crimes de motivação homofóbica, é crucial que tenhamos uma legislação própria para coibir esse tipo de preconceito. A união civil é outro direito que também deve ser garantido ao público LGBT, de modo a estender às uniões homoafetivas os mesmos direitos que são garantidos no caso de casais heterossexuais. Como a Constituição prevê o Estado laico, é inconcebível que essa pauta não avance por conta de pressões religiosas.

Outra pauta que deve ser amplamente discutida é a do aborto. Embora esse tema tenha sido explorado de uma forma deplorável pelos partidários de José Serra (PSDB) durante as eleições desse ano, é fundamental que ele volte à arena do debate para ser discutido de uma forma séria e para além do ponto de vista religioso. Dados do Ministério da Saúde dão conta que mais de 200 mil mulheres por ano no Brasil morrem por conta de abortos clandestinos feitos em condições precárias. Para evitar a morte desse contingente de mulheres, é importante que se descriminalize o aborto e dê a essa mulheres a possibilidade de serem atendidas pelo SUS. Afinal de contas, aborto é uma questão de saúde pública.

Democratização da informação e da comunicação
Por fim, outro ponto que deve ser enfrentado de forma veemente pelo novo governo diz respeito à quebra dos monopólios da informação e das comunicações no Brasil. Embora a grande imprensa venha fazendo uma campanha aberta contra esse tema, a sua discussão é cada vez mais urgente para que tenhamos um ambiente cada vez mais propício ao avanço da democracia. Como muito bem expresso no documento do Conselho de Comunicação da X Cúpula do Mercosul, ocorrida semana passada em Foz do Iguaçu (Paraná), “a Comunicação deve ser reconhecida como um Direito Humano a ser exercido por e para todas as pessoas. O Direito à Comunicação implica garantir diversidade e pluralidade. Não nos conformamos com as proclamações que reduzem a liberdade de expressão à liberdade de empresa”.

Segundo esse mesmo documento, “não se trata somente do fato de que os Estados não censuram a imprensa. Entendemos necessária a implementação, por parte dos Estados, de políticas públicas, com participação cidadã, para garantir a todas e todos o exercício dos direitos à livre expressão, à informação e à comunicação. Dessa forma se possibilitará a expressão a povos e setores silenciados”. Medidas no sentido de estimular os meios de comunicação comunitários, por exemplo, são extremamente importantes nesse contexto da democratização da informação, afinal de contas esses meios nada mais são do que a mais genuína expressão das comunidades nas quais eles estão inseridos. A discussão e implementação de um novo marco regulatório das telecomunicações também é fundamental.

Percebe-se, dessa maneira, que muitos são os desafios impostos ao governo Dilma para que aprofundemos ainda mais o processo de fortalecimento da nossa democracia. Como dito anteriormente, é preciso que dia-a-dia se aperfeiçoe a nossa cultura política, através de políticas públicas que promovam maiores avanços nos direitos sociais, que recuperem a credibilidade do sistema político junto à população e que democratizem o acesso à informação e à comunicação. Somente assim conseguiremos, ao longo dos próximos anos, registrar avanços ainda maiores do que os verificados nos últimos oito anos em nossa democracia.

Um comentário:

  1. Sem dúvida a refoma política e urgente para recuperar a confiança do povo brasileiro pelo sistema político do país.A maioria da população tem uma visão bastante negativa da política,e a credibilidade das instituições democráticas esta bem baixa,o que torna a questão da reforma política no governo Dilma um tema fundamental para fotalecer a democracia brasileira.
    No que diz respeito ao estado laico,ficou evidente nessa eleição passada como a religião influenciou o debate,a questão do aborto foi manipulada pelos aliados do candidato derrotado:o Zé entreguista,ops!digo:José Serra.A questão do aborto precisa ser discutida como uma questão de saúde pública e não sobre o prisma religioso.O debate não será fácil,porque grupos conservadores e fundamentalistas tem bastante força política e influencia sobre a opinião pública,mas esta questão e outras do gênero precisam ser enfrentadas e não podem mais ficarem sendo adiadas.Eu particularmente sou contra o aborto,e penso que a prática pode ser reduzida com mais políticas públicas e com a melhora da qualidade de vida das pessoas,mas também sou a favor da descriminalização do aborto, para que a pessoa que tenha feito tal prática possa ter seu direito de receber o atendimento do SUS.
    Sobre a comunicação e a informação sem dúvida o monopólio e a concentração da mídia nas mãos de poucas famílias prejudica a democracia,a velha imprensa golpista,venal,e facista esta chamando o projeto de regulamntação da mídia de censura,mas no fundo o PiG não quer que seu monopólio e abuso da imprensa acabe.Uma mídia pluralista e fundamental para a democracia,e o debate sobre esse tema no próximo ano será importante.
    Para finalizar destaco que gostei do texto e estou indicando o Blog do Boteko Vermelho para meus colegas da universidade.

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