sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Quem te viu, quem te vê: a opinião da Veja sobre Lula logo após a derrota na eleição de 89

Há exatos 21 anos, no dia 24 de dezembro de 1989, chegava às bancas a primeira edição da revista Veja após o segundo turno das primeiras eleições presidenciais diretas pós-redemocratização, realizado no dia 17 daquele mês. A capa da revista trazia estampada, naturalmente, a foto do candidato vitorioso naquele pleito, o até então ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello. Além de uma extensa reportagem de capa sobre o “estilo pessoal e de poder” do recém-eleito presidente, que mostrava desde os familiares de Collor até os seus perfumes prediletos, e de uma matéria sobre os “abacaxis” que Collor teria que descascar a partir de março de 1990, quando tomaria posse, a Veja também trouxe uma matéria sobre o candidato derrotado nas urnas naquela eleição – o então ex-metalúrgico Lula.

A campanha de 1989 é lembrada até hoje por ter sido uma das campanhas mais animadas – e radicalizadas – desde a redemocratização do Brasil. Após um primeiro turno com a presença de grandes figuras da cena política brasileira – como Mário Covas, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, dentre muitos outros – eis que chegam ao segundo turno Collor e Lula. Após uma eleição extremamente disputada, que até o último instante mostrava empate técnico entre os dois candidatos, Collor venceu por pequena margem de votos. A matéria reproduzida a seguir – e intitulada “A queda da estrela” - é da edição nº 1110 da Veja, de 24 de dezembro de 1989. É interessante ver a análise que a reportagem faz sobre Lula, dando a entender que a derrota naquele ano não foi um fracasso e que o ex-metalúrgico consolidou-se como líder da oposição ao novo governo. É um documento histórico muito interessante, especialmente se compararmos com o tom folhetinesco que a Veja assumiu desde a década de 90.

A queda da estrela
"Durante os trinta dias de campanha entre o primeiro e o segundo turno da eleição, o candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva, 44 anos, alimentou uma esperança fundada no mais puro realismo: ocupar a cadeira do presidente José Sarney no Palácio do Planalto pelos próximos cinco anos. Até a hora da verdade Lula estava virtualmente empatado com seu adversário do PRN, Fernando Collor de Mello, realizara os maiores e mais animados comícios da temporada e parecia muito perto de transformar seu sonho de candidato numa festa regada a discursos de comemoração. Quando as urnas do segundo turno foram abertas, porém, o sonho de Lula virou pó e a cadeira do presidente Sarney escapou-lhe por pouco das mãos. Para quem entrou na campanha como azarão, bateu políticos como Leonel Brizola e Mário Covas no primeiro turno e quase chegou lá, a derrota carrega todos os ingredientes da frustração, mas nada tem de humilhante.

Ao contrário, Lula sai desta eleição robustecido em relação ao personagem que ele encarnava um ano atrás. Com seu passado de líder operário, de deputado bom de voto e, agora, de um homem capaz de puxar os votos de metade do país numa corrida presidencial – tudo isso com o reforço da teia política e sindical que é o PT -, Lula se credencia como carta forte em qualquer eleição e, desde já, emerge como um dos pilares da oposição ao novo governo no país.

“Lula credenciou-se para fazer oposição como ninguém antes”, afirma o deputado Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais. O desempenho de Lula na eleição, na verdade, surpreendeu a própria direção do partido, que tratava a sua candidatura apenas como uma etapa na estratégia de chegar ao poder – algo vislumbrado como possível, no cronograma dos teóricos petistas, somente em 1994. Fora do PT, também se duvidava das chances de um ex-metalúrgico chegar à Presidência da República na primeira eleição direta em 29 anos. Havia a questão do despreparo intelectual de Lula, em comparação aos bacharéis que normalmente disputam eleições nesse patamar. Imaginava-se ainda que o radicalismo do PT deixaria a grande maioria do eleitorado na defensiva. Além disso, faltava experiência tanto ao candidato quanto à sua máquina de sustentação.

Desacreditado na largada, Lula saltou para o primeiro lugar nas pesquisas realizadas no início do ano, com 10% das intenções de voto. Nem assim passou a ser visto como peça de grande realce no tabuleiro da sucessão. Entre julho e agosto, Lula recuou para os 5% nas pesquisas de opinião – e algum tempo depois chegou a ser considerado carta fora do baralho. Nesses meses, com o caixa da campanha em baixa, o candidato do PT viajava pelo país em aviões de carreira e passava horas intermináveis nos aeroportos.

Para Lula, que entrou na sucessão com poucas esperanças, mas passou a acreditar firmemente na vitória com a proximidade das eleições, a derrota foi um baque. Nas semanas anteriores ao segundo turno, Lula já demonstrava sinais de nervosismo e tensão – alternava momentos de descontração e mau humor, especialmente pela manhã, depois de dormir menos de quatro horas em função dos desumanos compromissos de campanha. Em situação normal, Lula é uma pessoa agradável, distendida e bem humorada. Nos momentos tensos do final de campanha, era outra pessoa. Na segunda-feira dia 11, o estado de alta ansiedade do candidato piorou com o depoimento de sua ex-namorada Mirian Cordeiro, apresentado no horário eleitoral do PRN.

Embora estivesse esperando que algo desse tipo fosse mostrado na campanha, Lula não estava preparado para a intensidade e a rudeza do ataque. O golpe acertou-lhe a boca do estômago e funcionou como uma espécie de balde de água fria no entusiasmo que tomou conta do partido duas semanas antes da eleição – com o crescimento nas pesquisas, começou-se a acreditar, de fato, na possibilidade de vitória. Lula foi mal do dia seguinte no debate na TV, deixou sem resposta os ataques mais duros de Collor e apareceu como o aluno que entra numa prova despreparado. Já tinha se apresentado muito melhor em debates anteriores. Lula voltou para casa desanimado e, naquele momento, passou pela sua cabeça, pela primeira vez em várias semanas, que poderia não chegar lá. Nos comitês de campanha e nas sedes do partido, os militantes ainda tentaram reverter a onda de desânimo com a organização do trabalho de boca de urna para o dia 17. Quando as urnas foram fechadas, no final da tarde daquele dia, porém, o que o PT mais temia estava selado – Lula quase chegou lá.

Com a derrota, abriram-se, na semana passada, duas discussões sobre o futuro dentro do PT – o futuro do próprio Lula e o do partido. Deputado sem muita expressão na Assembléia Nacional Constituinte, Lula mostrou-se um político mais preparado e maduro durante a campanha presidencial. Ele foi capaz, sem dúvida, de ampliar notavelmente sua base eleitoral – do contrário, teria ficado nos 16% de votos que teve no primeiro turno e demonstrado que é um candidato de possibilidades excessivamente estreitas. Atribuiu-se a Lula, também, a maior parte do sucesso obtido nos acordos com Leonel Brizola, do PDT, e Mário Covas, do PSDB, para a eleição do segundo turno.

Além disso, ficou comprovado, pelo número de participantes nos comícios, pelo seu desempenho nos palanques e por sua votação final que Lula é um político com uma rara qualidade – carisma. Por essas condições pessoais, Lula, com apenas 44 anos de idade, parece ter um futuro tranqüilo pela frente. Mesmo as facções do PT mais refratárias à sua liderança terão de continuar admitindo que ele permanece como o número 1 do partido, e não como um fracassado de quem é preciso livrar-se – o que, entre outras coisas, o faz, desde já, um forte candidato a disputar o governo de São Paulo no ano que vem.

O futuro do PT é um assunto mais complicado. O problema que virá a tona depois que a poeira da eleição baixar é a disputa nunca resolvida e sempre feroz entre as facções internas do partido. Durante a campanha, particularmente na disputa do segundo turno, Lula utilizou uma linguagem moderada que desagradou às numerosas facções radicais de sua legenda. Como as derrotas têm o dom de ampliar, e até de exagerar, os erros cometidos pelos derrotados, é quase certo que os dois lados se engalfinharão na troca de acusações sobre quem fica com a responsabilidade. O desafio do PT, portanto, será encontrar a melhor maneira de manter com vida o que a campanha trouxe de positivo para o partido. Não conseguindo isso, a derrota do dia 17 terá sido o que é, tristemente, a maioria das derrotas – apenas uma derrota".

2 comentários:

  1. Confesso que não leio mais essa revista política,e ideológica da direita.Um livro muito interessante sobre essa revista ideológica se chama:"Veja:o indispensável partido neoliberal(1989-2002)",que análisa o papel dessa revista fascista na implantação do neoliberalismo aqui no Brasil.A revista Veja durante as eleiçoes desse ano voltou a virar um panfleto ideológico da direita,apoiando descaradamente o Serra e fazendo acusações infundadas contra o PT. O mais impressionate Leandro e que logo após a vitória da Dilma,essa revista cara de pau publicou uma materia favorável a presidenta Dilma.Se uma pessoa chegasse aquele dia de avião no país e não tivesse por dentro do processo eleitoral e das materias publicadas pela Veja semanas anteriores ao resultado da eleição,e lesse a revista daquele dia histórico,nem imaginaria o que tinha se transformado essa revista no período da eleição.A Veja esta perdendo cada vez mais credibilidade,além do conteúdo da Veja ser de baixa qualidade e manipulada.Depois que parei de ler a Veja minha saúde melhorou.

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  2. Pois é, Alan! De fato, é preciso estar com um estomazil ao lado para se ler Veja, Folha, Estadão e O Globo!

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